sexta-feira, 19 de fevereiro de 2021

Negacionismo

 

Em seu livro clássico de 2016 sobre o negacionismo da ciência como arma política, ' Lies, Incorporated ', o jornalista americano Ari Rabin-Havt enfatiza o papel da negação como uma desculpa para a inação: enquanto houver incerteza, ou , por exemplo , enquanto “a ciência não está realmente estabelecida”, não há razão para agir

Trazendo a questão para os nossos dias , tempos de COVID-19. No Brasil, parece que a essência da narrativa da pandemia foi : não seria mais sensato deixar as pessoas continuarem como de costume até que tenhamos mais informações, para não prejudicarmos a economia por nada? Ou até : essa droga faz toda a diferença , não importa se existem estudos robustos sobre a sua eficácia.

Como Rabin-Havt mostra com propriedade, o objetivo principal do negociante não é estar certo: o que eles realmente querem é nos impedir de agir. Manter a polêmica viva preserva o status quo. Ninguém quer ser indevidamente severo diante da incerteza. Vamos parar e esperar. Esta equação entre negação e paralisia de políticas públicas parece se aplicar muito bem em vários campos ( a negação do desmatamento desenfreado na Amazônia mantém a destruição sem punição).

Quando se trata de negação dos resultados científicos a atual pandemia escancara a polêmica.O emprego da dúvida acima da ciência serve não só para paralisar a formulação de políticas públicas, mas para justificar a implementação de um plano arquitetado que não prioriza a saúde.E dentro deste tornado de desinformações a medicina pega carona de uma forma nunca antes vivenciada.De nós se espera o cuidado. Isso tem uma amplitude que passa por dar conselhos , ouvir , atenuar o sofrimento e, claro, prescrever tratamentos.Entendo que houve uma hipertrofia nesse ultimo contexto com o passar do tempo.A prescrição foi ganhando cada vez mais destaque, e alguns pacientes passaram a atrelar o ato médico sempre a uma receita de comprimidos. É claro que essa medicalização não é exclusiva da medicina convencional.Também está presente na medicina alternativa  na forma de pílulas de açúcar ou energia curativa. A consequência inevitável :para o paciente , o médico precisa estar "fazendo" alguma coisa. E muitos médicos também querem 'fazer' alguma coisa.Se sentem impotentes se não o fizerem. Infelizmente, isso pode justificar o uso indiscriminado de todos os tipos de intervenções medicamentosas possíveis. O simbolismo na COVID 19 foi a hidroxicloroquina.Eleita como símbolo de uma silenciosa derrocada da ética e do prestigio científico. Em resumo : tratamentos de eficácia não comprovada permearam os serviços médicos no Brasil durante a passagem do SARS Cov2 simplesmente pelo fato dos médicos “precisarem” prescrever algo e acabar prescrevendo qualquer coisa. Com a salva guarda de que se não ajudar, pelo menos não faria mal.

Sem perceber,acabam os doutores participando do processo de ilusão de segurança. O paciente “medicado” sente-se seguro para seguir a vida . Na saúde muitas vezes não fazer nada é melhor do que fazer algo errado.

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