sexta-feira, 31 de dezembro de 2021

Indignação

 É lugar comum que se renovem esperanças a cada inicio de um novo ano. È como se a

sensação de alivio e recomeço precisasse de uma evasão , algo que permita viver e

compreender o incompreensível . Por isso a esperança falha. Ela é uma forma de passividade .


Uma expectativa que parte de um otimismo e que , normalmente , gera poucas ações que

realmente mudem o rumo destes tempos tortuosos. Ano após ano , para quem nutre a

esperança , a inércia acaba frustrando mais do que acalentando.


Proponho que façamos votos de indignação. Entendo que durante o tempo de confrontação a

uma situação -limite coletiva em que nos encontramos ,só o rechaço das pessoas supera a

impotência diante da presença selvagem da realidade.

Homens e mulheres veem a antiga crença no próprio protagonismo , ao optarem pela

esperança , reduzida a um adaptar-se às forças que os ultrapassam , a um reagir a elas , a um

viver com elas. Às vezes é muito tarde para descobrir que em momentos como vivemos , não

saõ as pessoas que se moldam a si mesmas, elas se moldam às circunstâncias que são impostas

pelas mentiras , pelas ideologias , pelo aniquilamento progressivo do pensamento crítico.

A pandemia está mostrando a lição mais clara da modernidade : o mundo não existe para os

homens. Seu tempo não é o deles. O vírus virá no seu tempo e irá embora no seu tempo

também. E partirá , não pela esperança, não porque os homens realmente assim o queiram

(eles estão destinados , em sua grande parte , a olharem apenas para o espelho). Parte porque

foi esse o caminho do seu próprio desenvolvimento. Se não for pela indignação a

inevitabilidade darwiniana se dará pelo nascimento , crescimento , ápice e um lento

desaparecimento.

A pandemia impõe uma temporabilidade própria ao coletivo humano. Tudo se abala. A

sociabilidade já fragilizada se altera até se tornar irreconhecível. A infecção comportamental se

espalha pelo tecido da vida em comum e o paralisa , definha , atrofia , corrompe , apodrece.

Está claro que as finalidades , ambições e esperanças dos homens – tudo o que os impele ao

futuro – são suspensas . Com a suspensão do futuro , o tempo se achata. E se repete na sua

linearidade.O sentimento de sucessão se dissolve no da extensão . E aqui , se nutridos apenas

pela esperança , se experimenta o tédio , em escala coletiva.Renovam-se os mesmos votos , os

clichês calcados em ébrias emoções , as mesmas mensagens pueris , os mesmos rituais

protocolares. E passa-se a aceitar o inaceitável.

A indignação consiste em recomeçar . Tudo é restaurado ao inicio , e , no entanto , nem por

isso o mundo é novo. Um recomeço sem renovação pode parecer um pesadelo. O que nos

resta é uma revelação pela constatação do tempo e dos contextos em que vivemos.É o

exercício do absurdo . Precisamos da reflexão sobre o absurdo das mortes evitáveis em nosso

país. O mesmo absurdo que se impõem à consciência a comparação entre o apelo que

lançamos ao mundo a partir de nossas aspirações íntimas e a acolhida fria com que ele nos

recebe. O mesmo absurdo negado com veemência por aqueles que rechaçam as evidências de

que navegamos numa nave dirigida pela vulgaridade e irracionalidade. A superposição da crise

sanitária e da deliquescência da democracia sob o peso do populismo em que vivemos ganha

contornos dramáticos.

A indignação trata antes do fato de que , a despeito de toda ciência e toda tecnologia

empregadas pelo gênero humano , esse mundo parece incompreensível , ou seja , irredutível

às necessidades e às vontades humanas. Segue arisco e inassimilável . Falta a seu mecanismo a


causa final de todas as causas finais , que asseguraria sentido de unidade , um plano centrado

e coerente à medida do homem .

A esperança , muitas vezes, resulta apenas de momentos temporariamente vividos que a

ilusão teima em prolongar na memória como se fossem infinitos.

quarta-feira, 29 de dezembro de 2021

boas noticias em relação à Omicron

 

A revista Nature acaba de publicar estudos atualizados em relação à variante Omicron.

Em contraste com a Delta,a Omicron é menos fusogênica e sua Spike é fracamente clivada. Por que isso importa? A eficiência da clivagem da proteína Spike, a fusogenicidade e a patogenicidade se correlacionam.

A análise mostrou que a Omicron é cerca de 3 vezes e 5,6 vezes mais transmissível do que a Delta na África do Sul e no Reino Unido, respectivamente.

Em estudos animais (hamster sírio) em comparação com a Delta e o SARS-CoV-2 original, a Omicron foi bem menos patogênica , com baixa replicação no pulmão. Estes dados sugerem que a eficácia da clivagem do SARS-CoV-2 S e sua fusogenicidade  estão intimamente associadas à patogenicidade.

Em resumo:

 • Omicron infecta mal e se espalha também de forma muito menor no pulmão

 • Evoluiu para exibir maior transmissibilidade e patogenicidade atenuada

 • A patogenicidade da Omicron é atenuada em comparação com Delta e até mesmo seu ancestral SARS Cov-2a

 • Os dados mostram que o SARS-CoV-2 pode evoluir para atenuar sua patogenicidade, porque a Omicron é filogeneticamente classificadao como uma linhagem descendente B.1.1

Porém :

É IMPORTANTE observar que a gravidade da doença em humanos NÃO é determinada apenas pela replicação do vírus, mas também pela resposta imune do hospedeiro à infecção.Portanto , estar protegido é a melhor forma de enfrentar essa nova variante.

terça-feira, 14 de dezembro de 2021

sobre a Omicron e a Delta

 

Diante do que estamos observando até agora , é provável que a Omicron irá superar a Delta, assim como Delta substituiu Alfa, Beta, Gama, etc ...

Dependendo da mistura de transmissibilidade intrínseca e escape imunológico da Omicron  e a consequente evolução do processo, poderíamos observar:

 1. Deslocamento da Delta pela Omicron

 2. Co-circulação das variantes a longo prazo

 3. Onda Omicron seguida pelo ressurgimento da Delta e extinção da Omicron

De uma maneira intuitiva, quanto mais escape imunológico a Omicron tem da imunidade específica formada pela Delta, mais as duas variantes terão nichos ecológicos distintos e, portanto, são capazes de coexistir .

A hipótese é a seguinte : a Delta está em equilíbrio endêmico. O crescimento epidêmico é balanceado pela imunidade da população ( ou seja, a variante continua a circular devido à diminuição da imunidade).A Omicron é introduzida e dependendo de sua transmissibilidade e seu grau de escape imunológico, ela se espalhará mais ou menos rapidamente .

Supondo que a taxa de transmissibilidade (Ro) da Delta seja 6, com transmissibilidade intrínseca mais baixa e maior escape imunológico (Omicron Ro = 4, escape imunológico = 66 %) ,a onda da Omicron tem relativamente pouco impacto sobre a Delta. Com transmissibilidade intrínseca moderada e escape imune (Omicron Ro = 6, escape imune = 50 %) , Omicron tem mais na Delta. E com maior transmissibilidade intrínseca e menor escape imunológico (Omicron Ro = 8 , escape imunológico = 33 %) , a onda de Omicron realmente derruba a Delta.

A co-circulação ocorre quando Ro é semelhante entre Omicron e Delta e / ou quando há pouca imunidade cruzada, e o deslocamento ocorre quando há imunidade cruzada forte e Ro desequilibrado.

Se compararmos com a gripe sazonal, o deslocamento é em grande parte a regra, com novas cepas substituindo a diversidade existente.

Embora esta questão de deslocamento versus co-circulação não seja imediatamente crítica para a compreensão da pandemia ou resposta de saúde pública, sua resolução terá impacto significativo no eventual estado endêmico do SARS-CoV-2. Se a Omicron e a Delta co-circularem então vacinas anuais deveriam ser formuladas e nós poderíamos esperar altos níveis de circulação viral.

quinta-feira, 9 de dezembro de 2021

mais noticias da Omicron

 

Aprendemos,mas ainda não se sabe muito sobre a Omicron.

Uma tendência preocupante vem se repetindo: essa variante está se espalhando rapidamente. Na África do Sul , Reino Unido e Dinamarca - países com a melhor vigilância de variantes e alta imunidade contra COVID - os casos de Omicron estão crescendo exponencialmente. A variante já superou a Delta na África do Sul e pode em breve fazer o mesmo em outros lugares. De acordo com estimativas preliminares, cada pessoa com Omicron está infectando 3–3,5 outros.O que é quase igual à rapidez com que o coronavírus se espalhou quando se tornou global no início de 2020.

Em outras palavras, o Omicron está se espalhando em populações altamente imunes tão rapidamente quanto o vírus original em populações sem imunidade alguma. Se isso se mantiver e não for controlado, uma grande onda Omicron virá - maior do que esperaríamos com a Delta.A Omicron ameaça evadir a imunidade que pensávamos ter.

Isso não significa dizer que o relógio da pandemia foi zerado para o início de 2020. As Vacinas e infecções anteriores podem atenuar os piores efeitos do vírus. Mesmo que a proteção contra infecções diminua, o que nós esperamos diante das mutações da proteína spike do Sars cov2, a proteção contra doenças graves e morte deve ser mais durável. Neste momento a métrica de hospitalizações, ao invés de casos, pode ser uma medida mais fiel do impacto do vírus.  Porém , com os casos aumentando drasticamente, mesmo uma pequena porcentagem de pacientes que irão adoecer pode se transformar em muitas hospitalizações de uma só vez. Essa pequena proporção de doenças graves, se multiplicada por milhões de casos, será ruim.

Esta é a matemática simples que devemos ter em mente: uma pequena porcentagem de um número enorme ainda é um número grande.  Analisando as tendências iniciais da África do Sul, Reino Unido e Dinamarca, uma grande onda de Omicron é muito possível, embora não garantida. Se quiséssemos pensar de uma forma mais tranquila , poderíamos notar que os números absolutos de casos da  Omicron detectados até agora são tão pequenos que podem ser distorcidos ao acaso, e poderíamos estar superestimando o crescimento da variante ao procurá-la especificamente. Mas a Omicron está aumentando consistentemente nos três países que procuram ( fazem o sequenciamento genético) mais por ela e, portanto, provavelmente aumentando silenciosamente em todos os outros países.

Ao mesmo tempo, a Omicron não parece terrivelmente virulenta até agora - mas essa observação vem com ressalvas importantes. Os médicos na África do Sul, onde a Omicron já é dominante, não viram tantos casos graves como as ondas anteriores . Outros países com um pequeno número de Omicron também não encontraram pacientes muito doentes. Mas há vários motivos para acreditar que as notícias sobre a gravidade podem ser menos otimistas do que parecem atualmente. Em primeiro lugar,ainda é muito cedo. As infecções levam semanas para ,eventualmente,se tornarem graves. Em 2020, o primeiro caso da covid 19 nos EUA foi confirmado em 20 de janeiro de 2020 ; a primeira morte oficial de COVID não foi relatada até 29 de fevereiro . A imagem pode mudar com o tempo.

Os dados iniciais de gravidade também são confundidos pelo perfil de pacientes que estão adoecendo. As pessoas que contraem o vírus no início de uma onda podem ser desproporcionalmente jovens e saudáveis. A própria população da África do Sul é bastante jovem, com uma idade média de 28 anos, em comparação com os 38,5 dos Estados Unidos. E embora as taxas de vacinação sejam baixas na África do Sul, onde menos de um quarto está totalmente inoculado , a imunidade de infecções anteriores é muito alta, com uma estimativa sugerindo 62 por cento. Um bom número de casos de Omicron são provavelmente reinfecções. Os casos em pessoas jovens ou previamente infectadas, ou ambos, devem ser geralmente leves. Se os casos de Omicron nesta população fossem mais graves, isso seria um sinal catastrófico.

Estamos aguardando para entender o efeito da Omicron nas pessoas vacinadas. Mesmo que a maioria dos casos  continue a ser leve entre os vacinados, a regra é a mesma. Aumentando o numero de casso exponencialmente implica em maiores  necessidades de cuidados.

 A Omicron foi um grande salto na evolução. Em poucos meses o vírus mudou tanto quanto  muitos pesquisadores esperavam que mudasse no espaço de quatro ou cinco anos.

A questão da “pequena porcentagem de um grande número” tem estado conosco desde o início da pandemia. O coronavírus é muito menos mortal do que outros vírus emergentes que deram sinais de alarme no passado - SARS, MERS ou Ebola - mas é muito mais transmissível.

Mas não estamos na mesma posição que no início de 2020 porque agora temos as ferramentas para controlar a Omicron. E graças aos cientistas da África do Sul, que perceberam o risco dessa variante muito cedo, temos tempo para colocá-los em prática. As vacinas provavelmente continuarão protegendo contra infecções graves, e uma terceira injeção provavelmente aumentará essa proteção. Compreendemos melhor a transmissão do vírus pelo ar e como evitá-la com máscaras e ventilação. Temos antivirais no horizonte. Temos testes diagnósticos mais ágeis. Sabemos que o distanciamento social já controlou o vírus antes.

Só depende de cada um e de todos.

 

quarta-feira, 8 de dezembro de 2021

a Omicron parece não ser tão recente...a história de uma convenção

 

Antes mesmo de receber um nome, é possível que a variante Omicron tenha se espalhado em Nova York e nos Estados Unidos.

Uma convecção que reuniu milhares de pessoas (mais de 50 mil) aconteceu em Manhattan durante três dias em novembro reunindo pessoas aficcionadas pelos programas de animação japoneses conhecidos como anime.

Na multidão estava Peter McGinn, um analista de saúde de 30 anos,morador de Minneapolis. Ele participou de painéis de discussão, conversou com estranhos sobre seu podcast de anime e, à noite,esteve com vários amigos. Depois de voltar para casa, soube que um amigo da convenção - um fã da Carolina do Norte - tinha testado positivo para coronavírus. Nos dias seguintes muitos mais de seus amigos da convenção também teriam o teste positivo.Ele também testou positivo. Esse acontecimento ocorreu em 23 de novembro, um dia antes da maioria dos cientistas ter ouvido falar da nova variante que estava se espalhando pelo sul da África. A Organização Mundial da Saúde ainda não havia dado um nome à variante - Omicron. Mas já estava presente nos Estados Unidos, sem ser detectada.

Na primeira semana de Dezembro,a autoridades de saúde em Minnesota examinaram as amostras de vírus em uma série de testes recentes. Uma delas - do Sr. McGinn - mostrou as mutações da Omicron.Esse resultado, anunciado pelas autoridades de saúde de Minnesota em 2 de dezembro, é o primeiro caso conhecido de propagação do Omicron nos Estados Unidos.  O anúncio veio mais de 10 dias após o término da convenção de anime, deixando as autoridades de saúde para trás, antes mesmo de perceberem que a corrida contra a Omicron  já havia começado.

As autoridades de saúde da cidade de Nova York enviaram dezenas de milhares de e-mails e mensagens de texto aos participantes da convenção, pedindo-lhes que fizessem o teste. Mas até agora as autoridades ainda não confirmaram qualquer transmissão do Omicron na convenção Anime NYC.

É possível que a convenção tenha contribuído pouco para a disseminação da Omicron. Mas parece mais provável que o vírus esteja, novamente, ultrapassando uma resposta de saúde pública que seja pró ativa. A ressaltar que para participar da convenção não se exigia vacinação completa , apenas uma dose já era necessária. As pessoas se sentiram seguras enquanto mostravam seu comprovante de vacinação.

Não está claro se o Sr. McGinn foi infectado na convenção ou em uma ocasião muito próxima. Mas o contatos foram em dias consecutivos no congresso com outros participantes. Das cerca de 30 pessoas com quem ele se lembra de ter socializado na cidade de Nova York, cerca da metade apresentou resultado positivo para o coronavírus, disse McGinn. No entanto, nenhum dos estados onde vivem anunciou se essas pessoas também tinham a variante Omicron ( não foram ainda sequenciadas amostras ).

Muito permanece desconhecido sobre aa Omicron, incluindo sua letalidade ou o grau de proteção que as vacinas da Covid fornecem contra ela. Os epidemiologistas voltaram a falar em achatar a curva, por meio do uso de máscaras e de um comportamento mais cauteloso. E eles estão pedindo ação agora, para evitar uma repetição dos erros cometidos em março de 2020, quando as autoridades de Nova York demoraram a entender a rapidez com que o vírus estava se espalhando pela cidade.

Nos últimos quatro dias, o programa de sequenciamento do genoma de Nova York detectou sete casos de Omicron entre residentes na cidade de Nova York, embora as autoridades de saúde tenham fornecido poucas informações sobre os casos, não existem informações se eles participaram da convenção

domingo, 5 de dezembro de 2021

quantas mortes realmente ocorreram (até agora) pela covid 19

Quantas pessoas morreram por causa da pandemia covid-19?

A resposta depende dos dados disponíveis e de como se define “porque”. Muitas pessoas que morrem infectadas com o SARS-CoV-2 nunca são testadas para o vírus e não entram nos totais oficiais. Por outro lado, algumas pessoas cujas mortes foram atribuídas a covid-19 tinham outras doenças que poderiam ter terminado suas vidas em um período de tempo semelhante de qualquer maneira.

E as pessoas que morreram de causas evitáveis ​​durante a pandemia, porque hospitais lotados pela covid-19 não podiam tratá-las? Se esses casos contarem, eles devem ser compensados ​​por mortes que não ocorreram, mas que teriam ocorrido em tempos normais, como as causadas por exemplo pela gripe ou mesmo poluição do ar .

A revista The Economist criou uma página no seu site onde pretende atualizar as mortes de uma forma diferente. O método padrão de rastreamento das mudanças na mortalidade total é o “excesso de mortes”. Esse número é a lacuna entre quantas pessoas morreram em uma determinada região durante um determinado período de tempo, independentemente da causa, e quantas mortes seriam esperadas se uma determinada circunstância (como um desastre natural ou surto de doença) não tivesse ocorrido.

O numero será uma estimativa aproximada, com incertezas circundantes, pois calcular o excesso de mortes para o mundo inteiro é complexo e impreciso. Incluindo estatísticas divulgadas por unidades subnacionais como províncias ou cidades, entre os 156 países do mundo com pelo menos 1 milhão de pessoas, é possível obter dados sobre a mortalidade total de apenas 84. Alguns desses lugares atualizam seus números regularmente; outros os publicaram apenas uma vez.
Para preencher essas lacunas na compreensão da pandemia, The Economist construiu um modelo de aprendizado de máquina, que estima o excesso de mortes para todos os países, todos os dias, desde o início da pandemia. Baseia-se em dados oficiais de mortalidade excessiva e em mais de 100 outros indicadores estatísticos. As contagens finais usam os números oficiais de excesso de mortalidade do governo quando e onde estiverem disponíveis, e as estimativas do modelo em todos os outros casos. 
Os dados de excesso de mortes são essenciais para fazer comparações entre os países. O gráfico interativo no site permite comparar o excesso de mortalidade ao longo do tempo em qualquer país. Os dados deixam claro que a covid-19 causou a morte de muito mais pessoas do que as estatísticas oficiais sugeremMedido pelo excesso de mortes como parcela da população, muitos dos países mais afetados do mundo estão na América Latina. Embora a contagem oficial de mortes da Rússia sugira que ela protegeu seus cidadãos razoavelmente bem, seus números sobre a mortalidade total implicam que ela foi de fato atingida com bastante força pelo covid-19. Da mesma forma, estima-se que o número de mortos na Índia está na verdade na casa dos milhões, em vez de centenas de milhares. 

Embora as estatísticas de excesso de mortes sejam a medida mais abrangente do custo humano de covid-19, elas estão apenas vagamente ligadas ao número de pessoas que foram infectadas com SARS-CoV-2. Como o vírus é muito mais mortal para os idosos do que para os jovens, o número de mortos é fortemente influenciado pela estrutura etária da população de um país. Mantendo outros fatores constantes, é necessário um número menor de infecções para produzir um determinado número de mortes em excesso em lugares onde muitas pessoas têm mais de 65 anos do que naqueles onde relativamente poucas pessoas são vulneráveis. Como resultado, os dados de mortalidade em excesso só podem ser usados ​​como um bom indicador da disseminação de covid-19 se também levar em conta a demografia.

O método ainda não incorpora dados sobre vacinações, que reduziram drasticamente a taxa de mortalidade por infecção em 2021 em muitos países. E carece de informações sobre a prevalência de novas variantes do SARS-CoV-2, como Alpha e Delta, que têm um grau de virulência diferente da cepa original. Apesar de todas essas advertências, essa abordagem pelo menos fornece um ponto de partida para estimar quantas pessoas pegaram o vírus que não depende dos caprichos dos programas de teste. 

Em resumo , a covid 19 pode ter matado 17.6 milhôes de pessoas ao invés dos 5.2 milhões de mortes oficiais

terça-feira, 30 de novembro de 2021

a mais triste banalização da pandemia

 

Uma entre tantas complacências diante da pandemia foi “aceitar” que a covid afeta o idoso desproporcionalmente. Mas quase todas as outras doenças também o fazem. Este é um fato da vida : são os idosos que morrem desproporcionalmente por todas as causas .

Se avaliarmos a mortalidade na população, iremos observar que a Covid reduz a expectativa de vida em todas as faixas etárias, um efeito que começa antes da chamada meia-idade.

Porém, se tivéssemos que calcular o efeito na expectativa de vida, a consequência é generalizada: uma pessoa de 30 anos perde mais de 50 anos de vida, uma pessoa de 80 anos perde cerca de uma década, etc.

Estamos diante , portanto , de uma inconsistência. Se Covid é um problema da pessoa idosa, e estamos “normalizando” esse fato, vamos tratar os pacientes idosos da cardiologia, da oncologia,da urologia e a maior parte da medicina interna da mesma maneira ?.

O “problema da pessoa idosa” relacionado à Covid torna-se efetivamente um argumento de eugenia incondicional ( senicídio / geronticídio). A principal característica de uma sociedade civilizada é proteger os fracos: os antigos mediterrâneos davam um status superior aos idosos (senadores). O mesmo acontece com quase todas as sociedades que não estão em decadência.

Infelizmente estamos perdendo o senso da forma como a sociedade é construída . Ela se dá por meio de um raciocínio dinâmico e não estático. Uma pessoa de 30 anos não vai ser congelada em uma juventude eterna e as sociedades (civilizadas) foram organizadas em torno de compromissos intergeracionais.Isso significa que deveríamos tratar os atuais idosos da maneira como gostaríamos de ser tratados quando envelhecermos. Pois mesmo os psicopatas um dia ficarão mais velhos.

Não se trata de um único evento (esta pandemia), mas de todas as pandemias futuras, incluindo aquela que acontecerá quando cada um de nós for mais velho.Ao banalizar a morte de  idosos reduzimos a nossa própria expectativa de vida.

sábado, 27 de novembro de 2021

Omicron

 

Temos uma nova variante.

De inicio foi designado o nome B.1.1.529. Posteriormente , seguindo a padronização de utilizar nomes referentes à numeração grega , passou a ser chamada de Omicron. No momento ocorrem vários estudos para determinar se ela é, de fato, uma ameaça; classificar se é uma "variante de interesse" (em outras palavras, suponha que essa variante seja uma ameaça, mas ainda não temos as evidências) ou uma "variante de preocupação" (temos evidências científicas de que essa variante é uma ameaça)

A Omicron foi primeiramente identificada em Botswana em 11 de novembro.  Logo em seguida foram vistos casos na África do Sul e Hong Kong.Israel e Bélgica anunciaram também que têm casos. O caso da Bélgica foi o de uma jovem não vacinada que desenvolveu sintomas semelhantes aos da gripe 11 dias após viajar para o Egito via Turquia. Ela não tinha ligações com a África do Sul. Isso significa que o vírus já está circulando em outros países.

Essa variante apresenta 32 mutações na proteína spike. Este é um achado único até aqui na pandemia : comparando, a Delta teve 9 alterações na mesma proteína. A provável origem deve ter ocorrido em algum paciente imunocomprometido, onde o vírus pode se manter ativo e multiplicando por muito tempo.

A ciência sempre se preocupa com mudanças na proteína do pico porque esta é a chave para o vírus entrar em nossas células. Estamos particularmente interessados ​​em mutações que podem fazer o seguinte:

1.       Aumentar a transmissibilidade;

2.       Escapar de nossas vacinas ou imunidade induzida por infecção anterior

3.       Aumentar a gravidade (hospitalização ou morte).

A Omicron tem potencial para fazer todos os três. Já sabemos disso pois vímos várias dessas mutações em outras variantes de preocupação como Delta, Alfa e Gama. Além dessas mutações conhecidas , a Omicron tem várias outras que nunca foram antes relatadas.Algumas mutações têm propriedades para escapar da proteção de anticorpos ( ou seja, superar nossas vacinas e imunidade induzida pela doença). Existem várias mutações associadas ao aumento da transmissibilidade. Existe uma mutação associada ao aumento da infecciosidade

Precisamos de tempo para entender o que essas novas mutações significam ou, mais importante, a combinação de tantas mutações. Enquanto isso o que podemos observar no mundo real :

1.       Sabemos muito sobre os casos de Hong Kong por causa do rastreamento impecável de seus contatos.O primeiro caso foi de um homem de 36 anos, totalmente vacinado (duas doses da Pfizer em maio / junho de 2021). Ele viajou pela África do Sul de 22 de outubro a 11 de novembro. Outro caso estava no mesmo avião de volta a Hong Kong também vacinado com a Pfizer.Durante os testes de PCR, as cargas virais foram MUITO altas.Isso nos diz que a variante é provavelmente altamente contagiosa.

Existem sinais preliminares de que a Omicron está impulsionando uma nova onda na África do Sul. As autoridades de saúde estão olhando principalmente para uma região chamada Gauteng. Em apenas uma semana, a taxa de positividade do teste aumentou de 1% para 30%. Isso é incrivelmente rápido. A taxa em que esses casos estão se espalhando é muito mais alta do que qualquer variante anterior. Comparando com o vírus original de Wuhan a variante seria 500% mais transmissível (Delta foi 70% mais transmissível).

Um dado interessante que pode facilitar o rastreamento da B.1.1.529. No teste PCR a variante produz um sinal especial chamado Alpha : quando o PCR é positivo, ele acende duas faixas em vez de três.

Outro dado epidemiologicamente importante é que detectamos esse vírus muito cedo. Isso possibilita que medidas de contenção sejam tomadas. Se precisarmos de outra vacina, podemos fazer isso de forma incrivelmente rápida. Graças à nova biotecnologia, as vacinas de mRNA são realmente fáceis de alterar.Como a mudança é pequena, uma vacina atualizada não precisa de testes de Fase III e / ou aprovação de regularidade. Portanto, todo esse processo levaria no máximo 6 semanas.

Ainda há muito que não sabemos, mas o que sabemos é extremamente preocupante. Estamos em um processo agora, enquanto esperamos por evidências científicas para responder a duas perguntas o mais rápido possível:

B.1.1.529 escapa das vacinas como tememos?

Qual seria o impacto para o seguimento da pandemia ¿

Mas nada muda o que cada um precisa fazer : ser vacinado, estar em ambientes ventilados,usar máscaras etc. Ou seja , não estamos , ainda, prontos para tanta flexibilização.

 

sábado, 6 de novembro de 2021

moralização

 

Por que algumas pessoas condenam outras durante a pandemia COVID-19?

Moralização e condenação são ferramentas que os humanos usam como animais sociais para incentivar outros a mudar o comportamento

Um estudo recente mostra que uma mudança rápida das normas quase sempre está relacionada à moralização (um exemplo bem estudado é o tabagismo). A grande questão é : as pessoas condenam para se protegerem ou para protegerem os outros?

A pandemia traz a necessidade de mudanças rápidas. Isso levou as pessoas a também se envolverem na moralização? Sim! A maioria considera justificado culpar e condenar aqueles que não cumprem as normas sanitárias.

Quem moraliza? Alguns argumentam que os moralizadores fazem isso para o bem da sociedade. Outros afirmam que a moralização é interesse próprio: tentamos fazer com que as pessoas cumpram o que é do nosso próprio interesse.

Em se tratando do interesse próprio, descobrimos que a preocupação * pessoal * sobre COVID-19 está relacionada à condenação, mas não à preocupação com os outros (isto é, preocupação social). Além disso, as pessoas que mudam de comportamento e confiam nas autoridades condenam mais.

A associação com a preocupação pessoal é robusta em todos os países, assim como a falta de associação com a preocupação social. As análises sugerem que a associação é provavelmente um efeito causal da preocupação à condenação. Com a oferta da imunização,estudos no Reino Unido, mostram que a preocupação pessoal também está relacionada à condenação das decisões de vacinação. Aqueles que condenam os antivaxxers temem por si mesmos.

Quais são as implicações no atual cenário do hemisfério norte ? Os casos se acumulam na Europa e isso provavelmente aumentará o medo. Conseqüentemente, a condenação e o conflito social aumentarão nos próximos meses entre vaxxers e antivaxxers.

Embora a moralização seja uma ferramenta eficaz quando as normas estão em fluxo, é improvável que a moralização funcione no contexto de um conflito entrincheirado entre dois grupos estabelecidos. Um foco para as autoridades nos próximos meses é mostrar liderança e manter o conflito administrável.

Numa sociedade previamente individualista a moralização virá com o ímpeto do confronto.

Somos herdeiros de um projeto que não deu certo . Isso gerou novos acordos,uma ausência de conceitos sólidos , gerou a sociedade do desempenho.

 

 

terça-feira, 2 de novembro de 2021

um desconhecido futuro com a Covid 19

 

Estamos próximos de um momento determinante do enfrentamento da pandemia. Como ela termina ! É provável que o coronavírus se torne endêmico e nós viveríamos com ele para sempre . Mas o que não sabemos - e nenhum país ainda tem um plano coerente - é como devemos nos direcionar nesta fase de transição.

Todos evitam as perguntas difíceis cujas respostas determinarão como será a vida nas próximas semanas, meses e anos: Como administrar a transição para a endemicidade? Quando as restrições serão suspensas? E que medidas de longo prazo vamos manter?

Já fomos mais otimistas quando pensamos que poderíamos contar com as vacinas para a imunidade coletiva. Mas as vacinações em muitos países e no Brasil seguem lentas e sem as devidas orientações à população.

 A variante Delta e a diminuição da proteção contra a transmissão significam que a imunidade coletiva pode ser impossível. Isso se refletiu claramente , em locais como o Reino Unido e Israel, quando as restrições relacionadas ao COVID voltaram com um novo aumento de caso pela variante.. Uma proposta foi expandir o grupo de pessoas elegíveis(crianças , por exemplo) para a vacinação tentando diminuir as internações e casos graves. O caminho a seguir não é apenas obscuro; é inexistente. Estamos vagando pela floresta porque não sabemos para onde ir.

O que está claro, no entanto, é que o número de casos , a métrica que orientou grande parte do nosso pensamento pandêmico e ainda fundamenta a recomendação das medidas de proteção, está se tornando cada vez menos útil. Mesmo quando atingirmos a endemicidade – um momento em que a maioria das pessoas tem imunidade de base de infecção ou vacinação – podemos registrar milhares de casos todos os anos, graças à diminuição gradual da imunidade e evolução viral. O que acontece a cada ano,por exemplo, com a gripe. Mas, com as vacinas disponíveis, nem todos os casos de COVID-19 serão iguais. A grande possibilidade é que sejam leves com minimas hospitalizações e mortes.

Porém precisamos chegar a algum tipo de acordo sobre o que estamos tentando prevenir. Estamos tentando evitar a hospitalização? Estamos tentando prevenir a morte? Estamos tentando prevenir a transmissão? São objetivos diferentes que irão exigir estratégias diferentes.

Existe uma incerteza científica real à frente. Não sabemos como a imunidade irá se comportar com o tempo. Quando será necessário implantar doses de vacina de reforço ? Se houver um considerável número de não vacinados, como será a incidência de COVID nesses pacientes e se uma nova variante prejudicará até mesmo os planos mais bem elaborados.

O risco com o qual podemos viver também não é uma questão inteiramente científica. É uma questão social e política que envolve o equilíbrio entre os custos e os benefícios das restrições e a luta contra a fadiga pandêmica do público. A China, por exemplo, tem sido agressivamente eficaz na supressão de novos casos com bloqueios rígidos.Estamos dispostos a ir tão longe? Atualmente não.Este é o ponto em que temos que começar a olhar para nós mesmos e fazer a pergunta difícil:  o que estamos dispostos a fazer para ajudar as outras pessoas?

Um objetivo plausível é se concentrar em minimizar o impacto do COVID-19 nos hospitais. Um sistema de saúde em colapso significa que mais pessoas morrerão, não apenas de COVID-19.Em muitos países essa vem sendo a estratégia de momento. Mas,poucos discutem as consequências do pós Covid , que acarreta em significativas perdas na qualidade de vida dos pacientes.

Depois de definir o que estamos tentando evitar, podemos definir as regras de como vamos restringir ou não nossas atividades. Na verdade, isso pode ser bastante complicado se o objetivo for minimizar as hospitalizações, um indicador de atraso que fornece uma imagem do passado em vez do presente.Isso significa que , no momento em que as hospitalizações começam a aumentar, um aumento do número de casos já ocorreu.

Algumas publicações de especialistas científicos sugerem algumas métricas de controle de avaliação do andamento da pandemia .Hospitalizações e óbitos, mas estratificados por idade e estado de vacinação; uma combinação de taxa de vacinação e transmissão local; uma combinação de taxa de vacinação e hospitalizações; uma combinação de casos de COVID longo, hospitalizações e mortes; uma combinação de taxa de crescimento de caso, testes realizados, taxa de vacinação e hospitalizações. Se isso parece confuso, existe um exemplo da vida real. A cidade de San Francisco (EUA) recentemente definiu três critérios para a instituição ou não do uso obrigatório de máscaras: (1) A transmissão na comunidade é moderada, conforme definido pelo CDC, por pelo menos três semanas, (2) os números de hospitalização são baixos e estáveis ​​e (3) 80 por cento da população total está totalmente vacinada.

O que vamos fazer de fato tem que se basear em quais tipos de dados nos servirão de base .

Para evitar que os hospitais fiquem sobrecarregados, o grupo-chave que precisamos vacinar são, na verdade, os idosos. O risco de hospitalização para uma pessoa não vacinada com mais de 80 anos é 25 vezes maior do que para uma pessoa não vacinada com menos de 18 anos . Uma análise do Financial Times de dados do Reino Unido descobriu que a vacinação de 25.000 crianças teve o mesmo efeito sobre as hospitalizações que a vacinação de apenas 800 adultos com mais de 60 anos.Não se pode compensar a baixa taxa de vacinação entre adultos idosos vacinando mais jovens.

Um país que se destacou na vacinação de sua população idosa é a Dinamarca. Noventa e cinco por cento das pessoas com mais de 50 anos tomaram a vacina COVID-19, além de uma taxa geral de vacinação de 90 por cento para os elegíveis. ( Crianças menores de 12 anos ainda não são elegíveis por lá) Em 10 de setembro , a Dinamarca suspendeu todas as restrições. Sem máscaras. Sem limites de público em bares ou discotecas. A vida parece estar completamente de volta ao normal.

O ponto crucial que estamos aprendendo sobre a Covid é que as decisões sobre as medidas de controle são feitas em uma base de curto prazo.Desta forma,se a situação mudar, será necessário retomar as restrições.E a pergunta é : estamos preparados para estes retrocessos ?

Mesmo quando o coronavírus tornar-se endêmico, pessoas ficarão doentes , algumas irão precisar de hospitalização e acontecerão óbitos. Isso significa que nossa luta contra a COVID-19 não acabou, e precisamos considerar estratégias sustentáveis ​​a longo prazo. Ambientes bem ventilados , por exemplo, podem tornar os espaços internos mais seguros contra todos os vírus respiratórios.. E mesmo sem ordens para o uso de máscaras, as pessoas que se sentem em risco ainda devem usá-las. A longo prazo, também precisamos de menos foco em políticas que funcionam “reduzindo pequenos riscos entre muitos” e mais em políticas direcionadas às pessoas mais afetadas pelo COVID-19.

 Durante a pandemia, o vírus tem desproporcionalmente afetado pessoas mais pobres.Quando a COVID-19 se tornar endêmica, provavelmente, como muitas doenças, continuará a estar relacionada à pobreza.

Precisamos prestar mais atenção em quem e por que as pessoas estão em risco.A saúde pública precisa voltar às suas raízes tradicionais , onde combater as doenças também significa reformar as condições dignas de vida e de trabalho.

Questões difíceis estão por vir e as respostas exigem vontade política. Mas primeiro precisamos de um objetivo.

segunda-feira, 25 de outubro de 2021

incompetência

 texto de Maria Homem , resumido , na Folha de SP de 25 Out 21


O Brasil não está acima de tudo. No momento está abaixo em muitas das escalas que mensuram índices de desenvolvimento humano, econômico, mental.

O Brasil não é o país do futuro, não é um país digno no presente, nunca foi uma grandeza esplêndida no passado.

Deus não é brasileiro. Deus nem existe. Aliás, não é possível saber se deus existe. Nunca foi possível saber e essa é uma das grandes angústias humanas.

O Messias não veio, não está e não virá. O homem inventa deuses há milênios e essa criação tem lhe ajudado a encontrar amparo e a destruir coisas. Em nome de deus, nos unimos e desunimos.

Salvador, Pátria, Salvador da Pátria são conceitos equivocados.

Assim como com deus, em nome da pátria suportamos e trabalhamos. Em nome da pátria, matamos e morremos (ideia cada vez mais fora de moda). Atualmente circulamos imensas somas de capital, bens e pessoas através das fronteiras, legal e ilegalmente. Os mais fortes incidem sobre as bolsas, as cadeias produtivas e a política dos mais fracos. Pátria foi uma útil ficção organizativa moderna, assim como soberania nacional.

Destruir tudo o que está errado para depois reconstruir certo é um projeto delirante. Não funciona —e só revela que não conseguimos resolver problemas. Que sonhamos com um ideal, com um país perfeito, um homem perfeito, uma mulher perfeita e, diante da mediocridade desses objetos, partimos em busca do próximo fetiche.

O presidente é uma farsa. Não sabe pensar, governar, costurar. E não consegue aprender.

O presidente mente. Seus filhos produzem mentiras em alta escala. Um ex-presidente que mente se apropriou de um código aberto para fundar uma rede social. Deu a ela o nome de "Verdade".

Consumimos aplicativos para apagar o que não queremos e melhorar imagens de coisas e pessoas. Photoshops de vídeo, facetunes. A mentira se naturaliza.

O liberalismo seria uma maravilha, mas na prática é um teatro que não atua com sujeitos livres e iguais em competição honesta. O liberalismo econômico é um teatro que serve para legitimar concentrar mais em quem já tem mais.

O presidente e as elites políticas, militares e econômicas cometeram crimes. E cometem cada vez mais crimes para ocultar isso e escapar do devido processo legal.

A legalidade agoniza há quase uma década de forma explícita. E de fato nunca se estabeleceu no país como forma acabada de pacto social.

O poder é inebriante e a democracia está ameaçada ao redor de todo o mundo. Será que o iliberalismo é mais eficaz que a trabalhosa democracia? Livros e pensadores, atônitos, debatem. Enquanto isso caciques vão matando e aprovando leis para se perpetuar no poder.

O presidente e cerca de 70% dos cidadãos são incompetentes. Não têm a competência necessária para realizar as tarefas que lhes cabem. O nível de conhecimento, cultura e consciência da população é sofrível.

A gente morre por incompetência.

A fantasia é um recurso humano primário para suportar o desprazer. A mentira é uma via quando não dispomos de nada melhor. Elas não irão muito longe. Queiramos ou não, a realidade é soberana.

A gente pode falsear, delirar, gargalhar.

quinta-feira, 21 de outubro de 2021

assassinato social

 

 

Assassinato é uma palavra forte , emotiva. Na lei, requer premeditação.

Como o “assassinato” poderia se aplicar às falhas de uma resposta à pandemia? Talvez não possa e nunca será, mas vale a pena pensar a respeito. Quando políticos e especialistas dizem que estão dispostos a “permitir” dezenas de milhares de mortes prematuras em nome da imunidade de grupo (rebanho) na esperança de sustentar a economia, isso não é uma indiferença premeditada e temerária pela vida humana?

Se as falhas de políticas eficazes e de planejamento sério e apoiado na ciência levarem a desfechos recorrentes e mal planejados, quem é o responsável pelas mortes por excesso resultantes? Quando os políticos deliberadamente negligenciam os conselhos científicos, se recusam a ver a experiência de controle de outras nações , não enxergam e não interpretam as suas próprias estatísticas, isso é legal?

Inação é ação? Qual o grau de responsabilidade pela omissão de não agir imediatamente após a Organização Mundial da Saúde declarar uma emergência de saúde pública de interesse internacional em 30 de janeiro de 2020?

No mínimo, a covid-19 pode ser classificada como “assassinato social” sim. O filósofo Friedrich Engels cunhou a frase ao descrever o poder político e social detido pela elite dominante sobre as classes trabalhadoras na Inglaterra do século XIX. Seu argumento era que as condições criadas pelas classes privilegiadas levavam inevitavelmente à morte prematura e “não natural” entre as classes mais pobres. Hoje, “assassinato social” pode descrever a falta de atenção política aos determinantes sociais e às desigualdades que agravaram o enfrentamento da covid-19.

Uma pandemia tem implicações tanto para os residentes de um país quanto para a comunidade internacional, portanto, os governos devem ser responsabilizados perante a comunidade internacional por suas ações e omissões. Os crimes contra a humanidade, conforme julgados pelo Tribunal Penal Internacional, não incluem a saúde pública. Mas já existe um forte movimento para ampliar a aplicação da má prática da saúde pública como crime social. Nesse caso, a má gestão dos governos pode se tornar um crime contra a humanidade, punindo líderes que intencionalmente permitem uma doença infecciosa em seus cidadãos ou estrangeiros.

Se não for um assassinato social estamos vendo homicídio culposo,uma má conduta em cargo público ou negligência criminosa? As leis sobre má conduta política ou negligência são complexas e não foram projetadas para reagir a eventos sem precedentes, mas como mais de dois milhões de pessoas morreram, não devemos olhar com impotência, pois os representantes eleitos em todo o mundo permanecem incólumes. Por qual padrão os líderes devem ser julgados? As mortes não acontecem como expressões individuais apenas. Saõ milhões de famílias enlutadas sem contas as in[umeras sequelas fisicas e psíquicas.

Dos Estados Unidos à Índia, do Reino Unido ao Brasil, as pessoas se sentem vulneráveis ​​e traídas pelo fracasso de seus líderes..Vários expressaram arrependimento, mas “desculpe” soa vazio à medida que as mortes aumentam e as políticas que salvam vidas são deliberadamente evitadas, adiadas ou maltratadas.

Outros dizem que fizeram tudo o que podiam ou que a pandemia era um território desconhecido; não havia nenhum manual. Nada disso é verdade.São mentiras políticas egoístas dessa classe infelizmente deplorável. Alguns buscam justificativas que não se sustentam como defender seu histórico alegando que seu país fez mais testes, contou melhor as mortes ou tem mais obesidade e densidade populacional.Isso não explica a escala absoluta da variação no desempenho.

Se os cidadãos se sentem impotentes, quem pode responsabilizar os políticos negligentes? Os especialistas em ciência podem fazer isso. E o fazem mas suas vozes são pouco ouvidas. O mesmo deveria acontecer com os médicos, com suas responsabilidades para com a saúde pública. Mas a medicina enveredou por caminhos hipócritas de fundo ideológico.

A mídia pode ajudar ao falar a verdade e responsabilizar as autoridades eleitas. Mas, no entanto, grande parte também é cúmplice, presa em silos ideológicos que vêem a pandemia através das lentes do tribalismo político, preocupada em contar verdades pandêmicas a seus leitores e espectadores, proprietários e comparsas do governos. Na verdade, a verdade tornou-se dispensável à medida que os políticos e seus aliados têm permissão para mentir, enganar e repaginar a história.

É esse ambiente que tem permitido que uma negação cobiçosa floresça, que a irresponsabilidade prevaleça e que as grandes mentiras de respostas pandêmicas sejam geradas.As lições mais importantes desta pandemia são menos sobre o coronavírus em si, mas o que ele revelou sobre os sistemas políticos que responderam a ele.

Quantas mortes em excesso serão necessárias ?Isso deixa três opções. O primeiro é pressionar por um inquérito público, como o BMJ e outros argumentaram no verão de 2020 20 - uma revisão rápida e prospectiva, em vez de um exercício de atribuição de culpa que identificará lições e salvará vidas. A segunda é eliminar líderes eleitos e governos que evitam a responsabilização e permanecem impenitentes. Os EUA mostraram que um ajuste de contas político é possível, e talvez um legal possa seguir, embora as pesquisas sugiram que o manejo incorreto de uma pandemia pode não perder votos. 21 A terceira é para que os mecanismos de governança global, como o Tribunal Penal Internacional, sejam ampliados para cobrir as falhas do Estado em pandemias.

O “assassinato social” de populações é mais do que uma relíquia de uma época passada. É muito real hoje, exposto e ampliado pela covid-19. Não pode ser ignorado ou minimizado. Os políticos devem ser responsabilizados por meios legais e eleitorais, na verdade por quaisquer meios constitucionais nacionais e internacionais necessários. As falhas do estado que nos levaram a  milhões de mortes são “ações” e “inações” que deveriam envergonhar a todos nós.

quinta-feira, 7 de outubro de 2021

próximos do caos

 O planeta caminha para inédito aumento na sua temperatura média.

Sem uma mudança radical na maneira como vivemos, nos movemos, comemos, trabalhamos e nos divertimos, o aumento da temperatura global resultará em mudanças ambientais irreversíveis, com consequências catastróficas para a humanidade.

Este é um cenário dramático, mas têm o respaldo da ciência : o Painel Internacional de Mudanças Climáticas afirma que, para manter o aumento da temperatura global pós-industrial abaixo do ponto crítico de 1,5 ° C, o mundo deve reduzir pela metade suas emissões de dióxido de carbono e outros gases de efeito estufa até 2030. E atingir zero líquido em 2050.

Mas quem é que deve mudar? Devemos esperar que nossos governos façam as reformas radicais necessárias? Nesse caso, apesar da retórica e da reunião iminente de líderes mundiais em Glasgow no próximo mês, o desapontamento é certoe esta oportunidade preciosa de evitar desastres humanos e naturais será perdida 

A ação do governo é essencial.Mas precisamos todos empreender ações em nossas diferentes esferas de influência . A responsabilidade de agir é especialmente fundamental para nós, como profissionais de saúde, dada a nossa missão de promover e proteger a saúde além de nossa posição de confiança na sociedade.

A esperança é essencial para evitar a ansiedade ecológica e para estimular a nós mesmos e aos outros para uma ação eficaz. A saúde pode reduzir a sua parcela na emissão de carbono. Mudanças estruturais em nossos ambientes físicos e econômicos têm o potencial de impulsionar mudanças de comportamento e reduzir substancialmente as emissões

Não podemos esperar que outra pessoa aja. Não temos tempo para isso.

sábado, 2 de outubro de 2021

como se aproximar da verdade

 

Uma investigação realizada por cientistas sobre as origens do SARS-CoV-2, concluiu que um vazamento de laboratório (escape viral) era tão plausível quanto qualquer outra explicação biológica evolutiva. Desde o inicio da pandemia vivemos com o conceito de que o vírus havia entrado na sociedade naturalmente a partir de morcegos, e aqueles que sugeriram o contrário foram considerados teóricos da conspiração.

A história de como esse consenso prematuro veio a dominar o discurso sobre COVID deve ser examinada, pois revela falhas na maneira como a sociedade decide o que é verdade.

A maioria das informações sobre o que acontece no mundo é transmitida ao longo de uma cadeia de instituições antes de chegar a qualquer pessoa. Surge entre pesquisadores, antes de passar para a imprensa e depois para as plataformas de tecnologia. À medida que cada uma dessas instituições processa a informação, ela pode ser distorcida de acordo com seus preconceitos e interesses . O resultado é que as pessoas adquirem não a verdade, mas uma distorção de uma distorção de uma distorção, e se os interesses de todas as três instituições se alinham em uma única história, o efeito cumulativo dessas distorções irão na mesma direção e rendem uma única miragem convincente.

As duas instituições nas quais a maioria das pessoas confia para obter a verdade - o mundo científico e o jornalismo convencional (tv,rádio , jornais etc) – geralmente estão comprometidas por uma série de motivos pessoais, profissionais e políticos. Mas existe uma terceira instituição no sistema de manufatura de consenso da sociedade, o último elo da cadeia, com o maior poder de todos: a mídia social .

A própria estrutura das plataformas tecnológicas as torna amplificadoras naturais da ciência e da mídia liberal. Orgãos governamentais como o Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas (NIAID) e veículos de notícias liberais como o New York Times geralmente recebem pontuações de credibilidade mais altas, o que significa que suas mensagens sempre serão mais visíveis.

As organizações de verificação de fatos nas quais os gigantes da mídia social contam para dizer o que é verdade e o que é desinformação não são compostas de especialistas, mas de leigos que chegam às suas conclusões a partir do que dizem ser verdade as organizações de “credibilidade”. Essas mesmas organizações podem pressionar as plataformas de tecnologia para silenciar a dissidência. Mais pressão vem dos políticos, que regularmente ameaçam as empresas de tecnologia com regulamentações se elas não fizerem mais para combater a desinformação.

Exemplos notórios podem ser encontrados ao longo da história. Ignaz Semmelweis era um médico que aconselhava a lavagem das mãos como forma de reduzir as mortes de pacientes após a cirurgia. Isso quando o consenso era que a doença não era causada por germes, mas por desequilíbrios nos “quatro humores”, e então seu conselho para salvar vidas foi rejeitado e ele foi ridicularizado,terminando sua vida em um manicômio. O reflexo de Semmelweis , que leva o seu nome, refere-se à tendência de as pessoas rejeitarem novas explicações em favor de explicações estabelecidas.

Então, o que pode ser feito para prevenir falsos consensos? Se não podemos confiar em nossas instituições para fazer as coisas direito, como podemos distinguir a verdade da teoria da conspiração ¿

A verdade é freqüentemente medida em probabilidades, não em absolutos; você só pode saber o que é provável, na maioria das vezes. E a probabilidade de algo ser verdadeiro aumenta em uma direção: em direção à raiz da cadeia de informações. Quanto menos elos na cadeia, menos oportunidades de distorção de informações. Quanto mais longe da raiz você estiver, mais suas crenças se baseiam na fé e serão mais hesitantes. Deve-se, portanto, tentar seguir as reivindicações até suas raízes, e sempre que não puder, deve-se abster de conclusões definitivas. Embora seja difícil determinar o que é verdadeiro ou falso, é relativamente simples determinar o que é e o que não é uma teoria da conspiração. Estas possuem certas características, nenhuma das quais em si é uma indicação perfeita, mas todas, tomadas em conjunto, são indicadores confiáveis.

A primeira característica comum das teorias da conspiração é que são expressas como certezas, não deixando espaço para dúvidas. A segunda é que são baseadas em evidências não verificáveis. A terceira característica é que, ao invés de evidências, elas se sustentam por meio do raciocínio circular, que normalmente se manifesta nos teóricos da conspiração como um hábito de considerar ataques à teoria como evidência da conspiração.

Quando for possível identificar esses três componentes em uma afirmação - certeza, evidência inverificável e raciocínio circular - é seguro concluir que se está olhando para uma teoria da conspiração.

Podemos nunca saber com certeza se a pandemia veio de um laboratório ou da selva, mas a história de como decidimos o que era verdade deixa lições para todos nós. A verdade é um processo de fazer perguntas constantemente e refinar hipóteses, e o consenso, bem, é um acordo mútuo para parar.

terça-feira, 21 de setembro de 2021

um final feliz

 

Todos estamos ansiosos pelo fim da pandemia. Como num filme , aguardamos pelos créditos finais. Os filmes que já abordaram situações pandêmicas , como “ Contágio” , têm narrativas que se aplicam aos enredos que prendem o público : o inicio de uma nova infecção ( o paciente “zero”), o diagnóstico na medida em que ela se expande (uma ameaça global) e a cura (as vacinas).

Na medida em que nos aproximamos do segundo ano da covid-19, o vírus nos mostra que não estamos vivendo um filme com final feliz. A vacina já está pronta mas segue um caminho fragmentado , vagaroso , desigual e , em alguns lugares , negada ou temida pela população. Em diversos países com taxas maiores de imunização as pessoas declararam , independentemente , que a pandemia já acabou. Porém em países sub desenvolvidos menos de 2% da população recebeu as duas doses. Lockdowns acontecem de modo inconstante,fronteiras são fechadas para logo depois serem abertas. Muitos estão vivendo com sequelas permanentes ou transitórias da doença. Ao invés de um fim, estamos cada vez mais ouvindo a possibilidade de que temos que aprender a viver com o vírus.

O significado universal de “ viver com o vírus” é aprender a viver com a incerteza. Isso assusta a muitos pois é , fundamentalmente, uma forma estranha de racionalismo empírico. Ao mesmo tempo que pode encorajar o desenvolvimento de estratégias para inibir a sua transmissão também nos distancia de um final feliz.

A internet é frequentemente acusada de fomentar narrativas alternativas sem embasamento científico.Mas o conhecimento médico moderno também tem sido vulnerável à dúvida. Precisamos atentar ao fato que o fim das narrativas pode ocorrer de diversas formas , nem sempre com términos bem delimitados. O final de uma história sempre nos dá um senso de equilíbrio e de lógica.Tornou-se crucial para nossa percepção do mundo, particularmente em sociedades onde as concepções lineares do tempo são dominantes. O fim é um modo de construir um sentido para uma existência desestruturada.

Nossa experiência com a pandemia tem sido acompanhada pelas características de nosso momento atual como civilização. As inevitáveis comparações com as guerras mundiais e outras pandemias , como a gripe espanhola, revelam um desejo de compreender a covid-19 como uma história datada.

 O conceito de término de uma narrativa é relacionado ao conceito da “necessidade” do término. Na psicanálise é descrito como uma resistência ao desconforto da ambiguidade. Na verdade, o término é visto como um possível obstáculo, um processo pelo qual um indivíduo ou uma sociedade recebem julgamentos prematuros.

É possível que a história da covid entre para um cenário confuso, longo, um processo no qual o vírus — controlado pela vacina e pela imunidade de grupo — ainda ocasione poucas fatalidades e menos complicações crônicas, se tornando algo “como uma gripe”.Enquanto isso fantasias do final — numa narrativa de progressão linear — têm sido construídas por diversos países.Ficou famosa na Inglaterra a expressão “freedom day” que decretava uma data para a liberdade das pessoas. Infelizmente , foi uma experiência catastrófica.

É possível fazer uma analogia com a hiponcondria. Ela é uma experiência de términos frustrados. O hipocondríaco busca,obssessivamente,um fim para os seus problemas.Uma verdadeira crença numa narrativa linear da medicina. Uma resposta racional à expectativa que a medicina tenha a resposta para tudo. A hipocondria é anterior à internet mas se expandiu após a disseminação desta.

Para quem estuda ciência e sociedade está claro que mais informação não leva a maiores certezas. O que se obtém da internet não é um narrador com toda a sabedoria que terá as respostas pata todas as nossas questões. Basta digitar no Google : quando a pandemia irá terminar ¿

Dúvida e incerteza não podem ser erradicadas da medicina: são fundamentais para a sua própria existência. Negá-las é tornar o sistema médico menos confiável.

segunda-feira, 6 de setembro de 2021

a visão realista

 

Neste momento desafiador em que vivemos é uma árdua tarefa ser otimista. As consequências das mudanças climáticas , os conflitos ideológicos e religiosos , os expoentes do fascismo , a pandemia...tudo se configura ameaçador num mundo liquido.

É um lugar comum , diante de tantas dificuldades ,se comparar o presente com um passado na maioria das vezes saudoso . Num artigo para a revista  Wired , o então presidente dos EUA Barack Obama escreveu (com otimismo característico): ...se você tivesse que escolher qualquer momento no curso da história humana para estar vivo, deveria escolher este.' No seu livro C'était mieux avant!('Antes era melhor!'), o filósofo francês Michel Serres elogiou os sucessos da ciência e da razão enquanto zombava de nossa tendência de ver o passado através das lentes seletivas e tingidas de nostalgia. Serres lembra que 'antes' havia mais trabalho, em condições mais difíceis, com menos suporte de tecnologia. Havia um saneamento precário e cuidados de saúde menos eficazes. Houve mais conflito, mais violência. Os 'bons e velhos' dias talvez não fossem tão bons em comparação com o presente. O psicólogo canadense Steven Pinker defenderia uma visão semelhante apenas um ano depois em seu livro Enlightenment Now . A ideia de que o mundo está piorando, argumentou ele, é equivocada.

Os dados mostram claramente que Obama, Serres e Pinker estão certos sobre certas medidas objetivas de bem-estar - mas muitas pessoas se sentem infelizes. Em alguns lugares, incluindo os EUA, pesquisas mostram que a idéia de felicidade está realmente em declínio .

Como devemos ver o estado do mundo: com otimismo ou pessimismo? Essa resposta exige uma analise do balanço entre a bondade e os males que nos afligem. Podemos reconhecer que as coisas melhoraram dramaticamente e ainda sermos mais prudentes quanto à nossa situação atual e perspectivas futuras.

A maioria das pessoas tem percalços ao longo da vida lidando com aspectos dolorosos da realidade por meio de uma mistura de ignorância, indiferença e evasão. Embora os avanços históricos devam ser celebrados, eles podem, se não formos cuidadosos, nos distrair de lidar com fatos difíceis; e não aceitar esses fatos difíceis pode nos impedir de viver bem.

Quando olhamos para a condição humana é preciso entender a inevitabilidade do sofrimento - tanto para nós quanto para aqueles que nos são próximos. Essas coisas pesam na consciência da maioria das pessoas em algum momento. Muitos experimentam a dolorosa solidão da vida, uma incapacidade de comunicar plenamente cada experiência aos outros ou de compreender a deles. E apesar das várias formas de progresso, continuam a existir injustiças inadmissíveis.

Poucos refletem sobre nossa impotência para o destino final de tudo. A natureza efêmera de nossos projetos e realizações, poucos dos quais perduram por um período de tempo significativo. Não importa quantos anos extras de vida a tecnologia médica nos deu, se uma pessoa está vivendo uma vida que ela sente ser sem sentido - ou significativa de uma forma superficial – os anos adicionais não se traduzem em anos extras de satisfação, muito menos de realização ou alegria. Sabemos que isso é verdade em algum nível abstrato, mas temos dificuldade em enfrentá-lo ou entendê-lo. Em vez disso, a maioria das pessoas escolhe , por fuga talvez, lidar com o lado mais escuro da realidade por meio de uma mistura de ignorância, indiferença e evitação.

Uma razão  óbvia pela qual devemos pensar mais sobre a dura realidade da vida é que não podemos evitá-la. Os fatos irão se impor sobre nós. Nenhum progresso ou riqueza nos permitirá ignorá-los para sempre. Por fim, nossa relutância em ver a realidade como ela é leva a formas adicionais de sofrimento como resultado de prioridades desalinhadas.

Nosso destino espinhoso é ver a realidade com os olhos abertos desde o início e ordenar nossas prioridades com base em uma avaliação clara das coisas. Quando, distraídos por nossa boa sorte (saúde, riqueza, segurança), ignoramos as duras realidades que não podemos evitar em nossa própria vida e desconsideramos as de outras pessoas estamos numa espécie de catarse passageira.

Jamais eliminaremos a perda, a decadência, o sofrimento e a morte do mundo. Não se trata de aceitar o mundo como ele é - seja porque a teodicéia nos diz que é perfeito, ou porque o filósofo alemão Friedrich Nietzsche nos diz que devemos dizer "sim" a cada detalhe " inexpressivamente pequeno", ou por alguma outra razão. A questão não é ceder ao desespero ou insistir obsessivamente nas maneiras pelas quais a realidade não é o que poderia ser. Isso não é mais aconselhável do que fechar os olhos às falhas do mundo. A questão, ao contrário, é dar à realidade o que é devido. Quando o fazemos, encontramos mais do que apenas uma catástrofe. Se os olhos abertos nos permitem ver os naufrágios do mundo com mais clareza, eles também nos mostram outra coisa.

A honestidade clara sobre as coisas acaba com a felicidade ingênua ou inocente mas abre a possibilidade para algo mais maduro. Os humanos são os únicos seres que, além de experimentar as coisas como boas em relação aos seus próprios desejos, interesses e objetivos, também podem apreciá-los como bons em si mesmos, bons independentemente de sua relação com nós,totalmente independente de nosso próprio ser.

domingo, 5 de setembro de 2021

negacionismo

 

A pandemia já matou 4,5 milhões de pessoas em todo o mundo – 581 mil só no Brasil –, mas ainda há muita gente capaz de afirmar que ela não existe..Nos Estados Unidos, onde 99% das mortes atuais por covid-19 são de pessoas que não se vacinaram – porque negam a eficácia das vacinas – o governo considera viver outra pandemia dentro da pandemia do coronavírus: a dos negacionistas.. Mas, afinal, o que essas pessoas tanto negam? E desde quando elas se tornaram tão numerosas – ou, pelo menos, tão presentes?

Ao longo da história, pessoas e grupos políticos têm negado de tudo um pouco. E, embora o termo negacionismo tenha se popularizado nos últimos anos, o fenômeno não é novo, nem nasceu junto com comportamentos da extrema-direita.Ele remonta ao final da Idade Média e início da Idade Moderna, quando algumas descobertas científicas ameaçavam os dogmas religiosos. As autoridades religiosas negavam os avanços científicos e as reflexões feitas pelos filósofos humanistas.

Os negacionistas se preocupam em reafirmar sua ideologia – e negar o que pode ser visto como uma ameaça ao seu poder.O que os move, em geral, é a preocupação em negar tudo aquilo que é inconveniente às suas ideologias religiosas e sociais.Muitas vezes estão à serviço da politica. No caso da Igreja, o seu monopólio sobre os fiéis e a sua forma de pensar era um meio de manutenção do seu poder político e social. Foi essa preocupação que fez com que a Inquisição romana perseguisse e condenasse Giordano Bruno à morte, no final do século XVI. O frade, filósofo, teólogo e matemático napolitano foi acusado de heresia ao questionar uma série de dogmas da Igreja Católica e ainda defender a existência de vida em outros planetas. A teoria conhecida como pluralismo cósmico acabou culminando na morte de Giordano Bruno em 1600, numa fogueira em Roma, com plateia e tudo. Quem não quis ter o mesmo fim, acabou negando suas próprias descobertas científicas.Foi o caso de Galileu Galilei, que desenvolveu a teoria do heliocentrismo, indo contra o dogma geocêntrico da Igreja, que era baseado em interpretações bíblicas. Tais descobertas eram vistas como uma espécie de afronta a Deus.

A teoria de que o Sol é o centro do universo de Galileu Galilei se estabeleceu. Mas, outras descobertas científicas ainda são negadas por alguns grupos, como os que acreditam que a terra é plana, medida há mais de 2 mil anos por Eratóstenes.

É possível falar em negacionismo sempre que algum movimento político ou algum indivíduo nega o que a ciência já comprovou com base em pesquisas empíricas ou em reflexões baseadas no método científico. É o que acontece, por exemplo, quando grupos ou pessoas negam a existência da pandemia, a eficácia das vacinas, a circunferência da Terra, os efeitos do aquecimento global ou – um caso clássico de negacionismo – o Holocausto.

A ciência entra na mira dos negacionistas por ser uma forma de autoridade.

Na era das transformações digitais, onde todo mundo é um pouco produtor de conteúdo, as coisas tendem a sair do controle. O negacionismo passa a se confundir, inclusive, com a desinformação.Deixa de ser um boato que atingia pequenas comunidades. Torna-se lucrativo : alguém monta uma página numa rede social ou um canal no Youtube para alimentar essas teorias da conspiração, ganha dinheiro, amplia a audiência etc.

No caso da pandemia, envolve o nosso medo e a nossa vontade individual. A pessoa vê a notícia ruim e começa a negar, a não aceitar. E aí ela começa a buscar informações até achar algo que diga o que ela quer. Cria-se a dúvida (não a dúvida saudável), a insegurança. Vence-se o debate (em questões que nem deveria haver um) pelo grito, pela retórica e apelo emocional e se convence as pessoas a fazerem escolhas erradas para sua saúde.

O negacionismo não se firma em um método.As estratégias negacionistas são muito diversas e apresentam diferentes nuances. Podem se manifestar tanto na forma de comportamentos quanto de discursos, se baseiam em generalizações, omissões ou mesmo ataques diretos à ciência e aos historiadores.

Se é pelas redes sociais que os negacionistas ganham espaço, constroem suas narrativas e convencem outras pessoas, esse parece ser, também, o melhor ambiente onde cientistas e outros pesquisadores podem combater esse tipo de atuação. O desafio é valorizar o papel da ciência e se comunicar melhor com a sociedade.

sábado, 4 de setembro de 2021

resiliencia

 

A pandemia nos trouxe mais do que uma cota de tragédias humanas. Cerca de quatro milhões de pessoas já morreram mas são incontáveis os humanos que ficaram de luto.

O luto é uma resposta natural e inevitável. Porém, para muitos, ele foi agravado pelas circunstâncias em que ocorreu: experiências de solidão no final da vida, impossibilidade do adeus ,funerais isolados e restritos.

Nos milhões que vivenciam os efeitos da perda é importante ressaltar que as crianças são particularmente vulneráveis ​​aos efeitos do luto a longo prazo, com a maioria apresentando  transtornos mentais nas primeiras duas décadas de vida. A pandemia afetou mais de 2,5 bilhões de crianças e jovens em todo o mundo.Estudos sobre os efeitos em sua saúde mental e bem-estar ainda são precoces, mas aprender com os desastres de grande escala anteriores pode ajudar a moldar nossa compreensão e resposta. Os jovens encaram mudanças repentinas devido ao rompimento das rotinas normais, fechamento de escolas, dificuldades financeiras e falta de acesso a ajuda profissional.

Em tempos de perda e incerteza, a comunicação mais clara ajuda a criar resiliência. Mas será que a pandemia melhorou nossa capacidade de falar sobre a morte? As evidências sugerem  que as pessoas agora estão mais à vontade para falar sobre o luto e mais capazes de pensar sobre sua própria mortalidade. E isso deveria ser uma verdade também para os médicos, que têm seu próprio luto para reconhecer e devem abrir espaço para o luto pela morte de pacientes, colegas, familiares ou amigos. Os médicos são frequentemente encorajados ou mesmo obrigados a deixar de lado sua própria dor em nome do profissionalismo e do atendimento eficiente ao paciente. Mas isso pode nos tornar menos autênticos e mais solitários. Ser aberto sobre nossas próprias experiências de luto, mostrando “a força da vulnerabilidade”, pode ajudar os outros e também a nós mesmos a mudar ainda mais as atitudes da sociedade em relação à morte e à perda.

Estender uma atitude solidária e incondicional às pessoas enlutadas e a nós mesmos pode ser tudo o que podemos oferecer.E isso pode ser o suficiente.

segunda-feira, 30 de agosto de 2021

reações colaterais vacina COVID 19

 

Com o aumento no numero de imunizações cresce , também , os relatos de efeitos colaterais associados à vacina. Entre esses , formação de coágulos sanguíneos (em artérias e veias)com desfechos que variam de quadros leves a graves.

Há relatos raríssimos de tromboses venosas incomuns, como no cérebro ,no abdomen (veias esplênica e porta) e até embolia pulmonar . Esses eventos sâo observados em especial após a vacina da Astra Zeneca, mas há casos relatados após vacina da Janssen ( que apresentam a mesma plataforma vacinal ).

Existe uma situação denominada de Trombocitopenia Trombótica Induzida por Vacina (em inglês VITT) que vem sendo descrita desde junho passado, um evento raro, mas digno de nota.

Qualquer vacina pode causar efeitos colaterais em algumas pessoas. A grande maioria são de reações no local da injeção e de sintomas gerais parecidos com um estado gripal(febre, fadiga, dor de cabeça, calafrios, mialgia, etc). Essas reações decorrentes da resposta imune à vacina não são graves e são comuns, geralmente resolvendo em poucos dias. É importante descartar a doença Covid pois o quadro clínico é bem semelhante caso os sintomas persistam por mais do que 48 horas.

O melhor local para pesquisa de relatos sobre os efeitos das vacinas é o sistema de notificação do Reino Unido: o Yellow Card.

Até 18 de agosto,foram aplicadas 49 milhões de doses da Astra Zeneca e 38 milhões da Pfizer (incluindo 1ª e 2ª doses).O Reino Unido recebeu notificação de 417 casos de eventos tromboembólicos (coágulos sanguíneos) com trombocitopenia (diminuição de plaquetas) após administração da vacina Astra Zeneca. A mortalidade geral foi de 72 mortes, seis casos registrados após a 2ª dose.

Mas vou traduzir os números de uma maneira que se possam analisar os riscos / benefícios :

 

1a dose: incidência geral de 15 casos por milhão.

20,8 casos/milhão para 18-49 anos

10,9 casos/milhão para > 50 anos

2a dose: incidência geral de 1,8 casos por milhão.

0,9 caso por milhão para 18-49 anos

1,8 casos por milhão para > 50 anos

 

Ambas incidências são baixíssimas, sendo muito mais rara após a 2a dose.

Quais são os sinais de alerta? Dor de cabeça persistente, grave e intensa. Sintomas neurológicos focais e convulsões .Dores / edema de membros inferiores.Dispnéia e dor torácica (embolia pulmonar, infarto).or abdominal (trombose de veias abdominais)

Importante frisar que o fato de alguém ter condições prévias de trombose venosa , trombofilia, câncer etc não devem ser considerados fatores de risco para o desenvolvimento da VITT, levando em consideração o mecanismo do processo que é auto-imune.

O diagnóstico deve ser suspeito/confirmado com : história de vacina ha 4 - 52 dias.Contagem de plaquetas < 150 mil/mm3. Exame de D-dímero elevado ( > 4 x o valor normal ).exames de imagem(Doppler, tomografia, etc) e dosagem de fator antiplaquetário 4 (anti-PF4) teste ELISA

Sempre surgem perguntas ao se abordar este assunto : Então.... vale a pena se vacinar? Não é arriscado? Não é melhor contrair a doença e se imunizar naturalmente?

A resposta é : NÃO!!!

Um estudo de casos feitos com cerca 30 milhões de vacinados na Inglaterra ajuda na explicação.É possível calcular o risco relativo de incidência do desfecho após a exposição (vacinação ou contração de doença) em comparação com o período em que os mesmos indivíduos não estão expostos.

Quais os resultados para vacina da Astra Zeneca?

 

Risco de desenvolver plaquetas baixas (8 a 14 dias):

Para vacina: 33% maior

Para COVID-19: 430% maior

 

Para desenvolver trombose venosa (8 a 14 dias):

Para vacina: 10% maior

Para COVID-19: 1.290% maior

 

Risco de desenvolver trombose arterial (8 a 14 dias):

Para vacina: 2% maior

Para COVID-19: 350% maior

 

Para desenvolver trombose venosa cerebral (8 a 14 dias):

Para vacina: 300% maior

Para COVID-19: 1.243% maior

 

Risco de desenvolver infarto cardíaco (8 a 14 dias):

Para vacina: sem aumento de risco

Para COVID-19: 400% maior

 

Para desenvolver outras tromboses raras (8 a 14 dias):

Para vacina: 21% maior

Para COVID-19: 460% maior

No mais...o risco de formar coágulos se uma mulher usa anticoncepcional oral aumenta de 200 a 800% .Estima-se que 300 a 400 mulheres dos EUA morram anualmente devido o uso de ACOs. Ainda assim, o consumo continua elevado, apesar dos riscos.

O que isso tudo significa?

Para cada 10 milhões de vacinações, houve 66 tromboses relacionadas.

Para cada 10 milhões de casos de COVID-19, houve 12.614 tromboses e 1.699 derrames cerebrais.