terça-feira, 5 de janeiro de 2021

medicina e humanismo

O  médico William Osler num de seus famosos aforismos escreveu : ‘ a prática da medicina é uma arte , não um negócio; um chamado , não um emprego formal; um chamado no qual o seu coração vai ser comparado igualmente com seu cérebro.’

Infelizmente , os sistemas de saúde se transformaram numa industria ofuscando o aspecto da arte da medicina , em detrimento de ambos : o paciente e o médico. A saúde vem aplicando os modelos das empresas como pretensa melhora de performance em redução de erros e melhora na segurança

Estamos perdendo o elo de ligação mais importante : o humano. O desafio em questão nos dias de hoje é a entrega do cuidado em saúde em uma forma complexa num ambiente particularmente estressante. No objetivo de melhorar segurança em face da crescente complexidade estamos descuidando dos valores tradicionais dos médicos : autonomia, criatividade e experiência profissional. O resultado : desilusões , frustrações e automatismo na prática médica.

A exaustão emocional, despersonalização e reduzida eficácia (medida pelos infinitos marcadores de qualidade) tem gerado aquilo que reconhecemos como burn-out (um problema mental já nominado no International Classification of Diseases.Em alguns países a renovação dos médicos já se encontra em declínio.Um misto de má remuneração e desilusão com a profissão estão desmotivando os jovens a fazerem medicina. Também se observa a crescente desistência durante o curso de formação e as solicitações de aposentadoria precoce

Médicos não são incansáveis. Burn-out e fadiga podem impactar nos desfechos das condutas.São associadas a erros. Ainda somos doutrinados a não mostrar as emoções mas isso não significa uma insensibilidade. Não importa o grau de resiliência , ela inevitavelmente levará ap stress

Um trabalho recente do Medscape National Physician Burnout Depression & Suicide Report 2019 avaliou 15. 000 médicos de 29 especialidades. 44% tiveram burn-out. Esta foi acompanhada por depressão em 4% . 14% admitiram ter cometido erros no diagnóstico clínico e prejuízo de seu bem estar mental. 14% admitiram ideação suicida e 1% tinham tentado por fim a vida

No caminho do COVID , a saturação diante de um inimigo à nossa espreita , a fragilidade de doentes que lutam pela vida no dia - a dia das UTIs lotadas , a solidão que se estabeleceu numa multidão de solitários afastados pelo principio do contágio , o tempo que parece ter sido congelado em um dia qualquer do inicio de Março de 2020 a inoperância gestora em todos os patamares e um futuro abstrato potencializam uma doença crônica : a desumanização endêmica da nossa sociedade.

Não existe cura quando um tumor grave já se espalhou de modo silencioso e gradativo para todos os pontos de um organismo decrépito.Mas talvez ainda dê tempo....um tempo que não temos tempo para observar



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