segunda-feira, 31 de outubro de 2022

multidões

 

Uma célula cancerosa é apenas uma célula – uma das mais de 30 trilhões que compõem o corpo humano. Ao estudar a ciência das células individuais talvez existam respostas não apenas para o câncer, mas também para outras doenças, bem como para o segredo maior da própria biologia.

A vida em nosso planeta de 4,5 bilhões de anos surgiu há cerca de 3,7 bilhões de anos, e pelos próximos dois bilhões de anos, pelo menos, ela se deu perfeitamente bem como nada mais do que organismos unicelulares. Foi apenas em algum momento entre 600 milhões e 1,5 bilhão de anos atrás que essa vida microscópica se juntou e deu origem a algas, plantas, árvores, peixes, dinossauros,baleias, macacos e humanos. O poeta Walt Whitman pode ter cunhado a frase “eu contenho multidões”, mas a evolução realmente realizou esse ato de contenção muito antes que as 30 trilhões de células que compunham o próprio poeta pudessem se unir.

A ideia de sermos acumulações – unidades cooperativas [de células] – é uma ideia tremendamente poderosa.Uma canção não é apenas um conjunto de notas; produz algo que está além desse conjunto. Uma frase ou um romance não é um conjunto de palavras. É algo que está além das palavras.

Hoje podemos estudar as células individualmente como as plaquetas; as células T do sistema imunológico, o neurônio, as células-tronco e inevitavelmente as células cancerígenas. Todas as células têm a sua função,são autônomas, recebem e integram sinais. Mas é na função coletiva — a cooperação entre os trilhões de células independentes para formar um único humano  — que encontram seu significado e sua magia. Os seres humanos podem não ser a única espécie multicelular do planeta, mas somos a apoteose da multicelularidade – o melhor e o mais brilhante que a natureza produziu nas longas épocas em que o conjunto químico de nosso planeta vem misturando seus ingredientes.

As primeiras células , as bactérias, são altamente eficazes. Elas são muito boas em sobreviver. Então, restaria uma pergunta : se são tão bem-sucedidas, então por que não somos todos bactérias? Não somos porque em algum momento a evolução chegou à conclusão inconsciente de que, de fato, aglomerações de organismos eram muito eficazes. Em alguns ambientes selecionados ajuda não ser uma bactéria. Organismos multicelulares podem coletar comida, podem coletar informações, podem contemplar. Organismos multicelulares também são extraordinariamente bem-sucedidos.

Bactérias não podem fazer um trabalho assim. Mas canções de células – no caso de humanos, sinfonias inteiras de células – podem. Somos uma espécie profundamente imperfeita, mas também uma espécie profundamente boa.  É nas células individuais que começa a capacidade de desenvolver esse comportamento altruísta. É nas multidões de células que se faz uma pessoa — e nas multidões de pessoas que fazem um mundo.

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