Quando me perguntam sobre as novas variantes,sobre o que
significam e o quanto seriam perigosas ou mais transmissíveis,com um misto de
frustração e desespero por acharem que as vacinas por si só seriam a salvação
da pandemia , a melhor resposta é : “não significa nada”, “tudo ficará bem,
porque máscaras, distância social, lavagem das mãos e bom senso ainda funcionam
tão bem contra essas versões do vírus”.
Claro, as variantes significam algo. Variantes são
exatamente o que acontece quando há mutações suficientes para fazer a diferença
na doença. As mutações ocorrem sempre que alguém pega Covid-19. Variantes
acontecem quando muitas pessoas contraíram a doença e ela está evoluindo para
agir de forma diferente dentro do corpo. Este vírus teve tantos corpos para
sofrer mutação que desenvolveu várias novas formas de atacar as células e de
escapar do sistema imunológico. Em outras palavras, tantas pessoas foram
infectadas que o vírus melhorou em nos atacar.
É por isso que as variantes finalmente estão predominando,
porque foi isso que a humanidade deixou acontecer no ano passado. Mas as
mutações não tornam o vírus melhor: ele ainda se desfaz em álcool e sabão,por
exemplo. Ainda não consegue passar por uma máscara. Então, tudo o que precisamos
fazer são todas as coisas que deveríamos ter feito no ano passado.
Se as pessoas estivessem fazendo essas coisas, estaríamos muito
melhor.
Eu não estou bem. Impossível não viver uma forte indignação
com as variantes,o número de casos e mortes,as incoerentes regras na maior
parte do mundo. Como muitas pessoas, eu sabia que o uso de máscara, a distância
física e a lavagem das mãos funcionavam em março passado, e antes que
soubéssemos que a transmissão de fômites não era um problema,nos preocupávamos
em limpar tudo ao nosso redor. Sabíamos que a ventilação era importante.
Sabíamos que sair de casa para fazer exercícios era importante.
Pessoas que realmente se importavam viveram uma luta contra
a solidão e o isolamento. Muitos pais fizeram de tudo para ajudar seus filhos
com a educação à distância. Alguns estudantes estão terminando o ensino médio
sem nunca ter visto um professor pessoalmente, sem abraçar um único amigo em um
ano.Muitos de nós não comemos nem bebemos com ninguém fora de casa. Nós
higienizamos as mãos toda vez que entramos ou saímos de qualquer lugar, tocamos
em qualquer coisa, colocamos ou tiramos uma máscara. É difícil e desagradável,
mas é seguro, não apenas para nós, mas para todos ao nosso redor.
Já vi amigos que trabalham na medicina lutarem contra a
exaustão. Já ouvi as mesmas histórias que todos já ouviram : sobre o
esgotamento da equipe médica, pegar Covid-19, alguns desistindo, alguns
morrendo da doença, alguns cometendo suicídio sob pressão. E eles continuam em
altos e baixos , implacáveis.
E também sabemos que em lugares como Vietnã, Nova Zelândia,
Butão e Taiwan, eles pararam,fizeram as coisas que todos sabíamos que
funcionavam, e estão vencendo o vírus mostrando que ,sim ,isso é possível.
As novas variantes importam? Elas não deveriam importar, elas
não importariam, elas nem existiriam se
as pessoas tivessem realmente feito a coisa certa. Mas, em vez disso, estamos
perto de 120 milhões de casos confirmados, principalmente porque as pessoas não
fizeram a coisa certa.
Depois de um ano de cuidado, paciência e sacrifício em minha
família, com casos ainda acontecendo implacavelmente ao redor do mundo, eu
pessoalmente perdi a paciência com tudo o que vem acontecendo. Eu acho que não
estou sozinho. Tenho certeza de que todas as outras pessoas que passaram um ano
em casa ou apenas realizando um trabalho essencial enquanto faziam tudo que
podiam para prevenir a transmissão também passaram de seus limites de
tolerância com o outro. Podemos não identifica-lo , saber quem realmente é,
podemos nunca saber, mas agora o odiamos. Fizeram isso conosco.
Esta não é minha primeira pandemia, comecei minha vida
médica na era da AIDS em uma cidade profundamente afetada. Eu acompanhei muitas
mortes naquela época e, eventualmente, fiz muita orientação sobre sexo seguro e
aprendi muito sobre como lutar contra uma doença como um membro da comunidade.
Aprendi a lição valiosa de que a cooperação é uma estratégia fundamental.
Hoje lidamos com as consequências das ações humanas.Acho que
muitos estão vivendo pura raiva, enjaulados em milhões de casas.Desde o inicio,entanto,
eu duvidei do “mantra” que afirmava que sairíamos “dessa” melhores. Mas não
previ como me sentiria a respeito.Muitos de nós passamos estes duros meses
vendo fotos de festas , viagens , aglomerações e negacionismos. Somos as
pessoas que desistiram de um ano (até agora) para manter a nós mesmos, nossas
famílias, e nossas sociedades seguras. E então há aqueles que não o fizeram.
Vai chegar um ponto em que isso acabará, e todos estaremos
em contato. Decidi que se alguém que não usou máscara, foi a lugares lotados,
visitou amigos e familiares levando a eles um risco de morte, qualquer uma
dessas coisas, não merece o meu respeito e amizade. Porque o que está
acontecendo agora é culpa de quem age
assim : a doença, a exaustão, as mortes, a solidão, o isolamento,a desculpa de pessoas
que não conseguem ficar em casa por tempo suficiente para deixar essa coisa
horrível se extinguir. Não estou falando sobre as pessoas que tiveram que
continuar trabalhando para nos manter alimentados, seguros, pessoas que tiveram
que manter a sociedade trabalhando durante tudo isso.
Falo sobre aqueles que querem beber, dançar, festejar e
comer fora, voar ao redor do mundo e fugir da quarentena e, claro, não usar a máscara. É o comportamento de risco que todos
sabem que não precisam ter, que todos sabiam que era arriscado, e que , mesmo
assim, o que valia era a felicidade de curto prazo, mais importante do que
todas as consequências.
Finalmente perdi o paciência quando alguém me pergunta sobre
as variantes, mas sempre estive destinado a perdê-la. Sei de trabalhadores
essenciais, alguns com mais de 65 anos, que tiveram que continuar passando por
tudo isso. Todos os de bom senso se preocupam com eles. Isso sempre foi pessoal
para mim.Não mais só como médico.Assim como é pessoal para centenas de milhões,
talvez bilhões, de vidas que foram tocadas, atacadas ou destruídas por esta
doença e pelas pessoas que a propiciaram.
Em algum momento estaremos todos de volta ao mundo juntos,
mas nunca mais será o mesmo.
No momento, não tenho a menor pretensão de perdoar as
pessoas que levaram o mundo ao limite. Posso culpar os políticos, o que é
sempre bom. Eles são abstratos e fáceis de culpar, mas não eliminam a maior
parte do vírus. Muitos países, democráticos, autocráticos, orientais,
ocidentais, grandes e pequenos, optaram por sair da pandemia. Eles disseram
não, e eles simplesmente não tiveram que viver o inferno do ano passado da
mesma forma que minha família e o nosso país viveram a experiência da Covid-19..
Acho que quando todas as pessoas que trabalharam e se sacrificaram
para desacelerar a Covid-19 encontrarem todas as pessoas que não o fizeram,
será uma nova e cruel divisão na sociedade, e levará pelo menos uma geração
para ser curada.
Ao contrário de qualquer outra pandemia na história, nosso
nível de conhecimento científico e capacidade de comunicação global nos deu o
poder de deter esse vírus. Esta é a primeira pandemia autoinfligida pela
humanidade. Ou melhor, um monte de gente infligiu isso a todos nós por causa do
egoísmo, da ignorância ou de ambos.
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