sexta-feira, 18 de dezembro de 2020

Ivermectina

 Não temos, até o momento, nenhum remédio capaz de evitar ou tratar a infecção pelo vírus SARS-CoV-2..

Apesar deste conhecimento científico vemos notícias de médicos receitando freneticamente o antiparasitário ivermectina para pacientes com COVID-19.Isso promove a confiança em pessoas que se sentem protegidas da doença porque tomam um regime semanal (ou quinzenal,de acordo com alguns) do medicamento

A ivermectina é um antiparasitário, muito usado para controle de piolho, pulgas e carrapatos em animais, incluindo seres humanos, e algumas verminoses. Sua ação é no sistema nervoso central de animais invertebrados ocasionando paralisia muscular.

Nas doses recomendadas, o fármaco não chega no sistema nervoso central de mamíferos, e por isso é muito bem tolerado.Porém em algumas raças de cães, pode, por causa de uma mutação genética,ser extremamente tóxica (exatamente por atacar o sistema nervoso).

A fama do remédio começa com um estudo feito por pesquisadores da Monash Univeristy, na Austrália, divulgado em abril e que mostrou atividade antiviral in vitro, ou seja, em cultura de células. As células estudadas são células Vero(o mesmo tipo, aliás, em que a cloroquina “funciona”).

 Os problemas começam aí: primeiro, praticamente qualquer coisa – sal de cozinha, água e sabão – é capaz de impedir replicação de vírus em células cultivadas; já no organismo humano temos um ambiente muito mais complexo.

Células Vero, derivadas de rins de macacos, são muito diferentes das células pulmonares, onde o SARS-CoV-2 causa mais dano. Já está provado que a cloroquina, por exemplo, não funciona contra o vírus em células pulmonares humanas.

Outro detalhe ; a quantidade de medicamento necessária para inativar metade ou mais dos vírus presentes, mesmo nas células derivadas de macaco, é enorme, correspondendo a uma verdadeira overdose. Existe pelo menos um estudo, já publicado, mostrando que as doses necessarias para "inibir" vírus são inatingiveis em seres humanos.

A própria universidade australiana dos responsáveis pelo trabalho que lançou a moda do antiparasitário publicou um aviso para que as pessoas não usem a ivermectina contra COVID-19. 

Um ponto crucial e que talvez escape, até mesmo, a muitos médicos, é que estudos de má qualidade tendem a gerar resultados falsamente positivos. É fácil entender o porquê: ninguém (ou quase ninguém) decide estudar um medicamento achando que ele não funciona. .

Um estudo de má qualidade quase sempre diz o que o autor quer ouvir.

Somando os resultados de boa qualidade que mostram que o antiparasitário não tem praticamente nenhuma chance de funcionar contra vírus no corpo humano à baixa qualidade dos poucos resultados positivos que existem, e reconhecendo o fato de que estudos ruins com desfecho positivo tendem, geralmente, a apresentar conclusões falsas, o que sobra é a constatação de que não há motivo para achar que a ivermectina tenha qualquer efeito na COVID-19.

A COVID-19 é uma doença da qual mais de 90% dos pacientes se recupera sem sofrer maiores consequências. Qualquer remédio apresentado como profilático ou redutor de sintomas vai acabar surfando na onda – roubando o crédito – do que é, na verdade, uma simples recuperação natural.

Se aos casos de recuperação espontânea de pacientes confirmados de COVID-19 adicionarmos os casos “suspeitos” — gente que na verdade teve só uma crise alérgica ou um resfriado comum –, a falsa estatística do “sucesso” da ivermectina realmente explode.

Atribuir o fato de não pegar COVID-19, ou não ter complicações da doença, ao uso de qualquer fármaco faz tanto sentido quanto atribuir o fato de nunca ter sido atropelado atravessando a rua a um amuleto da sorte. A verdade é que a maioria esmagadora das pessoas que atravessam ruas nunca são atropeladas, com ou sem amuletos.

O Brasil já gastou muito com remédios que não funcionan.

Um exemplo é a cidade catarinense de Itajaí que gastou R$ 4,4 milhões só com ivermectina além de cloroquina ,homeopatia,cânfora e ozônio retal. Os resultados foram  ridículos e trágicos: a cidade tem o quarto maior número de mortes do estado e o dobro de Chapecó, cidade com população quase igual.

O mito da ivermectina fica ainda mais forte neste fim de ano.As correntes de WhatsApp e o desejo de ter um salvo-conduto para as festas de fim de ano incrementam o seu uso..

 Quem corre o risco de perder a vida é quem se acredita nele.

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