domingo, 28 de maio de 2017
As virtudes da solidão
Nos anos 80 o escritor italiano Tiziano Tuzani autor de " a fortune teller told me " isolou-se em um povoado no Japão e escreveu : " pela primeira vez eu me senti livre das incessantes ansiedades da vida...eu tive tempo para ter tempo."
Os homens têm estigmatizado a solidão.Ela tem sido considerada uma inconveniência , algo a se evitar , uma punição , um retiro de perdedores.Muitos a associam a desfechos negativos.
Historicamente Freud ligou a solidão à ansiedade : " na infância as primeiras fobias se relacionam a situações de escuridão e solidão".
É possível , porém , desmitificar esses conceitos pejorativos.A solidão , quando opcional , é terapêutica.Esta é uma constatação verdadeira especialmente em momentos turbulentos , quando nosso bom senso no alerta a buscar a calmaria.Se explorarmos esse tempo de solidão aprenderemos a confrontar melhor as dificuldades.
Em outras palavras : quando nos removemos do contexto social nos adaptamos a uma visão mais realista que nos ajuda na tomada de decisão.
Thomas Merton , monje e escritor , viveu vários anos em solidão dedicados à reflexão e a escrever seu clássico " thoughts in solitude " resume o meu pensamento : " nós não podemos ver as coisas em perspectiva até que deixemos de abraçá-las contra o peito "
sábado, 27 de maio de 2017
Um pouco da sua atenção
Todos nós estamos sujeitos às distrações e obrigações da era digital.Há 10 anos , a escritora Annie Dillard publicou o livro " the writing line" analisando o que fazemos com o nosso tempo diário.Se você dispende ( e se preocupa) muito dos seus horários a atender as notificações de emails , whatsapp etc provavelmente vale muito a pena ler o livro.
A maioria dos que se lamentam por esta dependência não tem a coragem de desligar-se.Quanto de sua atenção está sendo perdida ? Quanto tempo está sendo fragmentado ? Quantas conversas , leituras , reflexões e até mesmo o sono não são deixados de lado ao toque de um beep ?
Uma ansiedade com certeza preenche o silêncio.Um sentimento antes de mais nada culposo o remete à necessidade de respostas evasivas imediatas às mensagens.
Viver com as frequentes notificações é dispender sua atenção a uma vasta rede de amigos , colegas , estranhos a maioria deles interessada primeiramente nos próprios interesses (quem posta uma foto busca o quê ??).
Uma silenciosa e primitiva cobrança se estabelece nessas relações.Uma premente necessidade de não se parecer deselegante.
O filósofo australiano Damon Young no livro " distractions" escreve : " nós secretamente agradecemos às interrupções que julgamos odiar uma vez que sem elas somos confrontados com a vida real que já não entendemos bem". Ele também publicou em seu site www.mindsatwork.com.au uma pesquisa sobre os hábitos das pessoas em relação á sua relação com o mundo digital : 20% olham seu Facebook ao acordar (antes de saírem da cama !)....59% se sentem desorientados e perturbados sem seus smartphones...75% utilizam seus telefones no banheiro para fins de trabalho...34 vezes por dia os smartphones são checados em média.
E a consequência evidente : 68% apresentavam níveis significativos de perda de concentração
sexta-feira, 26 de maio de 2017
Depressão : nem tudo está na mente !
A depressão é considerada a segunda maior causa de
disabilidade no mundo afetando cerca de 350 milhões de pessoas.Ainda é pouco
entendida e , quase sempre, é associada a um estado de fraqueza moral e
fragilidade mental.Entretanto , recentes estudos demonstram que em uma parte
dos pacientes ela pode ser causada por um mau funcionamento do sistema
imunológico.
Em outras palavras : nem tudo está na mente.
O tratamento é feito com medicamentos que agiriam para
aumentar a produção de um neurotransmissor ( a serotonina) no cérebro.Mas o que
se constata é que em dois terços dos pacientes os sintomas não melhoram ou têm
uma resposta parcial.
O professor Ed Bullmore da Universidade de Cambridge
observou que nos casos onde os antidepressivos não funcionavam havia a presença
de marcadores de inflamação na corrente sanguínea dos pacientes.Em ratos ,
experiências demonstraram que injeções de proteínas inflamatórias acarretavam
apatia e inapetência.
Um efeito semelhante pode ser visto na nossa prática clínica
: no antigo tratamento da hepatite C era utilizada uma proteína chamada
Interferon.Sintomas depressivos , muitos deles bastante significativos , eram
vistos com frequência nos pacientes.Também no acompanhamento de pessoas com
Artrite Reumatóide , uma doença inflamatória crônica , observa-se um alto índice
de pacientes com depressão.
A inflamação é uma resposta comum em doenças infecciosas mas
pode ser vista no stress e em condições não saudáveis de vida.Estes estudos
estão possibilitando que , pela primeira vez , a depressão possa ser realmente
estudada de uma perspectiva biológica.Este é um passo decisivo para tratamentos
mais eficazes.
quinta-feira, 25 de maio de 2017
Pessoas em um grupo importam mais do que um grupo de pessoas ?
Um paradoxo em nosso comportamento : tendemos a nos simpatizar mais com o sofrimento de uma pessoa do que de milhares.Atribui-se a Stalin a frase : " uma morte é uma tragédia , um milhão de mortes é uma estatistica".
Cada um de nós tem a sua determinada cota de emoções e por isso quando nos referimos aos outros o fazemos por analogia imaginando que eles sintam a dor e o sofrimento como nós o sentimos.É mais fácil traçar um paralelo entre nós e outra pessoa do que com a população da Somália ou às vítimas de violência doméstica.
A empatia requer um exercício mental na maioria das vezes.Quando é extensiva a amplas categorias de pessoas nos encontra , na maioria das vezes , despreparados.
O psicólogo Kurt Gray acaba de publicar um estudo interessante.Faz a diferença quando nos referimos a um grupo de 50 refugiados ao invés de 50 refugiados num grupo.A assertiva refere-se a um grupo, não a seus membros.Pensamos nessas pessoas como menos capazes de nos afetar intrinsicamente.Quando especificamos os membros , o estudo mostrou melhor empatia , merecedores de compaixão
Gray sugere uma pista de como os sentimentos surgem : por conta de uma falha da devida importância da vida dos outros.
Sempre seremos desafiados a comparar os nossos sentimentos.E isto está longe de ser compreendido
segunda-feira, 22 de maio de 2017
Ponha sua vida no modo avião
Nós médicos temos boas e más lembranças do nosso inicio de profissão.Talvez as mais desagradáveis sejam as noites de plantão.
Diversos estudos demonstram que a privação do sono é estressante , exaustiva e responsável por mudanças no humor,Mas as consequências vão muito mais além : existe uma quebra da rotina biológica , desajustes familiares e decepção financeira.
Um estudo de 2015 , realizado na Holanda , analisou os custos psicológicos de se estar sempre " à disposição "não só para a classe médica mas também para outras profissões.Uma das conclusões do trabalho pode ser medida em níveis quimicos : altas taxas de cortisol na corrente sanguínea para as pessoas que não " se desligam ".
Estamos , hoje , amarrados pela facilidade do contato.
Nossas responsabilidades no trabalho vão além das horas contratadas.A tecnologia rompeu a fronteira entre os deveres e o direito , ultrapassou o bom senso dos que nos cobram sempre e teimam em não entender nossa privacidade.
Os empregadores aumentaram a expectativa em relação aos empregados.Ser um ótimo funcionário é respirar , segundo as regras da conectividade , 24 horas por dia o ambiente da empresa.
Em 2014 o jornal Social Psichology mostrou que a simples presença de um telefone por perto das pessoas , mesmo sem tocar , prende a atenção e mantém um estado de tensão imperceptível.
Fica cada vez mais evidente que estamos em um momento onde boa parte dos indivíduos não se afasta de modo claro de suas preocupações.
Já experimentou colocar sua vida , mesmo que por poucas horas , em modo avião ?
sábado, 20 de maio de 2017
O mundo está preparado para uma nova pandemia ?
O vírus que pode causar uma nova pandemia já está circulando pela China.Trata-se do Influenza H7N9 que infecta principalmente aves.No momento apenas poucos casos foram registrados em humanos mas o resultado foi assustador : 88% dos pacientes tiveram pneumonia , 3/4 precisaram de UTI e 41% morreram.
Por enquanto o H7N9 não é trasmissível facilmente para o homem mas isso é uma questão de tempo.
Do Ebola no sudeste da Africa ao Zika na América do Sul , perigosos agentes têm afetado a humanidade.Desde 1980 o numero de novas epidemias tem mais do que triplicado por ano.
O CDC (centers for diseases control ) coloca o H7N9 como o principal agente infeccioso capaz de uma potencial pandemia.Se ele se capacitar a ser mais transmissível entre humanos e mantendo-se essa taxa de mortalidade o numero de óbitos globalmente pode chegar a 10 milhões de pessoas.
As consequências de uma pandemia podem mudar o mundo em que vivemos.Em 1918 a pandemia de gripe (gripe espanhola) matou entre 50 a 100 milhões de pessoas (mais do que a Primeira Guerra Mundial que estava chegando ao seu fim).Paradoxalmente, hoje estamos mais vulneráveis.Em primeiro lugar vivemos em maior numero de pessoas ( o numero de habitantes no planeta dobrou nos ultimos 50 anos).Nos movimentamos muito mais : cerca de 4 bilhões de indivíduos viajaram somente por via aérea no ultimo ano.Qualquer infecção no mais remoto canto da Terra pode chegar a uma grande cidade em horas.
Mudanças climáticas desempenham um papel essencial também aumentando o espectro de doenças transmitidas por insetos.
Diante de uma nova epidemia a medicina tem que conseguir instalar medidas de modo rápido.Os cientistas são um pouco pessimistas em relação ao pronto desenvolvimento de vacinas para vírus desconhecidos e até mesmo conhecidos.Quando o Ebola explodiu em 2014 , matando cerca de 11 mil pessoas , o vírus não era um mistério para os especialistas.Drogas e vacinas eficientes contra ele até hoje não foram desenvolvidas.
Existem implicações econômicas também.Em 2003 a epidemia do SARS , que causou a morte de 800 pessoas , custou para a economia global o montante de 54 bilhões de dólares.Hoje uma pandemia custaria cerca de 4 trilhões de dólares.
Grupos de especialistas trabalham para se antecipar a uma doença infecciosa de risco global.Mas os microorganismos se movem muito mais rápido , para ser preciso , cerca de 40 milhões de vezes mais rápido
Bill Gates num discurso em 2015 colocou precisamente uma preocupação que nós infectologistas apoiamos : " quando eu era criança , o desastre que mais temíamos era uma guerra nuclear.Mas hoje , se alguma coisa é capaz de matar 10 milhões de pessoas em pouco tempo não são mísseis, mas micróbios "
sexta-feira, 19 de maio de 2017
Comida japonesa : nem tão saudável como se pensa
Anisakiase é uma doença pouco reconhecida causada por um parasita do gênero Anisakis.
Ela é causada pelo consumo de peixe cru e outros frutos do mar.A maioria dos casos são descritos no Japão entretanto o modismo dos restaurantes japoneses se espalhou por todo mundo.
Os pacientes podem ter sintomas alérgicos como urticária e até anafilaxia (uma reação intensa que pode levar à morte).Mas os sintomas gastrointestinais são mais frequentes : dor abdominal,náuseas , vômitos , sangramentos e até perfuração intestinal.Alguns casos podem ser acompanhados de febre.O diagnóstico pode ser dificil mas uma endoscopia digestiva encontra a larva (como na foto acima).
O tratamento se resume a retirada da larva através da própria endoscopia
Esse é um diagnóstico a ser considerado em pacientes com
sintomatologia gastrointestinal e que têm o hábito de frequentar o famoso Sushi
bar
quarta-feira, 17 de maio de 2017
O incrivel papel do leite materno
O leite é uma inovação dos mamíferos e seus ingredientes variam conforme as necessidades de cada espécie.O leite humano é uma particular maravilha.As mães produzem no seu leite uma diversidade de açucares chamados de oligossacarídeos (já foram identificados mais de duzentos diferentes tipos).Eles são o terceiro mais abundante componente após a lactose e as gorduras mas suas estruturas são uma rica fonte de energia para os bebês embora , paradoxalmente , eles não consigam digeri-los.Então ficam as perguntas : porque a seleção natural permitiu que esses açucares estivessem presente no leite ? Porque as mães o produzem se eles seriam , aparentemente , de pouca serventia para os seus filhos ?
A explicação é fundamental : os oligossacarídeos passam pelo estômago e pelo intestino delgado incólumes chegando ao intestino grosso onde vive a nossa maior parte de bactérias.Micróbios chamados de Bifidobactérias são encontrados muito mais frequentemente nas fezes de crianças amamentadas com o leite materno comprovando que os açucares servem de fator importante para essa diferença.
Em 2006 os cientistas descobriram que uma determinada espécie , Bifidobacterium longum infantis é seletivamente nutrida pelos oligossacarídeos.O incrível é que esta espécie libera um tipo de gordura capaz de alimentar as células que revestem o intestino.Outro achado é que o B.infantis também estimula a formação de proteínas que protegem a parede intestinal o que mantém o sangue das crianças livres da entrada de micróbios.Outra função primordial é que proteínas com ação anti-inflamatória são liberadas estimulando o sistema imune.
Todas essas propriedades só acontecem se o B.infantis é alimentado pelo leite materno.Se alimentado com lactose ele sobrevive mas não desempenha seu papel com tanta precisão.
O leite materno tem centenas de vezes mais oligossacarídeos que o leite de vaca.
Outro dado recente mostra que o acido sialico , produzido pela amamentação natural e também um produto do metabolismo das Bifidobactérias , é um fator estimulador para o crescimento do cérebro
Muitos cientistas entendem que para as mães que não possam amamentar deveriam ser oferecidos probióticos para darem aos seus filhos.Mas o ideal seria uma mistura de leite materno recheada pelo B infantis.Isso mesmo ! Essa incrivel parceria tão saudável....
domingo, 14 de maio de 2017
O fígado como um super herói
O fígado tem algo de super herói.Ele não somente defende nosso organismo de toxinas que frequentemente ingerimos , tem a capacidade de se regenerar e novas pesquisas mostram que ele pode aumentar o seu tamanho em até 50% durante o dia.
O fígado é o único órgão com estas propriedades : na maior parte do dia , quando não estamos comendo ele não está descansando , pelo contrário , está em um processo de crescimento e diminuição tentando nos poupar energia.
Pesquisadores suícos observaram que os hepatócitos , o principal tipo de células no fígado , aumentam quando estamos ativos , principalmente devido aos ribossomos , estruturas que produzem proteínas.O que mais chamou a atenção é que os hepatócitos são sensíveis ao nosso ritmo circadiano,ou seja , aumentam de tamanho de acordo como nosso período de alimentação.
Durante a história humana nosso organismo foi regulado para um ritmo de atividades durante o dia e para o descanso à noite.Experiências em animais que foram submetidos à iluminação imitando o dia durante o período noturno interromperam o ciclo do sono e aumentaram os riscos para obesidade , diabetes , depressão e alguns tipos de câncer.
Esses dados reforçam uma tese que vem crescendo na medicina : nossa evolução nos condicionou para entender e viver a escuridão com um momento de descanso e recuperação.
Num próximo post falarei sobre o trabalho fundamental do sono.
sábado, 13 de maio de 2017
Quem quer viver para sempre ?
A lenda japonesa de Sentaro
Um dia , um homem rico chamado Sentaro decidiu procurar o elixir para a vida eterna.Em silêncio ele rezou por Xu Fu que habitava o monte Fuji como guardião do elixir.Xu Fu o julgou como um egoísta e decidiu testá-lo para sua pretensão de viver para sempre.Ele apareceu para Sentaro e o presenteou com uma garça feita de papel e avisou que ela o levaria para a ilha da vida eterna.A garça adquiriu então vida e se transformou em um grande pássaro o suficiente para levar Sentaro ao seu destino.Sentaro chegando à ilha conheceu os seus habitantes que lhe disseram que ninguem morria por lá e não conheciam doença alguma.Mas para sua surpresa eles também lhe pediram ajuda de como poderiam achar a morte,Eles estavam exaustos de tanto viver, haviam experimentado os mais diversos venenos e , no entanto , a morte nunca chegava.Sentaro não conseguia entender tanta infelicidade.O tempo foi passando e após 300 anos ele também sucumbiu à monotonia de tanta vida.Tudo lhe parecia fútil e e vazio.Finalmente ele decidiu recorrer novamente a Xu Fu para que o tornasse mortal outra vez.No mesmo instante a garça lhe apareceu e ele iniciou a sua viagem de volta para a terra dos mortais.No meio da viagem uma tempestade os encontrou sobre o oceano.A garça se desfez com a chuva e Sentaro foi arremesado a um mar de tubarões.Em desespero ele novamente recorreu a Xu Fu.
Neste instante Sentaro acordou do sonho que havia começado quando de seu encontro primeiro com Xu Fu.Este o havia testado na sua tolice : ele havia desejado uma vida eterna mas suplicou pela mortalidade após conhecê-la.Xu Fu finalmente lhe disse para se contentar em viver uma vida virtuosa e util
A maioria de nós quer uma vida longe da morte mas não conhece o que seria realmente viver para sempre.A eternidade não é só um longo tempo...é muito mais do que isso.Algo inconcebível.Não importa o quanto iremos viver mas mesmo assim será uma minuscula parte do que ainda estará pela frente.Perseguir a imortalidade é como empreender uma viagem a uma terra prometida na qual nunca estivemos e da qual nunca retornaremos.
Quem persegue o elixir da longa vida precisa pensar não somente no que quer ter mas também no que irá se tornar.
Como a romancista Susan Ertz escreveu : aqueles que buscam pela imortalidade são os mesmos que não sabem o que fazer numa tarde chuvosa de Domingo
quinta-feira, 11 de maio de 2017
Lavar as mãos
O que é mais provável para salvar vidas : o investimento em alta tecnologia ou os esforços em melhorar as performances em medicina ?.A maioria das pessoas optaria pela primeira hipótese.Mas nós que trabalhamos com controle de infecção acreditamos que todas as iniciativas em incrementar o que já existe de eficiente tem a capacidade de mudar o mundo.
Nós devemos prestigiar as inovações e expandir nossas habilidades e conhecimentos mas se melhorarmos a nossa ciência de performance estaremos na busca da excelência.Existem muitos exemplos que poderiam ser descritos aqui.Mas vamos falar do mais simples deles e o mais barato : a higienização das mãos.
As estatisticas mundiais mostram que os médicos e enfermeiros lavam suas mãos apenas , no máximo , em metade das oportunidades que aparecem num dia normal de trabalho.Isto , infelizmente , não é nenhuma novidade.Em 1847 , um obstetra hungaro trabalhando em Viena , Ignac Semmelweis , deduziu que o fato dos doutores não lavarem as mãos eles estariam contaminando mulheres que haviam acabado de dar à luz com uma infecção quase sempre fatal , a febre puerperal.Uma simples exigência higiênica , uma vez implantada , salvou centenas de vida à época.
Nenhuma parte de nossa pele está livre de bactérias.Nas nossas mãos podem existir 5 milhões de colônias por centímetro quadrado.O lugar mais difícil para erradicá-las é embaixo de nossas unhas.
A higiene com sabonete comum pode remover as sujidades superficiais.Hoje nós utilizamos nos hospitais alguns produtos como o alcóol e a clorexidina capazes de romper as membranas bacterianas e consequentemente terem uma melhor eficácia.Mas uma adequada higiene das mãos é quase como um ritual : você deve remover relógios ou jóias (ou melhor - não usá-los) , umedecer sua mão , aplicar o produto indicado pelo hospital esfregando vigorosamente as mãos , unhas , e o terço distal do antebraço pela duração aproximada de 15 a 30 segundos.Depois enxague e seque com um papel toalha descartável e repita a operação antes e depois de entrar em contato com o paciente.
Nos ultimos anos as comissões de controle de infecção também vêm buscando soluções práticas dentro do hospital para incentivar estas medidas : dispensers com alcóol gel , pias disponíveis em todos os setores etc
Nosso desafio este ano é a conscientização de todos sobre o risco das bactérias multirresistentes e a importância de cada um , pacientes e profissionais de saúde , na responsabilidade desse pequeno gesto
Nós sempre esperamos pelo modo mais fácil de se consertar um problema.Mas poucas coisas na vida são resolvidas desta forma..O sucesso requer que centenas de passos sejam dados de modo certo ; um após o outro , com a conscientização de nossa importância em mudar algo.
E por mais que tenhamos aprendido sobre o controle de infecção ainda temos uma enorme dificuldade em clarear o significado da higiene das mãos para muitos profissionais.O paradoxo é que dentro de um centro cirurgico a adesão ao método é 100%.Quando atingimos 70% nas enfermarias e UTIs abrimos um largo sorriso.
Interromper a disseminação de patógenos dentro de qualquer hospital não é uma questão de ignorância.É uma questão de adesão , de colaboração .Uma falha individual de aplicar o conhecimento corretamente.
Respondendo a pergunta inicial : precisamos de tecnologia....? . Não ! Precisamos de esforços na performance.
Quando você se esforça para melhorar muito provavelmente não ficará sozinho nesse empenho
dedico este post às minha parceiras do serviço de controle de infecção do Hospital Santa Catarina de Blumenau : Carol , Kelly e Juliette
quarta-feira, 10 de maio de 2017
A medicina da vida real
As doenças cardiovasculares são bastante comuns.Isso vem possibilitando que os cardiologistas tenham um amplo material científico à sua disposição com robustas evidências para aplicarem em sua prática clínica.Mas , como em toda a medicina , eles estão mais próximos do que não sabem do que de qualquer certeza absoluta.
Vamos tomar por exemplo uma polêmica que se arrastou por um tempo : usar medicamentos ou stents (pequenos tubos inseridos para desbloquearem artérias...como no exemplo da ilustração acima) para o tratamento de doença arterial crônica estável.Essa polêmica resultou em graves acusações há poucos anos nos Estados Unidos alegando que alguns cardiologistas indicariam em excesso a colocação de stent com fins puramente lucrativos.
Um estudo importante , chamado COURAGE , mostrou que não havia benefício no uso de stent quando comparado a uso de medicamentos.Isso reforçou as acusações de má conduta médica.
O problema é que quando analisamos desta forma estamos fazendo uma enorme simplificação baseada num estudo clínico.O desafio fundamental é traduzir os achados de um ensaio muito bem realizado na prática do dia-a-dia.O que chamamos de vida real na medicina.Podemos sempre extrapolar os resultados de modo generalizado para os nossos pacientes ?.O correto seria antes de mais nada responder para nós mesmos : o meu paciente se fosse incluído neste estudo...teria os mesmos resultados ?
Todos os grandes trabalhos científicos que são marcantes na medicina são muito bem realizados.Mas se estivermos atentos veremos que os pacientes são acompanhados de um modo diferente dos nossos pacientes reais.Recebem consultas frequentes...são intensamente monitorados...realizam consultas periódicas....recebem as medicações de graça....Isto não acontece no nosso cotidiano !!!!!
A vida real raramente é um conto de fadas.Raramente segue esses padrões rigorosos.
No estudo COURAGE os pacientes tomaram as medicações de modo correto.Estima-se que na vida real cerca de 50% o façam.
Considero bastante dificil aplicar os achados tão perfeitos dos estudos na minha prática.Existem muitos fatores a serem considerados quando falamos em aderência a um tratamento.Hoje , quando se busca um compartilhamento nas decisões entre o médico e o paciente , precisamos levar em conta diversos aspectos que só a individualização é capaz de nos mostrar.
Diante de tanta informação e incerteza como a medicina é aplicada nosso dever é elucidar os caminhos que serão melhores adequados numa escolha terapêutica : às vezes podemos deixar para trás condutas absolutas em prol de um processo mais claro e com final feliz
terça-feira, 9 de maio de 2017
Evoluindo para ser esperto
Nós , humanos , somos incrivelmente espertos.Sabemos contas histórias , criar maravilhosas obras de arte . desenvolver tecnologias fantásticas e explorar o espaço.Mas a nossa inteligência começa de uma forma curiosa : nossos bebês são criaturas muito primárias , entre as mais desamparadas que existem entre os animais.Um bebê girafa em menos de uma hora de seu nascimento já pode ficar em pé.Um bebê macaco já irá se agarrar à sua mãe em busca de proteção e nutrição.Um bebê humano mal consegue sustentar sua cabeça.Como é possível então que um ser tão frágil se desenvolva depois de forma brilhante ?
Os humanos se tornam tão inteligentes exatamente porque são tão carentes quando crianças.
Vamos às explicações :
Os bebês devem se desenvolver intra-utero o suficiente para amadurecerem e virem ao mundo.Mas eles não podem ser tão grandes e desenvolvidos pois a evolução ao permitir que nos apoiássemos sobre duas pernas (Homo eretus) estreitou a pelve das mulheres.Então as cerca de 40 semanas de gestação é o máximo que podemos nos permitir a fim de que caibamos e possamos passar pelo canal do parto.
O cérebro , no entanto , continua amadurecendo e a cabeça do bebê continuará a crescer.Suas carências serão supridas pela inteligência de seus pais.Isso criou uma dinâmica : com o tempo , bebês imaturos fizeram pais mais inteligentes e isso se seguiu evolutivamente..
Outra variável veio também com a evolução : a inteligência e o tamanho do cérebro e o tempo para maturidade e desmame.Em outras palavras , o tempo permite que os recém natos atravessem uma fase de intensa dependência para um desenvolvimento de inteligência que não é visto em nenhuma outra espécie.Essa conexão é um incentivo para que a gestação dure pelo tempo que conhecemos
Estaremos sempre aprendendo e isto nos torna mais humanos.E mais espertos.
domingo, 7 de maio de 2017
O mundo microbiano ao nosso redor
Sonia Shah em seu recente livro " Pandemic : tracking contagions,from Cholera to Ebola and Beyond" demonstra que os erros de politicas públicas associadas a fatores ambientais podem desencadear devastadoras epidemias.O exemplo das doenças causadas pelo Ebola , pela Cólera , pela doença de Lyme e até o Zika vírus são algumas das demonstrações de descaso com a saúde.
Os patógenos responsáveis por essas infecções ja existiam na natureza.Por milhares de anos a bactéria que causa a cólera tem vivido em associação a um tipo de crustáceo em aguas costeiras.Na medida em que as pessoas entraram em contato , primeiro no sul da Asia , a bactéria se adaptou a seus novos potenciais hospedeiros.Desenvolveram a capacidade de produzir uma potente toxina responsável por uma devastadora diarréia.
No caso da doença de Lyme , existem relatos de sintomas compatíveis com a infecção desde 1975 (dores articulares crônicas , febre).Porém a identificação e caracterização do agente causador só ocorreu recentemente na medida em que a expansão da urbanização aproximou os indivíduos de animais como o veado e o cervo que albergam o carrapato , vetor de transmissão.
Se toda infecção é resultado , de certa forma , de escolhas politicas e científicas , então porque nós não fazemos melhoras escolhas ?.Os fatores muitas vezes fogem de nosso dominio : infraestruturas pobres , ausência de saneamento básico , proximidade com áreas florestais , animais etc.Isso requer atenção e dedicação permanente.
Paradoxalmente há uma crescente área onde os cientistas têm investido em estudos : a promoção do nosso microbioma.Bactérias que vivem em nosso intestino , nossa pele etc e que contribuem para um ecossistema que influencia , entre outros , nossa susceptibilidade a doenças.Diferentes composições dessa microbiota têm sido associadas à obesidade , doença inflamatória intestinal e até esclerose multipla.
Se não podemos mudar a infinita microbiota do ambiente quem sabe controlando a nossa possamos ter mais resultados
sábado, 6 de maio de 2017
Os caminhos para a imortalidade
Como todas as coisas vivas , nós somos intencionados a uma vida sem fim.E esse processo marca a nossa trajetória como a criação de grandes civilizações , magnificas obras de arte , ricas tradições religiosas e o material inesgotável da ciência.
Stephen Cave no seu brilhante livro " Immortality" descreve os 4 caminhos que a história do ser humano vem buscando para o seu objetivo.
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O primeiro caminho vem diretamente de nossos instintos : evitar a morte.E o percorremos através do objetivo de estar saudável e jovem , tentar viver mais um dia ou 10 anos. Isso gerou no mundo os suprimentos de alimentos , os muros nas cidades antigas , o desenvolvimento da medicina etc
O segundo oferece uma alternativa : mesmo que a morte nos encontre nos restaria a ressurreição.Como o fluxo da natureza que se renova após o inverno , como o triunfo da vida sobre a morte observada em algumas religiões na Páscoa.As 3 principais : o Judaísmo , o Cristianismo e o Islamismo acreditam na literal ressurreição como parte de suas doutrinas principais.Hoje , alguns cientistas timidamente investem na criogenia como uma possibilidade para sua realização.
O terceiro caminho é a alma.Ela seria uma resposta para aqueles que acreditam que o corpo fisico não poderia ser viável a longo prazo então apostam numa entidade espiritual.A maioria das pessoas acredita numa alma e essa fé é central no Budismo , no Hinduísmo e em outras crenças.Isso é desenvolvido intuitivamente nos sonhos e em experiências misticas.Mente e alma se separam onde residem e portanto a alma é capaz de sobreviver como uma identidade.
O quarto é o legado.Este não requer nem a sobrevivência do corpo físico nem de uma alma imaterial mas se realiza de maneira indireta.O melhor exemplo seriam os nossos filhos.A herança genética que nunca seria eliminada.Nossas obras também são um bom exemplo : ter feito parte da vida na Terra , ter construído algo de bom , ter de certa forma feito a diferença.
Algumas civilizações têm seguido um dos 4 caminhos por milhares de anos.Outras os têm trocado diante de suas evoluções culturais.No nosso mundo moderno os 4 estão presentes competindo num amplo mercado de crenças.Mas , temos ou não consciência , a maioria de nós já escolheu o seu caminho.
As criaturas vivas procuram se projetar para o futuro , os homens para sempre.
quinta-feira, 4 de maio de 2017
O quanto você ama seu smartphone
Nós temos uma relação de intimidade com nosso smartphone.Dormimos com ele , comemos com ele e o carregamos em nossos bolsos.De acordo com um recente estudo nós os checamos , em média , cerca de 47 vezes ao dia ( 87 na verdade se você tem entre 18 e 24 anos de idade).
É fácil amá-lo : ele nos diz sobre o tempo , sobre nossos compromissos , toca musica e nos conecta com amigos e familiares.Além disso está sempre pronto a nos responder questões imediatas e de nos servir de companhia (não importa se já estamos acompanhados).
O smartphone pode levar o amor a patamares de comodidade.Mas também pode interferir com o amor humano - aquele que nos aproxima face a face , que nos tira a respiração ,acelera o coração...
James Roberts publicou um livro : too much of a good thing - are you addicted to your smartphone ? (excesso de uma coisa boa...você está viciado em seu smartphone ? ) onde ele mostra que , num relacionamento,se seu par constantemente checa seu celular ele está mandando uma mensagem explicita que está menos interessado em você.
Em 2016 o jornal Psychology of Popular Media Culture publicou uma pesquisa mostrando que 70% das mulheres afirmavam que o smartphone estava afetando negativamente os seus relacionamentos : um terço disse que seus parceiros respondiam a mensagens durante suas conversas.A maioria confirmou que se sentiriam mais felizes com menos tecnointerferências.
Devemos pensar se através da tecnologia não estamos interrompendo um tipo de conexão biológica que nos é fundamental. Algumas pessoas estão começando a questionar se algo não está errado.Sherry Turkle autora do livro " Reclaiming Conversation : the power of talk in a digital age (recuperando a conversa : o poder do diálogo na era digital) sugere algumas maneiras de se preservar os benefícios da tecnologia aliados a um uso mais racionalizado da mesma :
1. o primeiro é colocar para seu parceiro (a) que você valoriza a conversa e o foco deve ser priorizado para ela
2. estabelecer áreas de uso "proibido" do celular em casa : na cozinha , na sala , na cama
3. definir que ao se alimentar independentemente de onde for o celular deve estar longe da mesa...é como se você tirasse seus sapatos e os colocassem ao lado do prato ( sério....existem muitos micróbios em nossos aparelhos !!!)
Ela também lança um desafio : quer saber quanto você está dependente desse amor pelo smartphone ?
Passe uma semana longe dele...
terça-feira, 2 de maio de 2017
Qual é a nossa verdadeira idade ?
Como adultos nós temos bilhões de novas células e trilhões de novas moléculas a mais do que tínhamos quando nascemos.Nosso corpo, neste exato momento, tem células envelhecidas no dia , no ano e uma pequena proporção de células envelhecidas há décadas (encontradas em nossos cérebros).A maioria do nosso organismo é mais jovem do que no dia de nosso nascimento.Portanto , não está muto claro o que a palavra velho na verdade significa.O indice de multiplicação celular em nosso corpo varia de orgão para orgão.Com exceção do cérebro , as células se dividem a cada dia (principalmente no intestino , no baço e outros tecidos formadores do sangue e na pele)
Podemos pensar na divisão celular como um relógio.Células normais podem se dividir apenas um certo numero de vezes ,depois param e morrem.Isso é chamado de limite de Hayflick , fenômeno descoberto em 1961.Somente as células cancerígenas podem se dividir para sempre.Isso leva a uma surpreendente conclusão : temos diversas idades biológicas em nossos tecidos e orgãos semelhante a diversas horas mostradas numa grande loja de relógios (cada uma com um tempo diferente).
Poderíamos resumir da seguinte forma , num determinado momento de nossa existência : nosso cérebro é velho , nosso estômago é jovem e nosso fígado está na meia-idade.
O envelhecimento é um artefato da civilização.Bio-gerontologistas têm tentado determinar a idade biológica através de medidas de bioquímica sanguínea , diferenças no estilo de vida , funções orgânicas e muitas outras variáveis.Nenhuma mostrou-se convincente.Portanto a definição da palavra envelhecer interfere com nossa capacidade de medi-la.
O envelhecimento poderia ser entendido em cada nível indo do campo molecular até o demográfico.Nada irá proporcionar uma definicão perfeita.Uma tentativa mais racional poderia ser : o envelhecimento biológico é o acúmulo de moléculas disfuncionais com o tempo que acaba acarretando a perda de funções tissulares e orgânicas.Contar a idade ocorre apenas com nós humanos e com os animais que protegemos.Nas outras coisas tudo acontece de acordo com a Segunda Lei da Termodinâmica que diz que a energia tende a se dissipar a menos que seja economicamente restrita.
Mas podemos continuar contando os nossos anos de vida desde que nascemos.Mas pense duas vezes antes de dizer sua idade.
segunda-feira, 1 de maio de 2017
A doença como ferramenta filosófica
As minúcias de cada dia vivido podem ter sua própria
fascinação. Está é a base do excelente livro da filósofa Havi Carel
Phenomenology of illness (fenomenologia da doença).
Ela inicia lamentando que a maioria dos filósofos
negligeciem uma grande proporção daquilo que importa a nós : amor , a família ,
envelhecimento e doença.Com exceção dos estóicos e de Epicuro que discutiram
nossa fragilidade e mortalidade , os filósofos posteriores pretenderam abordar
o etéreo.
Ela discute o poderoso argumento do nosso dever de
reconhecer as vozes e experiências dos pacientes que cuidamos.A também filósofa
, Miranda Fricker , utiliza o termo injustica epistêmiológica para se referir a
como os profissionais nem entendem nem valorizam à experiência vivida da
doença.De como pensamos que estar doente necessariamente implicaria numa menor
qualidade de vida.Essa mensagem é transmitida de modo inconsciente em nossa
educação médica
No seu livro , Carel utilizou a palavra fenomenologia no
sentido de abranger uma diversidade de abordagens.Há um capítulo bastante
intenso explorando o debate de alunos de Heidegger para o que representaria o
termo " estar morrendo " e o que o próprio Heidegger pensa sobre a
morte.
O livro nos faz refletir sobre as fronteiras entre doença e
incapacidade : Carel usa o termo arquitetura social da doença - uma interação
com os outros que não entendem o que seria ter uma limitação física.
A filosofia pode nos ajudar a entender a doença e , de certa
forma , a doença pode ser uma ferramenta filosófica motivando a reflexão.A
doença nos retira das condutas regulares de cada dia.Os paciente têm a
subjetividade do adoecer e podem nos transmitir seus feitos únicos.
Eles podem ter o passaporte para um lugar que só eles entendem
e que nós deveríamos ter a obrigação de conhecer.
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