quarta-feira, 29 de abril de 2020

Empirismo



Pensamos no coronavírus como o causador de uma doença respiratória. Um símbolo icônico da pandemia provavelmente seja o respirador ou uma máscara. 

Mas , em algumas situações , a infecção vai bem além de uma pneumonia grave . O crescente número de casos e experiências pelo mundo mostra que o vírus não se limita ao trato respiratório : problemas renais , circulatórios , do sistema nervoso central , da pele emergem em relatos dramaticos. É uma doença de alta complexidade talvez comparada nos seus desafios iniciais ao que já vivenciamos há 40 anos atrás com o HIV.Gradualmente a verdadeira face do coronavírus está emergindo.

A falta de ar e a inflamação pulmonar ´são bem entendidas. Os pulmões têm cerca de 6 milhões de alvéolos , a unidade funcional onde ocorre a oxigenação orgânica. É neste ponto que infecções severas causam um colapso fisiológico difuso que requer cuidados intensivos dependentes de ventilação mecânica. Paradoxalmente é uma intensa reação imunológica descontrolada.
Um mistério ronda esses casos pulmonares. Os médicos controlam a saturação de oxigênio dos pacientes com coronavírus monitorando o percentual de moléculas de hemoglobina na corrente sanguínea que estão “ carregando “ o oxigênio. Normalmente em pacientes saudáveis
uma saturação abaixo de 90 % é motivo de grande preocupação: orgãos vitais como o coração e o cérebro podem ser seriamente comprometidos.Mas , estranhamente , alguns pacientes com coronavírus podem se sentir confortáveis mesmo com níveis de saturação´baixos. Isto vem sendo chamado de hipoxemia silenciosa. Pode ser um sinal iminente de complicações graves e risco de morte e parece implausível.

Seria a hipoxemia um sinal de alerta para intervenções decisivas ? Ou o virus interfere com a hemoglobina? Teorias não faltam. Acima de tudo esse fato pesa na decisão de colocar o paciente em ventilação mecânica.Enquanto não entendermos melhor a fisiologia por trás da hipoxemia silenciosa e porque apenas alguns pacientes passam por isto , viveremos este mistério sendo que , de alguma forma , este padrão poderá decidir quem deveria ser intubado com prioridade.

Outra particularidade que vemos em alguns pacientes , e que justifica toda a disfunção respiratória , é a intensa reação imunológica que desencadeiam resultando em um processo inflamatório difuso pelo pulmão.Isso ocorre principalmente pela liberação de citocinas.Novamente , porque isso só ocorre com alguns indivíduos não sabemos.

O sistema circulatório também pode ser alvo de uma guerra entre sangramento e coagulação. Através da medida de uma proteína chamada d-dímero, é possível ter uma noção do quanto de coagulação pode estar ocorrendo . Muitas infecções causam um aumento irregular dessa proteína tornando a correlação com a clínica muito dificil de ser feita. Enfrentamos então um desafio : a anticoagulação preventiva que é usada de rotina em pacientes admitidos no hospital pode agravar um distúrbio de coagulação. Mas , níveis altos de d-dímero demandam agressiva anticoagulação.
Pacientes em situação grave de saúde normalmente se submetem à dosagem de proteínas chamadas troponinas normalmente encontradas no musculo cardíaco.Sua presença indica dano cardíaco.Alguns pacientes com o coronavírus têm níveis elevados de troponina indicando possível dano ao coração. Não sabemos qual tipo nem como abordar

Relatos iniciais da China supõem que o coronavírus possa atacar diretamente o musculo cardiaco produzindo uma situação chamada de miocardite.

Muitos pacientes críticos com coronavírus desenvolvem insuficiência renal tendo que recorrer às máquinas de diálise. Em alguns locais elas já estão sendo tão escassas quanto os respiradores.
Alguns pacientes podem não recuperar sua função renal.A provável explicação é a baixa oxigenação renal que causaria danos estruturais aos rins.

Outros órgãos podem também ser comprometidos.Isso se justifica pelo fato que a proteína que serve de receptor para o coronavírus , a ACE-2 , não está apenas localizada no trato respiratório mas também no estômago , intestino e cérebro. Existem relatos de pacientes que apresentaram encefalite e derrame.Também têm sido notados casos de cetoacidose , uma complicação possível do diabetes , em pacientes sem histórico para a doença.

Lorraine Daston escreveu em um ensaio recente que é natural se lançar em busca de respostas no inicio de uma pandemia. “ em momentos de incerteza científica a observação geralmente considerada de pobre valor de evidências é uma valiosa ferramenta”.
No momento vivemos uma boa dose de empirismo.A melhor forma hoje de superar tanta ignorância é viver a experiência de um paciente por vez.
Com todos os seus mistérios.

domingo, 26 de abril de 2020

fronteiras abertas



Em1720 Marseille permitiu que um navio vindo de Chipre , com pessoas sofrendo de peste negra , parasse em seu porto . Isso ocorreu por pressão de mercadores que queriam que seus bens exportados chegassem logo ás suas mãos sem esperar pela usual quarentena

Mais da metade da população de Marseille morreu nos dois anos seguintes vitimada pela peste.

sábado, 25 de abril de 2020

Coronavírus : dilema da morte




Dependendo do estudo , de um terço a dois terços dos adultos não têm definido um plano diretivo para os últimos dias de vida. Nem mesmo expressado essa situação a seus familiares de modo claro e textual.
Até a presente data não temos evidências que pessoas idosas sejam mais propensas a contrair o coronavírus.O que sabemos é que são mais susceptiveis de desenvolverem quadro clinico mais severo quando infectados.
Dados consolidados da China mostram que a mortalidade aumenta entre os 60 e 70 anos podendo chegar a 20% entre pessoas acima dos 80. De acordo com o CDC , 80% dos óbitos vêm ocorrendo entre aqueles acima de 65 anos.
Uma explicação parcial é que adultos idosos apresentam mais condições crônicas de saúde — doenças pulmonares ou cardíacas , hipertensão etc além de uma menor “reserva” fisiológica.
O coronavírus desendeia uma doença predominantemente respiratória então a questão chave que se torna um dilema é se um paciente grave será ou não sujeito a uma ventilação mecânica. Em alguns locais , dependendo da demanda , isso até pode ser impossível de se realizar.
Antes do surgimento do coronavírus , de cada 100 pessoas com mais de 66 anos que passavam em média 14 dias na UTI num ventilador, 40 morriam ( e morrem) dentro de um ano da alta hospitalar. Experiências da Itália têm mostrado que metade desse indivíduos morrem com a ventilação mecânica prolongada.
Um recente estudo no jornal JAMA avaliou pacientes com coronavírus admitidos no Northwell Health hospitals na cidade de Nova Iorque. O índice de mortalidade em pessoas acima de 65 anos excedeu 22% e a maioria dos acima de 65 anos que necessitaram de ventilação mecânica morreram.
Os dados que vêm se acumulando expõem uma realidade cruel : se um paciente é idoso e tem precárias condições de saúde a possibilidade é que , mesmo com os cuidados plenos , seu desfecho será fatal. E como seria a vida se sobreviver ¿ Muitos desenvolvem debilidades físicas . escaras e outras sequelas até cognitivas . Provavelmente serão necessários cuidados intermitentes  ou até permanentes.
Outro estudo do JAMA Internal Medicine avaliou 180 pacientes acima de 60 anos com doenças graves; a maioria disse ser contrária a um suporte de vida numa UTI . Mas isso é o que realmente estamos vendo acontecer nesta pandemia. Tratamentos agressivos e invasivos , ainda na ausência de uma medicação eficaz contra o vírus , ou seja , puro empirismo e manutenção da vida ás custas de tudo o que foi descrito anteriormente.
 Se os desejos não forem expressos os dilemas éticos nunca serão dissecados para a finalidade de um real cuidado de conforto.

sexta-feira, 24 de abril de 2020

a hora de voltar



Exemplos são úteis na pandemia atual pois nos ajudam nas tomadas de decisões. Eles também podem contribuir para o futuro. Vamos observando casos que se somam , mortes contadas às centenas e imaginamos o quanto desses números são sub estimados. Os dias são contados pela progressão da infecção com suas nuances  e tragédias.
As metodologias variam. O Imperial College of London baseia seus cálculos em quantas pessoas são susceptíveis, expostas , infectadas e recuperadas. Outros modelos incluem variáveis — como a infecção é fatal , por exemplo — para avaliar desfechos.
Quando nos engajamos na distância social, que mostra que as chances de uma pessoa se infectar cai drasticamente ao se adotar esta medida , o modelo pode nos mostrar um diferente curso evolutivo.
No final a utilidade é nos ajudar a planejar um cenário de solução para uma infecção que , no momento , não tem tratamento ou vacina.
Quando nos baseamos na simples casuística , o exemplo de países que viveram o drama de milhares de casos e mortes , é preocupante que em nenhum deles tivemos um rápido declínio dos numeros. Alguns estão vivendo um incomodo platô e outros começam a notar uma volta de novos casos especialmente entre pacientes estrangeiros. È errônea a presunção que podemos ter qualquer tipo de alívio e repensar em segurança de voltar ás atividades de antes com critério de real segurança.
A ordem continua a ser diminuir a taxa de reprodução para menos de um e manter o diagnóstico de novos casos com testagem ampla , quarentena e rastreamento dos casos contactantes. Só desta forma é possível confiar num esmaecimento da pandemia
Falar sobre o relaxamento das medidas de contenção sem uma real evidência de como está a progressão dos casos é proporcionar um crescimento exponencial em massa o que acarretará em prolongamento do problema ,  além da perda de vidas humanas e sucateamento dos serviços de saúde
Poucos estarão preparados para viverem um período tão longo e entediante de convivência com o vírus. Não dar à pandemia o seu devido valor de catástrofe é inoperância , irresponsabilidade .É negar a ciência em detrimento de modelos meramente econômicos.

terça-feira, 21 de abril de 2020

Testes de anticorpos para o COVID 19




Nas ultimas semanas passamos a receber informaçôes sobre testes sanguíneos pretensiosamente destinados a avaliarem anticorpos contra o COVID 19. Alguns com o intuito de avaliarem uma provável infecção ativa. Outros com a proposta de testarem pessoas já expostas ao vírus e , desta forma – absolutamente desprovida de evidência -, estarem imunes e “prontas” a voltarem para uma vida social normal..

O FDA recentemente permitiu que diversos laboratórios, muitos localizados na China , passassem a comercializar testes , alegando que a pandemia necessita de uma ação urgente. Bastaram algumas análises de qualidade para que a agência reguladora americana percebesse o engodo de alguns produtos já em uso. Testes de péssima sensibilidade invadiram o mercado , alguns de técnica tão simples como aqueles destinados a detectarem gravidez.

O destino da maioria dos testes foi desviado do seu foco padrão. Usuários não preparados passaram a realizar sem os devidos critérios de indicação e sem a preciosa orientação numa estratégia claramente oportunista ao não avaliarem a sensibilidade e especificidade dos mesmos.

O publico leigo não entende o perigo a que está se submetendo ao aceitar , motivado pelo desespero ou ânsia de conhecimento , em fazer um exame sem nenhuma validação científica clara .É uma priorização da velocidade em detrimento da qualidade , uma banalização da segurança diagnóstica que pode impactar em vidas perdidas.

 A maioria dos testes mostra anticorpos quando , de fato , o paciente não os têm. Chamamos esta reação de falso positiva. Existe farta explicação para que isto ocorra : reações cruzadas contra outras infecções , imunizações prévias ( ter tomado a vacina da gripe ou da febre amarela por exemplo) etc. Existe também as reações falso negativas . Estas ocorrem pela própria qualidade do exame , pelo status imunológico do paciente (pessoas com a imunidade baixa podem não desenvolver anticorpos) ou se o exame é coletado muito cedo no curso da infecção.

Nos Estados Unidos , recentemente , os hospitais de Chicago deixaram de realizar testes rápidos a fim de determinar se os empregados da área de saúde estariam “aptos” imunologicamente a voltarem a trabalhar diante dos resultados conflitantes e equivocados.
Na cidade de Laredo, os cientistas descobriram que os testes empregados eram inadequados com uma confiabilidade nos resultados de apenas 20% (muito longe dos 93% apregoados pelo laboratório produtor). Todos os exames foram apreendidos.

Mais de 90 novos laboratórios apareceram no mercado desde que o FDA propôs e permitiu que fossem criados testes para detecção de anticorpos. Alguns laboratórios são uma espécie de start-ups; seus produtos variam . Alguns testam apenas anticorpos transitórios que têm um pico durante uma infecção ativa. Existem testes que procuram por anticorpos com dinâmicas mais permanentes e que podem se dividir em dois tipos diferentes.
O método de pesquisa mais confiável é chamado de técnica Elisa que indica a quantia de anticorpos que uma pessoa pode ter. Não sabemos se quem se recupera de uma infecção por Covid-19 terá imunidade. Mas podemos pressupor , avaliando as demais experiências com outros tipos de infecção , que altos níveis de anticorpos geralmente significam uma forte resposta imunológica.

A maioria dos testes em uso são chamados de testes rápidos e são oferecidos para uso em clínicas ou até mesmo em casa — e propõem uma simples resposta : sim ou não.Ou seja , uma espécie de cara ou coroa. O custo no mercado americano está entre 60 a 115 dólares.
 A OMS tem um parecer totalmente desfavorável ao seu uso. A maioria é manufaturada na China.Relatos de vários países , que compraram milhões de testes , acusam uma péssima performance. A Inglaterra demonstrou que os testes só acusaram a presença de anticorpos em pessoas que ficaram com formas graves da doença. Na Espanha, após um mês de experiência a acurácia foi de apenas 30% (diferente dos 80 % apregoado pelo fabricante chinês) .

A Alemanha, que tem se destacado como um modelo nos esforços de combate ao COVID , está realizando um ambicioso estudo com a pesquisa de anticorpos através de um teste desenvolvido pelos cientistas locais analisando uma parte de sua população aparentemente com boa fidelidade nos resultados.

Estima-se que menos do que 5% da população americana possa ser infectada, e mesmo em áreas de alta taxa de infecção como New York ou New Orleans, a prevalência pode ser de 10 a 15 %. Na China, screenings em Wuhan indicou que somente 3 % da população tinha anticorpos contra o coronavírus. Quando a proporção de pessoas expostas é baixa, os testes falso positivos limitam ainda mais a sua utilização.
Recentemente a empresa idônea  Cellex , autorizada pelo FDA , reportou um índice de testes falso positivos de 5%. Isto ainda é uma significante margem de erro: numa comunidade onde 5% tiveram o vírus, o numero de falso positivos é igual.

Estamos na busca de um teste que realmente reflita o que de ral acontece na batalha imunológica contra o Coronavírus. Por enquanto temos produtos de qualidade duvidosa no mercado expondo os pacientes a condutas absolutamente inadequadas.

domingo, 19 de abril de 2020

a vida ou a economia

o texto abaixo é do Jornal Nexo de 18 de Abril de 2020
Fiz algumas adaptações para pode postar aqui



As perdas humanas decorrentes da pandemia do novo coronavírus crescem a cada dia. Em diferentes países, muitos dos quais já contabilizam milhares de vítimas, há previsões de o total chegar a dezenas ou até centenas de milhares de mortes. Mesmo com medidas de distanciamento social que tentam frear o número de doentes, sistemas de saúde ao redor do mundo dificilmente passarão ilesos – o que levará a um número de mortos inevitavelmente maior. 

Também sabe-se que a economia vai sofrer um grande abalo, já visível em diversos lugares. Com fechamento de comércios e a adoção de quarentenas, as pessoas saem menos de casa e o consumo cai drasticamente, o que afeta negativamente empresas de todos os portes. O desemprego aumenta, resultando em uma queda ainda maior do consumo e em uma espiral descendente da economia.

Em cenário de crise sem precedentes no século 21, iniciou-se uma discussão no Brasil e no mundo sobre se, mesmo diante da rápida disseminação da covid-19, o Estado deve adotar medidas que ajudam a frear a crise sanitária mas prejudicam a economia. Entre os argumentos a favor dessa visão está a perspectiva de as perdas econômicas serem potencialmente ainda mais profundas que as causadas pela crise de saúde.Jair Bolsonaro, está entre os poucos líderes mundiais que endossaram uma oposição entre economia e saúde na pandemia do novo coronavírus. “O efeito colateral das medidas de combate ao coronavírus não pode ser pior do que a própria doença”, disse em pronunciamento em rede nacional no dia 31 de março de 2020.

Questões similares são levantadas ao redor do mundo, não só por autoridades mas por economistas, especialistas de diferentes áreas e  mesmo por muitos dos cidadãos afetados pela ampla gama de efeitos da pandemia em suas vidas.

No campo da economia, o debate é precedido por pesquisas e estudos acadêmicos que dão diferentes abordagens à questão. Envolve também aspectos sociais, humanos e éticos e faz, em sua essência, uma pergunta: é possível determinar o valor de uma vida?

A discussão em torno do valor de uma vida é, evidentemente, delicada e polêmica. Mas existem, na área da economia, metodologias que tentam chegar a um número que seja representativo do valor da dimensão econômica de uma vida – uma tentativa vista como válida por parte dos economistas e encarada com desconfiança por outros.

O economista Carlos Góes diz que o método da perda da capacidade produtiva mostra que, em média, a morte prematura de uma pessoa no Brasil leva a perdas econômicas de R$ 630 mil (em valores de 2020, já corrigidos pela inflação), de acordo com estudo elaborado pelo Planalto em 2018, do qual participou.

Transpondo esse número para um cenário epidemiológico pessimista de covid-19, seria possível chegar a um valor das perdas econômicas decorrentes das mortes pela doença. Em um cenário em que não são tomadas medidas de prevenção à disseminação do vírus e 60% da população é contaminada a uma taxa de mortalidade de 1%, 1 milhão e 260 mil pessoas irão morrer. O “prejuízo” chegaria a R$ 800 bilhões.

Já na metodologia do valor estatístico da vida, o exemplo mais conhecido é o do valor utilizado pela EPA (Agência de Proteção Ambiental dos EUA). As estimativas da agência pública apontam que, no país, cada vida valha em torno de US$ 9,4 milhões.

Se as piores estimativas para o cenário americano se cumprirem e ocorrerem 2 milhões de mortes pelo coronavírus nos EUA, as perdas econômicas serão de quase US$ 20 trilhões.


Disseminação



As ramificações evolutivas são narrativas da história escritas no código genético.
O passado , o presente e o futuro do novo coronavírus podem ser encontrados na sua árvore evolutiva.

Estamos descobrindo a árvore no momento , pedaço a pedaço ,  e com a ajuda da tecnologia , estamos fazendo de um modo muito mais rápido do que qualquer outra epidemia.
A questão agora é : podemos fazer uma leitura suficientemente rápida para fazer diferença em relação à propagação do vírus e suas morbidades ?

Em 10 de Janeiro o mundo teve conhecimento da sequência genética de um vírus totalmente novo na história da humanidade.
Quanto mais conhecimento genético foi sendo entendido mais sua árvore evolutiva foi desenhada : longa latência em animais (morcegos) , um salto para animais intermediários (pangolim ¿) e finalmente a transmissão inter humana.

No final de Janeiro uma pessoa infectada voou de Wuhan para o estado de Washington e adoeceu se tornando o primeiro caso reconhecido de COVID 19 nos Estados Unidos. Após isso , por semanas , ocorreram casos similares. No final de Fevereiro , pesquisadores de Seattle identificaram um paciente que contraíu a infecção sem ter viajado para fora do país ou ter tido contato com alguém que pudesse ter viajado.
Os genomas dos casos de Washington mostraram uma história surpreendente : os vírus do viajante de Wuhan e do caso de transmissão comunitária eram agrupados em seu próprio ramo da árvore do coronavírus, o segundo vírus um descendente direto do primeiro. Três mutações tinham surgido ao longo da transmissão que distinguiam os dois vírus : um tik tak do relógio genético marcando o tempo transcorrido entre a infecção.

O vírus de Washington cresceu em seu próprio ramo se disseminando silenciosamente pela cidade por semanas. Os cientistas acreditam que ele pode ter infectado de 500 a 600 pessoas , muito mais que os oficiais 18 casos reportados na época.

A árvore têm se expandindo explosivamente. No estado de Washington, 5000 novos casos foram detectados em Março, a maioria destes causados por descendentes do primeiro caso. Esse ramo têm sua própria epidemia , podemos dizer. Outros descendentes estão em New York, California, Connecticut, Minnesota e Wisconsin, alguns dos poucos estados a publicarem suas próprias sequências virais.

O vírus de Washington também tem sido identificado remotamente como na Islândia e Austrália, uma prova do nosso mundo interconectado.

Felizmente as diferentes mutações , até o momento , não mostram evidências de uma mudança no comportamento de infectividade ou mortalidade
Assim como no resto do mundo , nos USA a árvore do coronavírus mostra que o vírus atravessou fronteiras várias vezes. A maioria dos sequenciamentos da cidade de Nova Iorque pertence a um ramo único proveniente da Europa e não China.

Nas epidemias de Ebola e Zika , as árvores evolutivas revelaram os padrões do vírus pelo mundo mas de modo muito mais demorado , meses ou anos. O novo coronavírus é extremamente mais rápido. 

Entre Janeiro e Abril , mais de 250 genomas do Covid 19 foram identificados , permitindo um verdadeiro rastreamento em tempo real do mesmo.
Ainda não sabemos as reais possibilidades do que este tipo de conhecimento possa impactar no curso desta pandemia. No momento , uma prioridade maior é implementar uma ampla testagem e aprender o quão rápida é a propagação viral.

Com este conhecimento programas de rastreamento de pacientes positivos e de seus contatos se transformariam na arma fatal para conter a sua disseminação.  

Vacina britânica contra COVID





O caminho para a vacina contra o Coronovírus começou com o sequenciamento genético em meados de janeiro de 2020 .

Pesquisadores na Inglaterra passaram a usar uma técnica de DNA recombinante para criar um antígeno do SARS-CoV-2 utilizando um adenovírus primata como vetor.
Espera-se que cerca de 500 voluntários recebam a vacina até meados de Maio; uma segunda fase , para pessoas com 55 a 70 anos e uma última etapa para pessoas acima de 70 anos. A chamada fase 3 deve envolver 5000 voluntários ; os resultados serão inclusos no seguimento da pesquisa.

O melhor cenário seria o de que em Setembro , se a eficácia for comprovada, exista a possibilidade de produção em larga escala.

terça-feira, 14 de abril de 2020

as duas tristezas





Existem duas formas de tristeza para quem experimentou as agruras de uma guerra. Aquela associada á perda de vida humana — através das bombas , do combate brutal , da doença que percorre os hospitais lotados. E existe a perda da vida como nós a conhecíamos : a perda de um país , do emprego , da identidade e a necessidade subsequente de recomeçar.

 As duas perdas caminham juntas como duas estacas negras entrelaçadas.

Estas tristezas não são familiares para a maioria das pessoas que vivem países pacíficos. Com a pandemia do COVID-19 iremos viver uma complicada forma de tristeza que irá prolongar-se potencialmente por anos.

Milhares de corpos estão enterrados na Itália diante do olhar petrificado de quem sobrevive às escondidas. Nos Estados Unidos caminhões refrigerados são transformados em mortuários volantes. Em Nova Iorque enterros em massa e cremações estão sendo realizados sob um silencioso clima de desalento. Pacientes morrem sozinhos e muitos familiares , como na epidemia do Ebola na Africa, temem pelo contágio o que interfere com as práticas de despedidas dos velórios.

Todo este dano acontece enquanto as pessoas continuam morrendo pelas causas habituais.

Nossa sociedade não estava preparada para este tipo de tristeza que o coronavírus nos proporcionou. Os estudos sugerem que o sofrimento pessoal pelas perdas pode ter consequências a longo prazo. Crianças que perdem um ente querido por um evento traumático – desastres naturais , ataque terrorista , guerras são passíveis de sofrerem distúrbios emocionais de longo prazo. Sem citar a tão conhecida desordem do stress pós traumático responsável por um grande numero de suicídios entre veteranos de guerra.

O coronavírus difere das outras catástrofes de diversas maneiras. Ele é o próprio agente estressor. Especialmente para os mais vulneráveis.Ele traz uma tristeza antecipada. Também vem com uma súbita crise econômica e desemprego ; desconecta as pessoas de suas famílias ,arrasa com as rotinas e impõe outras nunca antes imaginadas.

Antes do coronavírus , o ethos do humanismo — a escuta atenta das preocupações humanas , dos seus medos e necessidades — nunca tinha sido tão praticada pela profissão médica.

Porém a duvida maior que persiste será a da real dimensão da tristeza. Desta vez ela não é de poucos. Está disseminada pelos caminhos furtivos do vírus. Será a maior experiência compartilhada em todos os tempos.

 E isso por não ter precedentes impõe um dúvida silenciosa cujo peso talvez demoremos uma eternidade para avaliar.

COVID e HIV lições





Semelhante ao inicio da epidemia do HIV nos anos 80 , a atual pandemia , até o presente momento , não tem uma vacina aprovada nem mesmo uma terapia licenciada com efetividade. O comportamento da população irá determinar a sua trajetória, assim como ocorreu com o HIV. Proteção sexual e não compartilhamento de seringas e ou agulhas fizeram parte das medidas de contenção da AIDS. Proximidade física e higiene das mãos ligam-se ao Coronavírus .Os casos iniciais de AIDS dobravam a cada 6 meses.No COVID 19 é questão de dias.

O que podemos aprender e correlacionar com estas duas epidemias ¿

A pandemia atual se espalha solenemente por todo o mundo expondo parcos sistemas de saúde em quaisquer níveis. A história da prevenção do HIV , de certa maneira , também expôs esta fragilidade. Cerca de 32 milhôes de pessoas já morreram em decorrência da AIDS com incidência alarmante em países da àfrica Sub Sahariana.

As desigualdades mensuráveis em saúde são a ponta do iceberg. O HIV e o COVID seguem populações diferentes.Para a primeira , mais facilmente identificáveis. O termo grupo de risco foi pela primeira vez utilizado com a rotulação de pessoas que exibiam um determinado comportamento. O aspecto global do coronavírus também parece priorizar alguns mais vulneráveis em termos de morbidade. Mas de modo semelhante se não identificarmos as significativas diferenças sociais pouco irá se alterar com a mudança de comportamento . Lavar as mãos e distanciar fisicamente é uma barreira quase intransponível para aqueles que vivem na extrema pobreza.

Novos avanços em diagnóstico ou terapia também expõem as diferenças. Países ricos irão priorizar a vacina para sua população. Milhões de pessoas morreram por não ter acesso aos antiretrovirais para o tratamento do HIV. O COVID-19 não irá afetar a todos de modo igual. Nossos esforços devem reconhecer a desigualdade e não aumentá-la.

Uma mudança de comportamento só é sustentada se existe credibilidade na sua eficácia. Para isso a liderança politica é fundamental. A lição do HIV foi demonstrar que o comportamento seguro significava respeitar o outro na medida que se protegia a si próprio.Respostas pragmáticas com facilitação à higiene das mãos , dispensers de álcool gel , mascaras e outros equipamentos de proteção têm que estar à disposição de modo equalitário assim como foi ( e vendo sendo) a distribuição de preservativos.

Cabe ás autoridades de cada país exercer sua função de liderança certificada pela ciência. Cabe à quem está por trás de decisões que decidem sobre o curso de vidas dar o exemplo de civilidade e coerência . Um país indica para governá-lo aquele que melhor reflete a sua credibilidade.

Cada país têm o desfecho que escolheu.

domingo, 12 de abril de 2020

O incerto




A ciência é cheia de incerteza epistêmica (quando desconhecemos fatos do passado e do presente). 

Explorando o desconhecido , enveredando pela verdade e pelos fortes argumentos e experimentos, o progresso se torna possível.
A ciência é cobrada frequentemente por respostas corretas. Como resultado – políticos , jornalistas etc – que dependem delas , são relutantes no reconhecimento das duvidas e se preocupam com a credibilidade.

O risco é um tipo de incerteza, geralmente associado ao futuro e refletindo algo ruim. O risco aborda o conhecimento “desconhecido” e pode ser calculado com possibilidades.
Nós enfrentamos um risco diário : iremos morrer em algum momento e isto aumenta a cada dia  , com o envelhecimento.
A incerteza sobre a real mortalidade do Covid-19 poderia ser comparada a um ano de risco de morrer comprimida em algumas semanas. O risco de um homem de 66 anos morrer dentro de um ano é de cerca de 1,5%. Estar doente pelo coronavírus é se aproximar deste risco durante o período da infecção.

A ciência estatística é uma máquina para avaliar a variabilidade que vemos no mundo — o imprevisível , a enorme quantia de possibilidades ao nosso redor —e torna-la numa ferramenta que possa quantificar a incerteza sobre fatos , números e ciência

A irresponsabilidade e o COVD 19



COVID 19 e a irresponsabilidade governamental

Diversos especialistas avisaram a partir de 26 de Janeiro , quando o novo coronavírus se alastrava pela China , que o mundo deveria se preparar para a pandemia.
Já tínhamos evidências suficientes da sua propagação e das medidas que  , na ausência de uma vacina ou tratamento eficazes , se não tomadas criariam este triste cenário em que nos encontramos.

Não era preciso , na época , ter qualquer dom adivinhatório para saber que equipamentos de proteção, testes diagnósticos , capacitação hospitalar e distanciamento social seriam imprescindíveis. 

Paralelamente à letargia de muitos governantes pelo mundo , assistimos à desinformação embasada na política, ao descrédito na ciência , à teimosia da ignorância em relutar em realizar o combate ao vírus exatamente onde ele se encontra : disperso pela sociedade , livre para exercer sua mais característica missão que é o contágio.

Como teria sido vivida essa história atual se os protagonistas que tomaram decisões fragilizadas tivessem o espirito humanístico acima de sua burrice ou arrogância ¿

Estamos acuados pelo erro daqueles que nos governam e que hoje se posicionam com discursos inconvincentes ou que desviam o olhar da verdade para propagar ridículas posturas ou alardear tratamentos miraculosos.

Infelizmente nos restam 3 opções.

Continuar nos escondendo do furtivo inimigo em casa exaurindo nossas forças físicas e mentais até que surja uma vacina.

Abrir a guarda e encarar face a face o vírus enquanto explodem o numero de casos e óbitos na dita promoção da imunidade de rebanho (que ainda não sabemos se ocorre de fato após a infecção).

Ou se preparar rigorosamente expandindo a capacidade de identificação diagnóstica , promovendo a guerra fora do âmbito hospitalar.

Todas as opções , infelizmente , pelo estrago já feito no inicio do processo, terão que contar com uma excelência da saúde pública já tão sucateada .
Ainda teríamos tempo de corrigir os crassos erros. Um programa bem estruturado de rastreamento de pessoas infectadas poderia promover o devido isolamento de seus contactantes.O inimigo quando surpreendido é mais frágil.Diversos modelos têm demonstrado que o índice de transmissibilidade cai para menos de 1 na medida que o cerco de contágio se fecha. O vírus desaparece quando não mais encontra um hospedeiro suscetível para se multiplicar.

Porém ouviríamos a mesma desculpa : não temos exames suficientes....não temos verbas !
O Brasil , ao que me consta , não tem e nem nunca teve um plano de contingência para conter uma epidemia ou pandemia.
Desta vez , teve tempo para elaborar uma proposta ou adequar-se diante de experiência bastante exemplares do que já vinha acontecendo nos países asiáticos. Assistiu de modo letárgico ao trágico exemplo da Itália e Espanha . Começou a contar os casos e a propagar uma linguagem absolutamente setorial nas medidas de combate ao vírus.

O Ministério da Saúde alia-se ao seu pior garoto propaganda que personifica o mau exemplo de comportamento. Torna o problema um palanque para que governadores destilem campanhas politicas demagógicas . Expõe a crua realidade de hospitais de campanha como um grande negócio .

No entorno de tanto lixo administrativo o numero de mortes está se banalizando.
Olhamos passivamente em busca de um dia melhor , quando  “menos” pessoas irão morrer , significando uma trégua cansativa de um vírus que decidimos enfrentar , pelo culposo descaso dos que nos governam , entrincheirados nos hospitais.      

sábado, 11 de abril de 2020

sem evidências




Somos ensinados na escola médica a nos prepararmos com as melhores evidências a fim de promovermos os melhores cuidados aos nossos pacientes.
Mas nunca foram tão ambíguos , como nos momentos atuais , o  nosso comportamento , as nossas decisões e opiniões.

Em tempos normais , eu costumava filtrar as informações das revistas médicas , focar a atenção nos mais rigorosos estudos em busca da solidez que me auxiliasse nos diagnósticos e tratamentos.
A evidência hoje está muito distante de ser algo definitivo.Parece sempre suspeita , sujeita a uma revisão de atenção e critica contínua. Mais do que nunca precisamos lidar com as incertezas e usar cuidadosamente a linguagem ao constatarmos o novo.

A velocidade com que o conhecimento se propaga é incrível. Todos os dias os mais prestigiados jornais médicos avançam por territórios surpreendentes. E aquilo que parecia impossível , sim , pode acontecer. Este é o contexto sem precedentes que uma pandemia nos proporciona.

Somos colocados à prova a todo instante. Atitudes tão básicas do cotidiano , quando vistas pela perspectiva do contágio , nos afrontam e desafiam a revermos condutas aparentemente seguras.

As escolhas resultam em conflitos : o que é uma boa opção e como diferenciar de uma má.¿ Talvez deveríamos raciocinar como utilitaristas e fazer algo que seja para promover o bem para o maior numero de pessoas.

Cada vez mais tenho considerado em repensar , analisar , o que achava como correto na semana passada. Olhar para esta crise com mais humildade e empatia: estar disposto a mudar de opinião diante do entendimento de outras perpectivas trazidas pelas mudanças.


sexta-feira, 10 de abril de 2020

Imunidade à infecção pelo Covid 19


Não sabemos até a presente data (10 de Abril 2020) se a infecção pelo novo coronavírus confere imunidade a uma nova exposição e, se sim ,o quanto é potente esta imunidade e por quanto tempo persistiria.

Pacientes que sobreviveram à SARS em 2003, causada por um coronavírus similar ao atual, tinham anticorpos detectados por vários anos. Porém se eles protegiam contra uma nova infecção não soubemos pois a  SARS foi extinta no verão de 2004. Outros coronavírus , responsáveis por uma parte do resfriado comum, produzem anticorpos e imunidade por alguns meses.

È possível inferir que o Covid 19 desencadeie alguma imunidade variando de poucos meses a alguns anos se nos basearmos nas características já descritas. Assumindo que isto seja o que acontece, como poderíamos determinar com certeza que alguém tem imunidade protetora realmente?
Nenhum teste até o momento nos deu esta certeza.Alguns detectam anticorpos que não existem (falso positivos), outros não detectam anticorpos que existem (falso negativos).

Um teste de anticorpos , em tempos normais , não é liberado até que sua acurácia tenha sido cuidadosamente otimizada. Neste momento não sabemos quando ocorreria esta validação e se ela obedecerá os critérios estritos de segurança.

A resposta para o fim da Pandemia




As medidas restritivas de quarentena , distanciamento social , escolas fechadas etc para reduzirem a velocidade de transmissão do Covid-19 estão comprovadamente funcionando ao ponto de estudos de projeção de mortalidade nos USA alterarem a previsão de 100 mil óbitos (até Agosto 2020) para 60 mil com adoção das mesmas.

Mas nos posicionamos num novo dilema : qual (ou quais) , especificamente , das medidas tem reduzido de fato a transmissão?

Isso é de vital importância pois implica na forma como devemos agir para flexibilizar o isolamento e possibilitar um retorno garantido às nossas atividades normais reoxigenando a economia.

A epidemiologia ensina que o numero de casos causados por cada pessoa infectada (chamado de quoeficiente de transmissibilidade ou Re ) cai substancialmente quando se adotam as medidas de contenção.Um exemplo claro foi observado recentemente na cidade de Seattle. Pesquisadores do Institute for Disease Modeling calcularam que em Fevereiro o Re poderia estar entre 2.7 a 3.5 com casos de transmissão bastante acelerada. Após a adoção da quarentena o índice caiu para 1.4 em menos de um mês de implantação. Isso significa que hoje o número de casos poderia estar 3 vezes maior.

11 países europeus foram estudados pelo Imperial College London antes e depois da instalação das medidas de contenção.O Re caiu de 3.87 para 1.43.Isso pode ter evitado até cerca de 120 mil  mortes.

A proposta final é chegar ao Re de 1 (ou menos) onde a pandemia terminaria.

Recentemente,projeções feitas na Columbia University , avaliaram a sobrecarga e saturação dos serviços de saúde analisando-se diversos cenários de queda na transmissibilidade do COVID. Modelos de redução de 20%, 30%, ou 40% nos índices de infectividade apontaram que  a maior redução ( 40%) poderia evitar até 185 mil mortes nos USA.

Alguns estudos vêm se propondo a avaliar o impacto de cada medida. O site medRxiv publicou um trabalho onde os autores concluem que a “pandemia pode rapidamente ser controlada com uma combinação de testes, tratamentos(se disponíveis) e isolamento de pacientes positivos além de proteção social com higiene das mãos e máscaras.

Quando o número de Re é alto (ex : em Seattle), 65%  de distanciamento social efetivo leva o quoeficiente para menos de 1. Mas se o distanciamento for somente 20% efetivo também é possível chegar a menos de 1 se 75% das pessoas infectadas forem identificadas e isoladas dentro das primeiras 12 horas de sintomas.

Polêmicas no tratamento do COVID 19




Em 28 de Março de 2020O, o FDA autorizou de modo emergencial o uso de hidroxicloroquina para pacientes hospitalizados com Covid-19. Entretanto, a dose ideal e a duração do tratamento não foram devidamente protocoladas. A autorização também não relacionou qualquer estudo clínico que provasse os reais benefícios no desfecho dos pacientes , embora poucos relatos mostrassem a redução da carga viral em um número pequeno de casos.

A pesquisa por um tratamento segue a sua frenética busca de droga realmente eficaz.No momento, 70 moléculas oficialmente , incluindo 15 antivirais , medicamentos de ação imunológica etc estão sendo avaliados.
O National Institutes of Health’s ClinicalTrials ,  lista mais de  100 investigações clínicas focadas no Covid-19 em todo mundo envolvendo instituições privadas , centros médicos etc , todos centrados no entendimento de um provável “ponto fraco” do vírus.

Este extraordinário esforço , porém , não une forças internacionais o que pode gerar uma contraprodutiva ação competitiva entre a indústria de biotecnologia. A importância de estudos compartilhados é a troca de informações de sucesso e fracasso : onde uma droga se mostrou promissora ou não. Uma possibilidade de complementação ou sinergismo entre os pesquisadores.


A história de tratamentos miraculosos nos ensinou que quando as pessoas ficam doentes se tornam propensas a aceitar quaisquer drogas sem muito questionamento. Terapias como raízes , arsênico , suplementos etc foram propagadas por charlatões através da história.

Numa situação emergencial, a atenção irá se voltar , naturalmente, para medicamentos já disponíveis. Mas precisamos solidificar as evidências. O passado demonstra que várias drogas usadas de modo off-label ou baseadas em tímidas respostas mais tarde mostraram causar mais danos do que benefícios.

Um novo tratamento precisa superar vários obstáculos.Um deles é o poder do efeito placebo : em estudos clínicos , participantes que desconhecem se estão tomando a medicação  ou um comprimido sem nenhum componente químico podem apresentar substancial melhora equivalente de até 80%. Este é um pequeno mistério de recuperação não explicada nem duplicada em outros pacientes de estudos diferentes.

As pesquisa de tratamentos devem  nos conduzir por entre a realidade e medidas objetivas de duas propriedades fundamentais: benefícios e danos.
Uma droga que mostre atividade contra o Covid-19 poderia se mostrar muito tóxica piorando o quadro clínico. O simples argumento de reduzir a “carga viral” pode ser válido, mas os benefícios ou danos podem depender de quando se deveria utilizar a medicação no ciclo de infecção. Drogas para pacientes com sintomas leves a moderados precisam ter mínima toxicidade.

Atingir o desafio de uma droga ideal requer que os passos sejam dados de modo coerente e científico. O uso de produtos sem provação real de beneficio e as suposições de extrapolamento de resultados parciais e não de desfecho são meios inconsistentes e perigosos.Precisamos de transparênccia e colaboração que embasem a confiança e não o achismo.

Precisamos de reais evidências.

terça-feira, 7 de abril de 2020

Covid : uma trajetória inicial de erros




COVID : uma trajetória inicial de erros

 A pandemia do Covid-19 é uma interessante miscelânea de interfaces entre o contágio , a informação , a desinformação e o comportamento.

Hoje , olhando retrospectivamente , os relatos precoces da epidemia foram censurados como “rumores” pelas autoridades chinesas.Alguns médicos , alarmados pelo que presenciavam , caso do dr. Li Wenliang,tiveram suas vozes caladas.Anúncios oficiais das autoridades em saúde chinesa subestimaram a gravidade do problema.

A OMS (organização mundial de saúde) publicou em Janeiro que “ não há clara evidência de contágio inter humano”.

Como nada justificava um perigo iminente , férias , festas e celebrações aconteciam uma semana antes do Ano Novo Chinês.Em Wuhan ,a chamada comunidade Baibuting realizou em 18 de Janeiro um jantar para 40 mil familias.Apenas dois dias após, a importância do que estava acontecendo foi finalmente anunciada em um programa de Tv pelo cientista Zhong Nanshan, que já havia vivido a epidemia de SARS em 2003.

Esta informação se tornou “viral” na mesma noite.

Imediatamente os chineses e os governos locais iniciaram as precauções , iniciando uma corrida contra o tempo.Três dias depois Wuhan iniciou a sua quarentena.

A China moldou o perfil do COVD através das suas intervenções , mobilizações , mega empreendimentos etc

Não se sabe o número de pessoas que poderiam ter sido poupadas ou como teria sido a disseminação se as evidências iniciais tivessem sido valorizadas imediatamente.
Apenas os detalhes de análise de regressão estatística futuro mostrarão o tamanho do erro

Uma pandemia sem controle




Uma pandemia sem controle

Um numero desconhecido de pessoas podem estar infectadas pelo COVID-19 sem ter conhecimento,uma minoria estão sendo testadas.

A ausência de protocolos universais ( ou mesmo de caráter local) , uma insuficiência de testes disponíveis, a demora nos resultados se superpõem para ocultar a realidade casuistica.
Isso gera uma falsa segurança ou temor generalizado.

Recomendações de órgãos oficiais , como o CDC, para realizar o teste diagnóstico são surpreendentes nos critérios epidemiológicos : “ Nem todos necessitam serem testados para o COVID-19,a maioria terá doença leve e se recuperará em casa”.Está conduta reverbera como uma verdade absoluta nos países ocidentais principalmente.

O jornal Science publicou um artigo afirmando que para cada caso confirmado existiriam de 5 a 10 outros sem diagnóstico (dados da China).Alguns pesquisadores cogitam até 100 casos diante da intensa transmissibilidade que se observa.
Isso pode significar que na presente data (07 de Abril) 100 milhões de pessoas no mundo poderiam ter sido infectadas.
Numa perspectiva de não termos medicamento ou vacina eficazes as medidas de prevenção (quarentenas , distanciamento social , lockdown) podem durar por meses.Com perdas irreparáveis em todos os sentidos.

O caminho do COVID continua aberto e ignorado enquanto ele não for rastreado (testado).

Por enquanto o que vemos é uma curva.Ficiticia nos números de casos , real mas de modo parcial,no numero de mortes. Estamos na expectativa de um pico (ou o que se convencionou chamar de um período de maximização destes números irreais).O que sabemos é que o modo como ela vai se comportar está relacionado à eficácia das medidas de prevenção  que a população deve adotar.Neste ponto temos o consenso de que ao fugirmos do inimigo ele se enfraqueceria.E se relaxarmos acordaremos o gigante adormecido.
Mesmo em cidades onde se registrem um caso as medidas se aplicam. A transmissão exponencial vai ocorrer muito provavelmente de modo silencioso.
O ideal não é achatar a curva , é esmagar a curva. Mas para isso deveríamos buscar iniciativas que , neste momento , nos parecem utópicas :

1.       Estabelecer um real comando das ações em nível federal de forma a unificar as medidas que nos colocariam no mesmo patamar de controle

2.       Assegurar que todos tenham acesso às medidas de proteção e que as utilizem de modo adequado (máscaras , higiene das mãos , proteção adequada aos profissionais de saúde etc)

3.       Testagem e rastreamento adequados de forma a conter o vírus onde ele mais circula

segunda-feira, 6 de abril de 2020

Antropoceno


Animais selvagens e exóticos , plantas  e sementes raramente vistas
,estão sendo extraídos de seus ecossistemas naturais como nunca
antes.Esses produtos adentram mercados públicos , farmácias
alternativas e são comercializados ,em sua grande parte,de forma
ilegal.O homem cada vez mais rompe o equilibrio de nichos até então
intocáveis.Vírus e bactérias,que se replicam de modo silencioso na
vida selvagem, ganham a oportunidade de conhecerem um outro território
inabitado,o ser humano.

O Covid 19 é uma criação humana.Nós geramos esse problema pelo tipo de
espécie que somos e pelo planeta que estamos moldando.

Doenças como o Ebola, o HIV,o vírus Marburg a SARS são um reflexo
comprovado de nosso comportamento.Grande parte das doenças infecciosas
tem uma origem zoonótica nos dias atuais ; 75% das novas
infecções,avaliando-se os últimos 30 anos,foram originadas em animais.

Na medida em que alteramos o nosso meio ambiente,expomos pessoas a
lugares originalmente ocupados por animais selvagens e criamos uma
perigosa conexão com o desconhecido.Uma pandemia é a consequência.Como
já sabíamos desde 2007 nos estudos sobre a SARS de 2002-2003, a
presença de um grande reservatório de Coronavírus similar ao do SARS
estava presente em morcegos-ferradura no sudeste da China.Se
preparando para mutar.Uma bomba relógio.

Nós humanos não agimos dentro dos ecossistemas como as outras
espécies.Não temos um nicho ecológico.Nós dominamos e mudamos nosso
habitat cumulativamente para que ele se adapte aos nossos estilos de
vida.E geramos danos irreparáveis : extinção de animais e
plantas,mudança climática,devastações etc.Raramente outros seres vivos
naturalmente causam danos ao seu habitat.Nós,atualmente,estamos
colocando em risco 1 milhão de 8 milhões de espécies em todo mundo.

Por milhares de anos nossas ações têm nos dado uma pretensiosa
vantagem no reino animal. Muitos consideram um “case de sucesso”
vivermos num mundo globalizado de cerca de 7,5 bilhôes de pessoas
conectadas.Na verdade, isso reflete que nós nos tornamos um
“superorganismo” diante das nossas interações com o mundo
natural.Dominamos o mundo e já demos um novo nome para o momento em
que vivemos : Antropoceno,a Era dos Humanos.Nenhuma parte da Terra é
intocável pela atividade humana.

Uma importante lição vem sendo esquecida.A biosfera da Terra opera
sistematicamente com um ciclo de química(gás carbônico,oxigênio e
água), de energia e de biologia que se interagem para produzirem uma
sinergia viva.Somos uma parte apenas : nossos organismos e todos os
recursos que usamos são parte desta interação.Do ar que respiramos ,
das proteínas que consumimos,do dióxido de carbono que emitimos.

A cultura humana opera em seu próprio sistema. Nossa posição na
interconexão, nossas sociedades e seus produtos,hoje refletam como
nunca no planeta.Assim como a interação com o ecossistema.Disseminamos
nossas ações não mais apenas no local de origem mas sim no canto mais
remoto da Terra. Um vírus que saltou de um animal para o homem,não
importa seu ponto de origem,ganha o mundo pela rede infinita de
comunicação.

Nenhum indivíduo em particular nos colocou nesta situação. Ela veio de
um sistema cultural , de uma secular degeneração que quebrou barreiras
e integridades naturais movida pela ambição e irresponsabilidade.
Talvez pelo olhar da ganância ou pela frieza da insensibilidade.

O “superorganismo” com seu cérebro coletivo está produzindo
tratamentos potenciais,vacinas e tentando , descordenadamente, conter
a consequência de seu trágico comportamento.

Enquanto isso nos acuamos aprendendo a nos distanciar socialmente.
Entrincheirados em hospitais contando os mortos na medida que o vírus
avança , por enquanto solenemente.

Quando fizermos o balanço de tantas perdas a única conta que não será
fechada é o que já deixamos como marca do inicio do Antropoceno. Nossa
absoluta incompetência como espécie animal.

sábado, 4 de abril de 2020

Economia e Covid




Economistas estão diante de uma enorme quebra cabeças tentando modelar alguma forma de entender como o vírus se dissemina entre as pessoas afetando seu trabalho e seu consumo.
Pesquisadores da Northwestern University se esforçam para obter uma luz no balanço entre o impacto econômico e a epidemiologia com dados devastadores em alguns países.
Manter ou não as restrições de quarentena (total ou parcial) por mais ou menos de 2 meses pode ser um erro de custos irreparáveis.
Este é um novo território absolutamente inédito para quaisquer previsões de desfecho que possam ser adequadamente mensuradas.

Uma pandemia é disruptiva por essência.

Modelos de epidemias podem simular mudanças de atitudes da sociedade.Custos aproximados decorrentes dos fechamentos de industrias e estabelecimentos podem ser estimados.Mas o prejuízo de um vírus é menos intuitivo.
Os cientistas econômicos usam simuladores para categorizar as pessoas nos tempos de pandemia: suscetíveis, infectadas e recuperadas.Isso possibilitaria uma idéia de como a doença se move entre a população e quanto letal e contagiosa ela é.

Para colocar um preço nos resultados,calcula-se o numero previsível de mortes e a perda econômica estimada pelo valor de uma vida perdida.
Esta abordagem é similar ao preço que a U.S. Environmental Protection Agency utiliza para calibrar os custos e benefícios: $9.5 milhões por vida.
Um cenário pessimista de paralização poderia encolher a economia em cerca de 22%—um custo de $4.2 trilhões.

Comparando.....o modelo mostra que sem medidas de restrição a economia poderia retrair em 7% —com cerca de 500.000 vidas perdidas.Isso custaria $6.1 trilhões.
É claro que este modelo é simplista.Mas os estudos prosseguem no sentido de criarem cenários mais sofisticados.Estes englobariam diversos grupos etários e quarentenas mais flexíveis que permitam um movimento econômico.Também se avalia,em algumas simulações,a volta de pessoas imunes ao trabalho de modo progressivo.E também as incapacitações psicológicas (depressão , suicídio etc) decorrentes dos traumas pessoais.
Analisar a experiência da Coréia do Sul, que através de uma ampla testagem conseguiu chegar ao número de que 0.5% de todos os infectados morreram,pode ajudar na criação de uma mais aproximada idéia de como pesar economia e decisões que envolvem a vida humana.

quarta-feira, 1 de abril de 2020

Covid e o uso de máscaras : o que se discute no momento




Na medida em que a pandemia se torna nosso maior desafio diário a polêmica sobre a importância do uso de máscaras pela população prossegue no seu rumo indefinido.
A OMS (Organização Mundial de Saúde) mantém sua posição de que as máscaras não necessariamente protegeriam indivíduos saudáveis de serem infectados nas suas rotinas diárias.
O guia oficial da OMS recomenda que as máscaras devem ser reservadas para pessoas com sintomas assim como para trabalhadores da área de saúde que interagem com indivíduos infectados.As demais pessoas deveriam manter o distanciamento social e praticar com frequência a higienização das mãos.

Existem poucos estudos científicos que definam se máscaras cirúrgicas teriam efeito protetor para o publico em geral.Elas na verdade bloqueariam gotículas infectadas emitidas pelo nariz ou boca de quem já está infectado mais do que interromper a aquisição de vírus de outras pessoas. Por isso que  OMS e o CDC recomendam que pessoas sintomáticas as utilizem de rotina.

Estudos realizados na pandemia de influenza de 2008-201 mostraram que as máscaras cirúrgicas protegem um pouco mais quando não usadas mas a combinação da higiene das mãos é o que acaba fazendo a diferença.

A lógica para o uso

Sabemos que nenhuma máscara,sejam as cirúrgicas ou a mais utilizada em hospitais – a N95-protegem 100%. Mas a proteção incompleta não indicaria a inutilidade completa.Ausência de evidência não é evidência de ausência.No nosso mundo binário a mensagem oficial que as máscaras não são efetivas pode significar que elas sejam completamente inúteis..

Hoje a meta de achatar a curva (e não eliminar o vírus totalmente) tem um sentido relativo oposto ao melhor dos objetivos : uma noção de proteção parcial.Talvez o distanciamento social e o uso de máscaras possam ser os responsáveis diretos por esta meta sendo difícil dimensionar o quanto cada ação é predominante

O mecanismo

O vírus respiratórios são carreados por gotículas de pessoa para pessoa.Mas não é tão simples assim.As gotículas podem , de modo básico,serem divididas em duas categorias baseadas em seu tamanho
Gotículas menores que 10 um (milimicras) de diâmetro,chamadas de aerossóis, são leves e podem flutuar no ar. São carreadas pela ventilação podendo atingir outros lugares contíguos.As máscaras N95,diferentes das cirúrgicas, tem capacidade de filtrar 95% das gotículas até menores do que 0.3 um.

As patículas maiores do que 10um (algumas são tão grandes que podem até serem vistas a olho nu),são geradas pelo espirro ou tosse e por causa de seu peso alcançar até 2 metros de distância antes de irem para o solo

Aqui temos uma consideração especial: as gotículas que atingem as células pulmonares têm que ser pequenas (menores do que 10 um).As maiores acabam sendo retidas no nariz e na garganta,na traquéia e nos brônquios.

Não sabemos a quantidade de vírus suficiente (carga viral) para a transmissibilidade e iniciar a cascata de efeitos que podem levar à doença.Se pensarmos que os aerossóis sejam mais relevantes então as máscaras N95 seriam mais adequadas e minimizaria o impacto das máscaras cirurgicas.

Porém é defensável pensar que a filtração mesmo que parcial seria melhor do que nada. Se o que pretendemos diante da pandemia é achatar a curva o quanto de redução de partículas que poderiam atingir o pulmão conseguiríamos evitar propagando o uso irrestrito e indiscriminado de máscaras  entre a população?
Quais os custos e quais as consequências de abastecimento que enfrentaríamos ¿

Para quem defende o uso amplo de máscaras será ético contentar-se com as máscaras cirúrgicas apenas por serem mais baratas e não defender a N95 ¿