Em dias de recordes de mortes no Brasil pela Covid 19
circula pelas redes “de desinformação” sociais mais uma droga candidata a
tratar a doença. Trata-se da Proxalutamida. Este medicamento ainda está sob
investigação e não é comercializado. Não foi aprovado pela ANVISA, FDA ou outra
agência regulatória equivalente.
Proxalutamida é um antagonista de receptor androgênico,
atuando diferentemente de finasterida, por exemplo, que é inibidor de 5-alfa
redutase. Alguns dados experimentais indicam eficácia antitumoral contra
carcinoma de próstata..
No site de referência sobre drogas em experimentação - ClinicalTrials.gov,
observamos cinco estudos com a droga. Três deles, de fases I e II, envolvem
pacientes portadores de neoplasia (próstata e mama). Os outros dois abordam a
proxalutamida na COVID-19.
O fundamento para seu uso na COVID 19 seria : a TMPRSS2
(serina-serina protease transmembranar) é uma das proteases envolvidas na fusão
da membrana do SARS-CoV2 com a da célula após a ativação do receptor celular
ECA-2. A TMPRSS2 é regulada por androgênios e tem expressão aumentada em
células tumorais prostáticas. Existem outros estudos pré-clínicos de inibidores
dessa protease, como o mesilato de camostato, para o SARS-CoV2.
Todavia, para a proxalutamida, não encontramos nenhum estudo
pré-clínico para SARS-CoV2. Mesmo na bibliografia do registro dos estudos no
ClinicalTrials, não há referências demonstrando alguma base farmacológica para
a suposta atuação da proxalutamida na SARS-CoV2.
Observa-se maior mortalidade em homens com COVID-19,
variável de acordo com o país e a faixa etária. Entretanto, fatores
socioculturais e de história médica parecem justificar essas discrepâncias.
Voltando ao estudo: existe a alegação de associação de
alopecia androgenética e gravidade de COVID-19, com base em uma carta ao editor
publicado em https://ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC7536899/ dos “mesmos autores”: uma analise de 65 indivíduos
do sexo masculino com COVID-19, após um ponto de corte arbitrário.
Aquei uma importante ressalva: considerar alopecia como
preditor de qualquer desfecho em COVID-19 lembra a época na qual a presença de
isqueiro ou fósforo no bolso da camisa foi associada ao câncer de pulmão.
Alopecia androgenética é empregado como justificativa para a
condução de mais de um estudo da proxalutamida em COVID-19. O registro
NCT04446429 é constatado em cinco papers diferentes, um deles sem a intervenção
de proxalutamida, mas de outra droga : a dutasterida
Já aconteceram problemas metodológicos muito relevantes de
três artigos diferentes mas associados ao mesmo registro no ClinicalTrials
(NCT04446429) .
No ClinicalTrials, há registro de um estudo de fase III da
proxalutamida em pacientes hospitalizados por COVID-19 do mesmo grupo que
anuncia os resultados atuais, datado em 29 de janeiro de 2021. O estado é
"not yet recruiting". Ou seja , estudo que não havia sido iniciado há
menos de dois meses atrás !!!! E....é o mesmo registro que consta no PDF que
circula atualmente !!!!!!!. A inclusão e
acompanhamento de 600 pacientes no intervalo de menos de 30 dias (o registro
ocorreu em 29/01/2021) também é surpreendente !!!!!!!!!!!
Realmente, é impossível realizar qualquer análise
aprofundada com base no material circulante, que têm muita ênfase em resultados
e quase nenhuma em metodologia.
De acordo com o protocolo, a proxalutamida seria
administrada por 15 dias. Os resultados, contudo, são expostos após um
curtíssimo tempo de seguimento de 14 dias ( ????), sendo que a média de dias de
hospitalização do grupo intervenção foi de apenas 3 dias.
Outros fundamentos estatísticos não ficam devidamente claros
-método de randomização? Alocação sigilosa? Cálculo de tamanho amostral?
Perdas?
Chama a atenção,
ainda, que o desfecho primário proposto no protocolo no ClinicalTrials seria a
escala ordinal de 7 categorias da OMS. A análise dos dados é apresentada de
forma dicotômica, com tamanho de efeito absurdo.
Além disso, muitos desfechos requereriam análise de
sobrevida - tempo até evento, tais como duração de hospitalização, tempo para
saída de oxigenioterapia, tempo para remissão de sintomas etc. Novamente, uma
análise categórica estranha.
Temos que esperar o artigo completo para que as dúvidas
preliminares levantadas, e que são graves , possam ser clareadas. Infelizmente,
seus resultados, até agora nada críveis, já circulam pela mídia leiga como a
tábua da salvação.
Um último ponto é o financiamento dos estudos pela empresa de
biotecnologia Applied Biology. Conflito claro de interesse.
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