Uma palavra utilizada por alguns estatisticos durante a
pandemia foi “micromort”.Um um artigo de David C. Roberts no New York Times explicava que um micromort é uma medida usada
por cientistas (e seguradoras) para calcular o risco de morrer. Um micromort,
escreve Roberts, é equivalente a uma chance em um milhão de morrer. Cada
comportamento, seja saltar de um avião (sete micromorts) ou dar à luz (210
micromorts), tem um valor que pode ser atribuído a ele.
A vida vem com riscos inerentes. Nossas chances de morrer de
alguma coisa - e o micromort mede apenas as chances de morrer, não as chances
de ficar doente ou gravemente ferido - aumentam sempre que fazemos qualquer
coisa, exceto ficar em casa e assistir televisão, regularmente . Certas
atividades que aceitamos como aspectos razoavelmente normais de uma vida
carregam contagens de micromorts muito mais altas do que poderíamos pensar.
Montar a cavalo tem cerca de dois micromorts. (Na verdade, é tão perigoso como
susar ecstasy.) A anestesia geral vale cinco micromorts.
O micromort teve uma
utilidade considerável nos primeiros dias da pandemia. A cada decisão que tomamos,
tivemos que calcular nosso limite de risco pessoal.Contrair o Covid-19 foi
estimada em 10.000 micromorts, aproximadamente o mesmo que escalar o Everest.Para
alguém com mais de 75 anos ou com o sistema imunológico comprometido, o risco
era 10 vezes maior, 100.000 micromorts, o que é "apenas um pouco menos do
que fazer 4 vôos de bombardeio da Royal Air Force sobre a Alemanha durante a
Segunda Guerra Mundial".
Assim, todos os movimentos que fazimos em público ou perto
de outras pessoas vêm com seu próprio valor micromor durante a pandemia. E isso
se tornou cada vez mais complicado. Valeu a pena ir à loja? Beber com os amigos
na varanda? Jantar ao ar livre em um restaurante? Cada decisão banal estava
repleta de riscos e perigos. Mas evitar todas essas decisões também não ajudou.
Ficar no quarto sozinho sem interagir com ninguém não parece aumentar o número
de micromort e foi considerado por alguns como a única atividade segura;
afinal, não se adquire o SARS Cov 2 sozinho.
Durante o desenrolar da pandemia , ficar dentro de casa e
não ver ninguém por vários meses, trazia seu próprio risco inerente, tanto
social quanto fisicamente. As consequências para a saúde de tantas pessoas ao
permanecerem isoladas por tanto tempo levarão anos para serem entendidas e
desvendadas. Certamente eles terão suas partes dos micromorts também.
Mas existem outras consequências de viver durante uma
pandemia, e uma delas é perder a noção do que, de fato, o risco realmente
representa.
No momento observamos a taxa de eficácia das vacinas
Covid-19.Uma conquista científica tão sem precedentes que beira o mágico.E, agora,
parece que nossa relação risco-recompensa está completamente fora de sintonia.
Há milhões de pessoas céticas em relação à vacina, como se qualquer efeito
colateral dela pudesse ser pior do que “contrair Covid-19”. Mas não são só
eles. Ainda há pessoas que, depois de se vacinarem totalmente, ainda têm medo
de voltar à vida, mesmo quando fica cada vez mais claro que é mais seguro
fazê-lo .Ou que relaxam por completo nas medidas de precaução,o que aumenta de
novo o risco.
Existe o risco de uma pessoa vacinada ainda espalhar o
vírus? Há. Mas é um risco que vai diminuindo à medida que mais pessoas vão se
vacinando e os novos casos baixando. Ainda assim, um número surpreendentemente
grande de pessoas parece ter decidido que o único risco aceitável é o
"risco zero".
Mas não existe risco
zero. Nenhum. Um piano pode cair na nossa cabeça amanhã. Podemos levar um
choque dentro de casa. Nossa reintegração à sociedades virá com seus próprio
riscos e danos.É como dizer : se vamos ser totalmente vacinados e ainda assim
não retornarmos a nenhuma das coisas que fazíamos antes da pandemia ... qual é
exatamente o sentido de se vacinar? Pois é....a resposta não é tão simples pois
ainda viveremos num mundo pandêmico e não temos a plena ciência do tempo de
proteção conferido pelas vacinas.
A pandemia bagunçou nossos cérebros de uma forma que ecoará
nas próximas décadas.Ela continuará a manter seu domínio sobre muitos de nós,
mesmo enquanto estiver desaparecendo.
Sempre há risco no mundo. As pessoas têm que estar seguras.
Mas elas também precisam reconhecer, principalmente no final, que a Covid-19
não é o único risco que enfrentamos.Na verdade, é um dos menores. A única coisa
neste mundo que é risco zero? É a morte. Todo o risco se foi então.
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