A produtividade moderna é a nova forma de negação da morte.
Trabalhar sem parar, planejar o futuro, otimizar o tempo, controlar o corpo — tudo isso esconde uma angústia ancestral: a de desaparecer. O medo de morrer não se manifesta como pavor explícito, mas como pressa. A aceleração é a tentativa inconsciente de escapar do limite. Se o tempo é finito, então cada minuto precisa justificar a própria existência. O sujeito moderno não teme o fracasso — teme o vazio que o fim revela.
Freud já intuía que a pulsão de vida (Eros) e a pulsão de morte (Tânatos) coexistem em tensão permanente. O trabalho incessante, o culto à produtividade e a necessidade de deixar legado são formas sublimadas de enfrentar a morte: se o corpo vai desaparecer, que pelo menos reste a marca. A criação, nesse sentido, é uma defesa contra o esquecimento. Mas quando a pulsão de morte é recalcada, Eros perde sua leveza e se converte em compulsão: o sujeito trabalha não por desejo, mas por medo.
O filósofo coreano Chul Han observa que a sociedade do desempenho é, no fundo, uma sociedade da negação da mortalidade. O cansaço, a lentidão, o descanso — todos são lembranças de que o corpo tem limite. Por isso o sujeito os combate como inimigos. Ele se otimiza para afastar o envelhecimento, controla o corpo como se ele fosse máquina, administra a agenda como se pudesse evitar o colapso. A produtividade vira ritual de imortalidade.
Michel Foucault descreveu o modo como o poder moderno se exerce sobre a vida: biopolítica (é o nome dessa gestão do corpo e do tempo)
A cultura do controle é a tradução técnica do medo da morte. Viver, hoje, significa prevenir — medir, vigiar, monitorar. Os aplicativos de saúde, os métodos de longevidade, o fetiche da performance cognitiva — tudo revela o mesmo pânico civilizado: a recusa do acaso biológico, a tentativa de transformar o corpo em sistema administrável. Mas controlar a vida é o mesmo que transformá-la em coisa, e coisas não vivem, apenas funcionam.
A obsessão moderna por eficiência é, no fundo, um luto mal elaborado. O homem contemporâneo, incapaz de aceitar a transitoriedade, tenta compensar o incontrolável com hiperatividade. Quer deixar marcas, mas só consegue deixar rastros. A produtividade é a máscara de um desespero metafísico: fazer algo, qualquer coisa, para não encarar o silêncio que vem depois.
No entanto, é o limite que dá forma à existência. A consciência da morte poderia libertar, não aprisionar. Saber que tudo termina deveria reduzir a pressa, não aumentá-la. O verdadeiro ato de resistência talvez seja parar — não por preguiça, mas por reverência. Controlar menos é morrer melhor: deixar que o tempo aja, que o corpo respire, que a vida aconteça sem gestão.
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