Em seu livro clássico de 2016 sobre o negacionismo da
ciência como arma política, ' Lies, Incorporated ', o jornalista americano Ari
Rabin-Havt enfatiza o papel da negação como uma desculpa para a inação:
enquanto houver incerteza, ou , por exemplo , enquanto “a ciência não está
realmente estabelecida”, não há razão para agir
Trazendo a questão para os nossos dias , tempos de COVID-19.
No Brasil, parece que a essência da narrativa da pandemia foi : não seria mais
sensato deixar as pessoas continuarem como de costume até que tenhamos mais
informações, para não prejudicarmos a economia por nada? Ou até : essa droga
faz toda a diferença , não importa se existem estudos robustos sobre a sua
eficácia.
Como Rabin-Havt mostra com propriedade, o objetivo principal
do negociante não é estar certo: o que eles realmente querem é nos impedir de
agir. Manter a polêmica viva preserva o status quo. Ninguém quer ser
indevidamente severo diante da incerteza. Vamos parar e esperar. Esta equação
entre negação e paralisia de políticas públicas parece se aplicar muito bem em
vários campos ( a negação do desmatamento desenfreado na Amazônia mantém a destruição
sem punição).
Quando se trata de negação dos resultados científicos a
atual pandemia escancara a polêmica.O emprego da dúvida acima da ciência serve
não só para paralisar a formulação de políticas públicas, mas para justificar a
implementação de um plano arquitetado que não prioriza a saúde.E dentro deste
tornado de desinformações a medicina pega carona de uma forma nunca antes
vivenciada.De nós se espera o cuidado. Isso tem uma amplitude que passa por dar
conselhos , ouvir , atenuar o sofrimento e, claro, prescrever tratamentos.Entendo
que houve uma hipertrofia nesse ultimo contexto com o passar do tempo.A
prescrição foi ganhando cada vez mais destaque, e alguns pacientes passaram a atrelar
o ato médico sempre a uma receita de comprimidos. É claro que essa
medicalização não é exclusiva da medicina convencional.Também está presente na
medicina alternativa na forma de pílulas
de açúcar ou energia curativa. A consequência inevitável :para o paciente , o
médico precisa estar "fazendo" alguma coisa. E muitos médicos também
querem 'fazer' alguma coisa.Se sentem impotentes se não o fizerem.
Infelizmente, isso pode justificar o uso indiscriminado de todos os tipos de
intervenções medicamentosas possíveis. O simbolismo na COVID 19 foi a
hidroxicloroquina.Eleita como símbolo de uma silenciosa derrocada da ética e do
prestigio científico. Em resumo : tratamentos de eficácia não comprovada
permearam os serviços médicos no Brasil durante a passagem do SARS Cov2
simplesmente pelo fato dos médicos “precisarem” prescrever algo e acabar
prescrevendo qualquer coisa. Com a salva guarda de que se não ajudar, pelo
menos não faria mal.
Sem perceber,acabam os doutores participando do processo de
ilusão de segurança. O paciente “medicado” sente-se seguro para seguir a vida .
Na saúde muitas vezes não fazer nada é melhor do que fazer algo errado.
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