terça-feira, 14 de abril de 2020

as duas tristezas





Existem duas formas de tristeza para quem experimentou as agruras de uma guerra. Aquela associada á perda de vida humana — através das bombas , do combate brutal , da doença que percorre os hospitais lotados. E existe a perda da vida como nós a conhecíamos : a perda de um país , do emprego , da identidade e a necessidade subsequente de recomeçar.

 As duas perdas caminham juntas como duas estacas negras entrelaçadas.

Estas tristezas não são familiares para a maioria das pessoas que vivem países pacíficos. Com a pandemia do COVID-19 iremos viver uma complicada forma de tristeza que irá prolongar-se potencialmente por anos.

Milhares de corpos estão enterrados na Itália diante do olhar petrificado de quem sobrevive às escondidas. Nos Estados Unidos caminhões refrigerados são transformados em mortuários volantes. Em Nova Iorque enterros em massa e cremações estão sendo realizados sob um silencioso clima de desalento. Pacientes morrem sozinhos e muitos familiares , como na epidemia do Ebola na Africa, temem pelo contágio o que interfere com as práticas de despedidas dos velórios.

Todo este dano acontece enquanto as pessoas continuam morrendo pelas causas habituais.

Nossa sociedade não estava preparada para este tipo de tristeza que o coronavírus nos proporcionou. Os estudos sugerem que o sofrimento pessoal pelas perdas pode ter consequências a longo prazo. Crianças que perdem um ente querido por um evento traumático – desastres naturais , ataque terrorista , guerras são passíveis de sofrerem distúrbios emocionais de longo prazo. Sem citar a tão conhecida desordem do stress pós traumático responsável por um grande numero de suicídios entre veteranos de guerra.

O coronavírus difere das outras catástrofes de diversas maneiras. Ele é o próprio agente estressor. Especialmente para os mais vulneráveis.Ele traz uma tristeza antecipada. Também vem com uma súbita crise econômica e desemprego ; desconecta as pessoas de suas famílias ,arrasa com as rotinas e impõe outras nunca antes imaginadas.

Antes do coronavírus , o ethos do humanismo — a escuta atenta das preocupações humanas , dos seus medos e necessidades — nunca tinha sido tão praticada pela profissão médica.

Porém a duvida maior que persiste será a da real dimensão da tristeza. Desta vez ela não é de poucos. Está disseminada pelos caminhos furtivos do vírus. Será a maior experiência compartilhada em todos os tempos.

 E isso por não ter precedentes impõe um dúvida silenciosa cujo peso talvez demoremos uma eternidade para avaliar.

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