sexta-feira, 12 de março de 2021

recordes de mortes pelo COVID 19 e drogas milagrosas

 

Em dias de recordes de mortes no Brasil pela Covid 19 circula pelas redes “de desinformação” sociais mais uma droga candidata a tratar a doença. Trata-se da Proxalutamida. Este medicamento ainda está sob investigação e não é comercializado. Não foi aprovado pela ANVISA, FDA ou outra agência regulatória equivalente.

Proxalutamida é um antagonista de receptor androgênico, atuando diferentemente de finasterida, por exemplo, que é inibidor de 5-alfa redutase. Alguns dados experimentais indicam eficácia antitumoral contra carcinoma de próstata..

No site de referência sobre drogas em experimentação - ClinicalTrials.gov, observamos cinco estudos com a droga. Três deles, de fases I e II, envolvem pacientes portadores de neoplasia (próstata e mama). Os outros dois abordam a proxalutamida na COVID-19.

O fundamento para seu uso na COVID 19 seria : a TMPRSS2 (serina-serina protease transmembranar) é uma das proteases envolvidas na fusão da membrana do SARS-CoV2 com a da célula após a ativação do receptor celular ECA-2. A TMPRSS2 é regulada por androgênios e tem expressão aumentada em células tumorais prostáticas. Existem outros estudos pré-clínicos de inibidores dessa protease, como o mesilato de camostato, para o SARS-CoV2.

Todavia, para a proxalutamida, não encontramos nenhum estudo pré-clínico para SARS-CoV2. Mesmo na bibliografia do registro dos estudos no ClinicalTrials, não há referências demonstrando alguma base farmacológica para a suposta atuação da proxalutamida na SARS-CoV2.

Observa-se maior mortalidade em homens com COVID-19, variável de acordo com o país e a faixa etária. Entretanto, fatores socioculturais e de história médica parecem justificar essas discrepâncias.

Voltando ao estudo: existe a alegação de associação de alopecia androgenética e gravidade de COVID-19, com base em uma carta ao editor publicado em https://ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC7536899/ dos  “mesmos autores”: uma analise de 65 indivíduos do sexo masculino com COVID-19, após um ponto de corte arbitrário.

Aquei uma importante ressalva: considerar alopecia como preditor de qualquer desfecho em COVID-19 lembra a época na qual a presença de isqueiro ou fósforo no bolso da camisa foi associada ao câncer de pulmão.

Alopecia androgenética é empregado como justificativa para a condução de mais de um estudo da proxalutamida em COVID-19. O registro NCT04446429 é constatado em cinco papers diferentes, um deles sem a intervenção de proxalutamida, mas de outra droga : a dutasterida

Já aconteceram problemas metodológicos muito relevantes de três artigos diferentes mas associados ao mesmo registro no ClinicalTrials (NCT04446429) .

No ClinicalTrials, há registro de um estudo de fase III da proxalutamida em pacientes hospitalizados por COVID-19 do mesmo grupo que anuncia os resultados atuais, datado em 29 de janeiro de 2021. O estado é "not yet recruiting". Ou seja , estudo que não havia sido iniciado há menos de dois meses atrás !!!! E....é o mesmo registro que consta no PDF que circula atualmente !!!!!!!.  A inclusão e acompanhamento de 600 pacientes no intervalo de menos de 30 dias (o registro ocorreu em 29/01/2021) também é surpreendente !!!!!!!!!!!

Realmente, é impossível realizar qualquer análise aprofundada com base no material circulante, que têm muita ênfase em resultados e quase nenhuma em metodologia.

De acordo com o protocolo, a proxalutamida seria administrada por 15 dias. Os resultados, contudo, são expostos após um curtíssimo tempo de seguimento de 14 dias ( ????), sendo que a média de dias de hospitalização do grupo intervenção foi de apenas 3 dias.

Outros fundamentos estatísticos não ficam devidamente claros -método de randomização? Alocação sigilosa? Cálculo de tamanho amostral? Perdas?

 Chama a atenção, ainda, que o desfecho primário proposto no protocolo no ClinicalTrials seria a escala ordinal de 7 categorias da OMS. A análise dos dados é apresentada de forma dicotômica, com tamanho de efeito absurdo.

Além disso, muitos desfechos requereriam análise de sobrevida - tempo até evento, tais como duração de hospitalização, tempo para saída de oxigenioterapia, tempo para remissão de sintomas etc. Novamente, uma análise categórica estranha.

Temos que esperar o artigo completo para que as dúvidas preliminares levantadas, e que são graves , possam ser clareadas. Infelizmente, seus resultados, até agora nada críveis, já circulam pela mídia leiga como a tábua da salvação.

Um último ponto é o financiamento dos estudos pela empresa de biotecnologia Applied Biology. Conflito claro de interesse.

 

 

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