A evolução, seja de vírus ou de qualquer organismo, não
segue uma caminho linear, mas sim caminhos que se dividem, onde diferentes
linhagens seguem rotas evolutivas independentes. Ao longo dessas rotas, cada população
de coronavírus acumula cerca 2 mutações por mês
As rotas evolutivas que cada população de vírus segue é
praticamente única. Assim, ao longo de cada rota, cerca de 22 mutações ocorrem
por ano, mas se somarmos as mutações acumuladas por CADA rota, chegamos a
centenas de milhares de mutações
Desde o começo da pandemia, mais de 32.000 mutações mudaram
não só o genoma, como também as proteínas do SARS-CoV-2. Desse modo, aquela
média de 22 mutações por ano só se aplica a rota evolutiva de um único vírus:
são muitas mutações, normal
A maior parte dessas mutações não são preocupantes - muitas
vezes, nem tomamos conhecimento delas. Muitas delas não trazem uma vantagem
para o vírus.
Mas como elas surgem?
Imagine que o vírus tem ferramentas de copiar todo seu
material genético para gerar outros vírus iguais a ele. Ao longo do tempo e de
tantas produções de cópias, algum erro pontual pode surgir: Ao invés de copiar
a sequência CGTCGA, ele produziu CATCGA.
Eis uma mutação
Sabemos que regiões do vírus, como o domínio de ligação ao
receptor (RBD) variam entre os "subtipos" de coronavírus. Essa
região, que faz parte da proteína Spike, é importante pra entrada do vírus na
célula hospedeira
Estudos indicam que o RBD é alvo dos anticorpos
neutralizantes anti-SARS-CoV-2 identificados até o momento e várias vacinas
usam o RBD como um alvo. Portanto, acompanhar essas mutações faz parte das
nossas estratégias de entendimento desse vírus
Observou-se que algumas variantes emergentes na África do
Sul e no Brasil apresentam uma mutação chamada E484K no RBD. Já é descrito que
mutações nesse local podem ter implicações tanto na ligação com ACE2, quanto na
neutralização partir de anticorpos.
Uma das evidências levantadas foi um estudo com soro de
convalescente, isto é, soro de pessoas recuperadas de COVID-19 que mostrou uma
redução na capacidade de neutralizar esta variante. Em algumas amostras, a
neutralização ainda era observada, mas a redução chamou a atenção.
Esse achado é preocupante? Sem dúvida. Mas coloca um
impedimento nas vacinas que temos? De forma alguma. É necessário uma rodada de
testes com os anticorpos produzidos pelas vacinas para determinarmos se há uma
redução, de fato, nessa neutralização.
Ainda, pelo fato de observarmos respostas neutralizantes, é
possível que outros mecanismos relacionados a imunidade, como as próprias
células específicas geradas, anticorpos para outros locais menos variáveis
possam conferir uma boa proteção
Os estudos que temos hoje compreendem poucos indivíduos para
batermos o martelo, mas um alerta está sendo dado há vários meses: quanto mais
o vírus circula e infecta diferentes hospedeiros, mais estaremos vendo mutações
e surgimento de variantes
A baixa adesão a medidas de enfrentamento (quais medidas? o
uso de máscara, o distanciamento físico, evitar aglomerações, preferir
ambientes arejados/ar livre, higienização) são diretamente responsáveis pelo
aumento da circulação do vírus
Variante P1 - Brasil
É preocupante sim! Mas não significa que, nesse momento, as
vacinas não vão funcionar.Uma preocupação crescente.
Cronologicamente, o governo do Japão anunciou, no dia 10/01,
que detectou em seu território uma nova variante do coronavírus, em quatro
viajantes que vieram do Brasil para o Japão
Voltando para o contexto do que acontece no Brasil, a
pandemia do SARS-CoV-2 aqui foi dominada por duas linhagens designadas como
B.1.1.28 e B.1.1.33 que provavelmente surgiram no país em fevereiro de 2020.
No final de 2020, um estudo descreveu uma nova variante no
RJ que se distinguiu por cinco mutações, incluindo uma na proteína Spike
(E484K), também detectada no B .1.351 (linhagem Sul-Africana)
Essa variante B.1.1.28 (que contem a mutação E484K), foi
posteriormente detectado em outros estados brasileiros e ainda associado a dois
casos de reinfecção em pacientes originalmente infectados pela linhagem
B.1.1.33.
Segundo o estudo brasileiro, 148 sequências do genoma
completo SARS-CoV-2 do estado do Amazonas foram analisadas, identificou-se 69
(47%) sequências B.1.1.28 de diferentes municípios entre 13/04 e 13/11/2020,
sendo a linhagem viral mais prevalente em neste estado brasileiro
Após + análises no trabalho, com 18 novas cepas da região
coletadas entre o mês 5 a 11/2020, suportam que as cepas SARS-CoV-2 B.1.1.28 em
viajantes japoneses retornando da região amazônica brasileira provavelmente
evoluíram de uma linhagem que circula no Amazonas desde Abril/2020
Ainda, os dados preliminares apontam que a rápida taxa de
mutação detectada na nova linhagem P1 é um fenômeno recente que provavelmente
ocorreu entre dezembro de 2020 - janeiro de 2021.
No dia 13/01, um estudo se propôs a investigar as linhagens
recém-circulantes em Manaus, em 37 amostras de pacientes entre 15-23/12/2020
Esse estudo reveliu que, desses 13 indivíduos (ou 42% do
total) apresentavam justamente essa nova linhagem, chamada de linhagem P.1
(Manaus, "descendente" da B.1.1.28)
Na P.1, dentre as alterações presentes, encontra-se 2
mutações de interesse, ocorrendo na Spike:
- E484K ocorre no domínio de ligação ao receptor (RBD) que o
vírus usa para se ligar ao receptor ACE2 humano
- N501Y também ocorre no RBD do vírus (comentada
anteriormente)
Ambas as mutações compartilhadas entre P1 e B.1.351 (África
do Sul) parecem estar associadas a um rápido aumento nos casos em locais.
Portanto, é essencial investigar se há um aumento na taxa de reinfecção em
indivíduos previamente expostos.
E também aguardar como serão os estudos de eficácia das
vacinas.
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