terça-feira, 25 de novembro de 2025

compulsão por aprovação

 







A busca por aprovação é a nova forma de laço social

Tudo o que fazemos — postar, performar, justificar — está secretamente atravessado por uma pergunta que nunca se cala: “Estou sendo visto?” O reconhecimento tornou-se necessidade vital, e sua ausência, quase uma forma de morte simbólica.

Vivemos sob o império do olhar, e o olhar dos outros passou a mediar o próprio valor do eu. A solidão, antes experiência ontológica, tornou-se falha de engajamento.

Lacan descreveu o desejo humano como desejo do desejo do outro. Não se deseja o objeto, mas o lugar que ele ocupa na economia do olhar. O “eu” só se reconhece quando refletido. É por isso que a validação é mais que vaidade: é o combustível do sujeito dividido. O problema surge quando o outro se multiplica e se despersonaliza — o “Grande Outro” do século XXI é o algoritmo. Ele não responde com palavra, mas com curtida. O sujeito não é mais olhado por alguém, mas por uma máquina que mede a intensidade de sua visibilidade. O desejo, antes articulado pela linguagem, é agora regulado por métricas.

Eva Illouz chama isso de capitalismo emocional: a economia contemporânea transformou sentimentos em valor de troca. A validação deixou de ser gesto simbólico e passou a ser capital afetivo. O “like” é moeda, e o sujeito, para sobreviver, precisa mantê-la circulando. O amor, o trabalho, a amizade — tudo se inscreve nessa lógica de prestígio e performance. O inconsciente digital transforma o desejo em dado e o afeto em número. A aprovação, que um dia era confirmação de pertencimento, tornou-se índice de relevância.

Honneth, ao falar da luta por reconhecimento, via nela a base da dignidade humana: ser reconhecido é existir socialmente. Mas o que acontece quando essa luta perde mediação simbólica e se torna compulsão? A aprovação passa a ser vício, e o sujeito se converte em personagem de si. A cada post, a cada exposição, o mesmo movimento: busca-se o olhar que garante ser. A falta de resposta é vivida como aniquilamento. O sujeito, incapaz de sustentar o vazio, preenche-o com performance.

Sherry Turkle mostra que o narcisismo digital não é amor a si, mas medo do apagamento. O sujeito hiperexposto vive sob tensão permanente entre exibir-se e preservar-se. Ele cria uma imagem para ser amado e, ao mesmo tempo, é devorado por ela. As redes produzem um espelho deformante: o que se vê ali é um eu editado, que se retroalimenta de aplauso. O prazer da validação é químico, quase pulsional — mas como todo prazer imediato, traz o sabor amargo da repetição.

O vício em validação é, portanto, sintoma: revela o fracasso da mediação simbólica. Se o olhar do outro se torna instável, o sujeito se fragmenta em busca de novos olhares. Por isso a saturação de confissões, exposições e transparências — não é excesso de sinceridade, é desespero de ser reconhecido. A cultura do engajamento não cria vínculos, cria dependência. Cada notificação é uma microdose de existência.

Mas talvez haja saída: transformar a validação em diálogo, não em consumo. Reconhecer que o desejo de ser visto é legítimo, mas que ele precisa encontrar o olhar de um outro real, e não apenas o reflexo luminoso de uma tela.

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