quarta-feira, 22 de fevereiro de 2023

midias sociais : os danos psicológicos nos adolescentes


 

A Pesquisa de Comportamento de Risco Juvenil bianual do CDC mostrou que a maioria das meninas adolescentes (57%) ,agora, diz que experimenta tristeza persistente ou desesperança (acima dos 36% em 2011) .Cerca de 30 % delas dizem que consideraram seriamente o suicídio (acima de 19% em 2011). Os meninos também estão mal, mas suas taxas de depressão e ansiedade não são tão altas, e seus aumentos desde 2011 são menores.

A grande surpresa nos dados do CDC é que a COVID não teve muito efeito nas tendências gerais, que continuaram marchando como desde 2012. Os adolescentes já estavam socialmente distanciados em 2019, o que pode explicar por que as restrições da COVID adicionaram pouco às suas taxas de doença mental, em média.

Muitos mencionam a mídia social como uma causa potencial. Mas se discute uma multiplicidade de causas possíveis para esses números assustadores. Muitos trabalhos novos foram publicados desde 2019 e houve uma convergência recente com evidências de que a mídia social é uma causa substancial , não apenas um pequeno correlato , de depressão e ansiedade e, portanto, de comportamentos relacionados como automutilação e suicídio.

A mídia social não é a única causa. É bom sempre desconfiar de explicações de um fator para fenômenos sociais complexos. Na verdade a saúde mental dos adolescentes entrou em colapso na década de 2010. Foi acontecedendo a transição de uma infância lúdica, envolvendo muitas brincadeiras arriscadas e sem supervisão, essenciais para superar o medo e a fragilidade, para uma infância baseada no telefone, que bloqueia o desenvolvimento humano normal, tirando um tempo do sono, das brincadeiras e da convívio presencial, além de causar dependência e estimular comparações sociais.

A infância foi e está sendo transformada por smartphones e mídias sociais,mas é um erro focar tão estritamente nos efeitos no nível individual. Quase todas as pesquisas tratam a mídia social como se fosse o consumo de açúcar. A questão básica tem sido: quão doentes os indivíduos ficam em função da quantidade de açúcar que consomem? Esta é uma abordagem comum e adequada na pesquisa médica, onde os efeitos são estudados principalmente no nível individual e nosso objetivo é saber o tamanho da “relação dose-resposta”.

Mas a mídia social é muito diferente porque transforma a vida social de todos, mesmo de quem não a usa , enquanto o consumo de açúcar só prejudica o consumidor. Para ver por que essa diferença importa, imagine que em 2011,  uma menina de 12 anos ganhou um iPhone 4 (o primeiro com câmera frontal) e começou a passar 5 horas por dia tirando e editando selfies, postando-as no Instagram (lançado no ano anterior) e percorrendo centenas de postagens de outras pessoas. Isso foi numa época em que nenhum de seus amigos da 7ª série tinha um smartphone ou qualquer conta de mídia social. Suponha que o Instagram cause transtornos de ansiedade de forma dose-resposta, mas o tamanho da correlação com ansiedade é menor do que a correlação de isolamento social com ansiedade. A garota que passa 5 horas por dia no Instagram encontra sua saúde mental em declínio, mas a saúde mental de seus amigos permanece inalterada. Encontramos um claro efeito dose-resposta. Se ela saísse do Instagram, sua saúde mental melhoraria? Provavelmente sim.

Avançando para 2015, quando a maioria das meninas está no Instagram e todos os adolescentes passam muito menos tempo com seus amigos pessoalmente. A maior parte da atividade social agora é assíncrona – canalizada por meio de postagens, comentários e emojis no Instagram, Snapchat e algumas outras plataformas. A infância foi reconectada - tornou-se baseada no telefone - e as taxas de ansiedade e depressão estão aumentando. Suponha que em 2015 uma menina de 12 anos decidisse sair de todas as plataformas de mídia social. Sua saúde mental melhoraria? Não necessariamente. Se todos os seus amigos continuassem a passar 5 horas por dia nas várias plataformas, ela acharia difícil manter contato com eles. Ela estaria fora do circuito e socialmente isolada. Se o efeito de isolamento for maior do que o efeito dose-resposta, a saúde mental dela pode até piorar.

O que vemos neste segundo caso é que a mídia social cria um efeito diferentes: algo que acontece com todo um coletivo de jovens, incluindo aqueles que não usam mídia social. Também cria uma armadilha – um problema de ação coletiva – para meninas e pais. Cada adolescente pode ficar pior saindo do Instagram, embora todas as meninas fiquem melhor se todas desistirem. Uma implicação dessa análise é que as correlações provavelmente subestimam o verdadeiro efeito das mídias sociais como causa da epidemia de doenças mentais na adolescência.

O que seria necessário para mostrar que o uso da mídia social está causando depressão e ansiedade nas adolescentes? Os cientistas sociais geralmente passam de estudos correlacionais para estudos longitudinais e experimentos verdadeiros nos quais centenas ou milhares de pessoas são rastreadas durante algum período de tempo e medidas repetidamente. Normalmente, os participantes preenchem a mesma pesquisa uma vez por ano, permitindo que os pesquisadores meçam a mudança ao longo do tempo nos mesmos participantes da pesquisa. Mas esses estudos têm uma propriedade interessante que permite aos pesquisadores inferir causalidade; você pode ver se um aumento ou diminuição em algum comportamento em um ponto no tempo prevê uma mudança em outras variáveis ​​no próximo tempo de medição.

Em suma, existem agora muitos experimentos verdadeiros usando uma variedade de métodos para testar questões como se reduzir ou eliminar a exposição às mídias sociais confere benefícios (consegue, quando continuado por pelo menos um mês) ou se expor meninas e mulheres ao Instagram ou experiências semelhantes ao Instagram prejudicam seu humor ou imagem corporal (isso acontece). Esses experimentos fornecem evidências diretas de que a mídia social – particularmente o Instagram – é uma causa , não apenas um correlato , de problemas de saúde mental, especialmente em adolescentes e mulheres jovens.

Estamos agora há 11 anos na maior epidemia de doença mental adolescente já registrada. Como mostrou o relatório recente do CDC , a maioria das meninas está sofrendo e quase um terço considerou seriamente o suicídio. Por que isso está acontecendo e por que começou tão repentinamente por volta de 2012?

Não é por causa da crise financeira global. Por que isso atingiria mais as adolescentes mais jovens? Por que a doença mental adolescente aumentaria ao longo da década de 2010, à medida que a economia americana melhorava cada vez mais? Por que uma medida de solidão na escola aumentou em todo o mundo somente depois de 2012, quando a economia global ficou cada vez melhor?

terça-feira, 21 de fevereiro de 2023

Estudo Cochrane sobre máscaras : análise final


 

O debate sobre o uso de máscaras continua com opiniões ideologicamente comprometidas calcadas na desinformação se opondo ao rigor da ciência.

Muitas pessoas estão opinando sobre os resultados da revisão sistemática da Colaboração Cochrane, publicada no fim de janeiro, que investigou os efeitos de intervenções físicas para interromper ou reduzir o impacto de vírus respiratórios na comunidade.

Com a temperatura política dominando a razão, a revisão foi celebrada como uma espécie de vitória de argumentos difundidos por partidários de polêmicas. Antes de mais nada, é prudente colocar as coisas nos seus devidos lugares.Ou seja , interpretar criteriosamente o estudo à luz das evidências e seus detalhes, o que a maioria não o faz por ignorância.

1. A revisão não analisou somente o efeito de máscaras durante a recente pandemia de coronavírus. É uma revisão de várias medidas físicas de tentativa de controle comunitário de vírus respiratórios, como máscaras, lavagem de mãos, gargarejos e distanciamento.

2. Essa revisão não é nova, existe desde 2007. Encontra-se em sua quinta atualização. Esta última versão contém todos os ensaios controlados randomizados (considerado o desenho de estudo padrão ouro para detectar efeitos de uma intervenção) publicados até outubro de 2022. Nessa data, apenas dois estudos conduzidos durante a pandemia estavam finalizados, publicados e foram incorporados à revisão.

3. A atualização passou por uma série de aperfeiçoamentos, quando comparada à versão anterior. A principal é que todos os estudos observacionais foram removidos. Isso aumenta o rigor científico e a credibilidade das conclusões.

4. Os resultados da atualização de 2023 não são diferentes das versões anteriores. Então seus resultados não deveriam surpreender.

 

O uso de máscaras é apoiado por alta plausibilidade: existe alto grau de evidência, produzido em estudos laboratoriais, de que máscaras cirúrgicas, N95 e respiradores como PFF2 são ótimas barreiras contra microrganismos causadores de doenças. Ou seja, em ambiente controlado, esses equipamentos de proteção individual (EPI) conferem boa proteção, com baixo risco. Porém, é importante lembrar que esses EPIs foram desenvolvidos para serem utilizados em ambientes controlados e por pessoas treinadas. Qualquer profissional de saúde que já esteve num centro cirúrgico ou numa UTI entende que todos os EPIs devem ser trocados periodicamente, e após todo e qualquer contato com pacientes. A durabilidade dos componentes das máscaras foi pensada dessa forma. Máscaras não foram projetadas prevendo reutilização e perdem eficácia em condições adversas, como calor excessivo, umidade, etc. Fato que , pela primeira vez na história , aconteceu de modo universal durante a pandemia.

Com tudo isso em mente, é importante raciocinar : qual é a probabilidade de as máscaras funcionarem bem como medida de prevenção em escala comunitária e global ? Nesse cenário, a alta plausibilidade inicial cai muito, a incerteza aumenta e a única forma de reduzir essa incerteza é através de um ensaio controlado randomizado, comparando o uso das máscaras versus não usar as máscaras na comunidade. O desfecho principal de interesse é: será que as pessoas que usam máscaras adoecem menos que as que não usam? Essa revisão da Cochrane resumiu e avaliou todos os ensaios controlados randomizados que tinham como objetivo responder a esta pergunta de pesquisa, entre outras, sobre a eficácia de intervenções físicas, na escala comunitária, contra vírus respiratórios.

A revisão seguiu todos os procedimentos previstos pelo Cochrane Handbook of Systematic Review of Interventions, que é a diretriz em que os autores de revisões sistemáticas da Cochrane devem seguir. O trabalho foi conduzido por pesquisadores muito experientes no tema, experts em revisões sistemáticas. A atualização contém dados de 78 ensaios controlados randomizados, com um total de 610.872 participantes.

A maioria dos estudos incluídos na revisão tem alto risco de viés, isto é, de erros nos resultados produzidos por fatores além do mero acaso. Os pontos de falha metodológica mais comuns foram a ausência de “cegamento” e perda de dados de acompanhamento de pacientes.

O “cegamento” ideal exige que nem os profissionais e saúde, nem os pacientes, saibam quem está no grupo tratado e quem está no grupo controle. É claro que não é possível cegar pacientes e profissionais de saúde num ensaio clínico que avalia o uso de máscaras, logo trata-se de um viés incontrolável.

Além disso, os estudos apresentam taxas de aderência do “grupo tratamento” (isto é, as pessoas que deveriam usar máscaras) variando de 60% a 80%, sendo que alguns chegam a apenas 40% de aderência. Esses dados, por si sós, não deveriam surpreender (lembrando que são estudos na comunidade). Basta lembrar que mesmo durante a pandemia vimos pessoas com máscaras muito mal vedadas,de qualidade péssima, máscaras no queixo, “nariz para fora”, pessoas que removiam máscaras para falar, pessoas que removiam as máscaras dentro de aviões, pessoas que usavam a máscara sem trocar,  etc. Além disso, muitos estudos tinham número pequeno de participantes, o que aumenta a chance de falsos negativos.

Importante destacar que somente dois estudos foram conduzidos na pandemia da COVID-19, sendo um positivo e um negativo. Outros quatro estudos estão em fase final, e os autores da revisão não conseguiram obter os dados desses trabalhos. Finalmente, muitos estudos foram conduzidos em momentos de baixa transmissibilidade viral, e talvez não seja justo comparar esses resultados aos dos dois estudos conduzidos durante a pandemia.

Os dois estudos conduzidos durante a pandemia, considerados na revisão, são o de Abaluck (2022), realizado em Bangladesh, e o de Bundgaard (2021), na Dinamarca. São trabalhos robustos em termos amostrais, mas com alto risco de viés. O estudo conduzido na Dinamarca não detectou diferença entre usar ou não usar máscaras para o desfecho de confirmação de doença por teste de PCR, enquanto o de Bangladesh detectou uma modesta diferença em favor das máscaras para o aparecimento de sintomas gripais, com uma redução de risco da ordem de 13%.

Outras comparações secundárias dessa revisão concluíram que não houve diferenças no uso de máscaras cirúrgicas e máscaras N95 em profissionais de saúde. Além disso, a revisão concluiu que lavagem de mãos pode ser eficaz na redução da incidência de doenças respiratórias agudas (nove estudos e 52.105 pessoas, com moderada certeza de evidência), com uma redução de risco da ordem de 14%. Outras intervenções como gargarejos também foram analisadas, mas os trabalhos demonstraram que essa intervenção não foi considerada eficaz.

 

Possíveis limitações

Muitas pessoas criticaram a remoção de estudos observacionais das análises. Mas o fato é que estudos observacionais não são a melhor forma de detectar efeitos de intervenção. Todas as revisões Cochrane evoluem de uma revisão com diferentes tipos de estudo para revisões que incluem apenas ensaios controlados randomizados, que são o tipo de estudo que produz os resultados mais confiáveis. A exclusão dos estudos observacionais é um mérito, não uma falha da revisão.

Muitos estudos foram conduzidos em momentos em que a circulação viral foi baixa, logo, a possibilidade de detecção de efeito é também baixa. Esse é um ponto importante para interpretar os resultados . Os dois estudos de COVID disponíveis apresentam resultados diversos (um positivo para desfecho subjetivo e um negativo para desfecho objetivo). Ou seja, mesmo os estudos de COVID ainda trazem uma incerteza importante.

A aderência ao uso de máscaras foi baixa nos estudos. Isso tem sido apontado como uma possível explicação para o efeito decepcionante. A aderência de qualquer tratamento tende a ser baixa em duas situações: 1) quando o participante não nota benefício e 2) quando o participante observa dano aparente. Nos poucos estudos que coletaram dados de eventos adversos, os participantes relataram desconforto com o uso da máscara, calor excessivo, sensação de abafamento, entre outros. Isso foi largamente observado no mundo real durante a pandemia.

Isso mostra que o uso de máscaras, como medida de saúde pública, enfrenta grandes dificuldades, pois gera desconforto e baixa percepção de eficácia. Além disso, uma das consequências não intencionais do uso de máscaras é que as pessoas que usam máscaras tendem a correr mais riscos, expondo-se mais a ambientes onde há transmissão do vírus.

A pergunta que deve ser feita aqui é: se a aderência às máscaras foi baixa dentro de um estudo, em que os pesquisadores têm mais influência sobre os voluntários (e os voluntários são voluntários, isto é, ao menos em princípio concordaram em usar máscaras corretamente), o que esperar da aderência em condições normais do cotidiano? É muito provável que seja pior. O uso inadequado das máscaras, com vedação imprópria, no queixo ou com nariz de fora, a reutilização e outros problemas devem ser levados em consideração para entender o frustrante resultado nos diversos estudos conduzidos em escala comunitária.

Por outro lado, excluir os estudos com baixa aderência violaria os princípios de utilização da evidência em revisões sistemáticas, segundo o próprio Cochrane Handbook. Os estudos foram pragmáticos e se aproximaram razoavelmente bem do mundo real. Isso foi nítido na pandemia, em que pessoas foram frequentemente vistas usando máscaras de forma inadequada, tirando máscaras para conversar, para comer durante voos etc.

A revisão não sofre de nenhum defeito fatal que invalide seus resultados ou conclusões. Essa revisão não “joga a toalha” sobre o uso de máscaras como estratégia de proteção comunitária, uma vez que o grau de incerteza ainda é alto e novos estudos são necessários. Porém, o estado atual da evidência é claro: da forma que foram utilizadas, as máscaras parecem não ser úteis como esperávamos. É preciso levar em conta que a baixa aderência e a má utilização das máscaras podem explicar bem os efeitos negativos observados. Logo, seria muito interessante um estudo em que um dos grupos fosse bem treinado e instruído, para ver se a forma de utilização de máscaras e a aderência melhoraria; e se isso, por sua vez, traria melhores indicadores clínicos na saúde coletiva.

Uma intervenção comunitária só faz sentido se a maioria das pessoas aceitá-la e vier a participar corretamente – ou se houver um modo efetivo de impor e fiscalizar a adesão. Um ótimo exemplo é o uso de cintos de segurança: todos os carros têm o equipamento, de acordo com rígidas normas técnicas, a utilização é extremamente simples e é de fácil fiscalização. Logo, bastou uma lei para que aderência e o bom uso do cinto de segurança se disseminassem.

 

Infelizmente, a implementação do uso de máscaras na prevenção de doenças virais respiratórias em escala comunitária é muito mais complexa, e mais esforços devem ser realizados para ver se uma maior aderência é possível.

 

 

sábado, 18 de fevereiro de 2023

os 3 atos da polarização na pandemia


 

A pandemia causou uma polarização das sociedades em todo o mundo, com desigualdade econômica, desconfiança em instituições centrais e assimetrias na avaliação de risco.

Estudos mostram que a necessidade de solidariedade,no inicio, criou diferenças no cumprimento dos conselhos das autoridades.E tudo mudou lentamente à medida que o isolamento social prolongado levou ao cansaço, que por sua vez levou à diminuição da confiança política e ao aumento do apoio ao radicalismo e negacionismo.

Quando a pandemia se instalou o mundo ocidental já estava ficando menos estável. A desigualdade econômica já era um fator de instabilidade e estava em ascensão. Psicologicamente, a desigualdade gera desconfiança nas instituições centrais. A crise financeira se aprofundando leva a uma reação populista e, na era da mídia social, aqueles que desconfiam das autoridades podem coordenar e compartilhar com mais facilidade a desinformação.

Provavelmente a pandemia criou a maior mudança de comportamento da história mundial. Em nenhum outro momento, muitos ao mesmo tempo fizeram a mesma coisa.E com isso começou o 1º grande ato do desdobramento da polarização pandêmica. A semente do conflito foi o fato de existirem enormes assimetrias no risco da doença, sobretudo relacionadas com a idade. Isso já estava claro nos primeiros dados de Wuhan. As assimetrias no risco significam que alguns arcarão com mais custos de redução da transmissão social (jovens e saudáveis), enquanto outros obterão mais benefícios (idosos e doentes). Em essência, a principio , para muitos o isolamento foi um ato de solidariedade. Estudos recentes fornecem evidências claras de que um grande preditor de diferenças em seguir conselhos sobre distanciamento e uso de máscaras é a diferença individual na empatia. Outro é o senso de comunidade: identificar-se com seu país.

No 1.º ato, a necessidade de solidariedade criou divergências iniciais no cumprimento dos conselhos das autoridades. Apesar disso, em geral, havia apoio da maioria em muitos países para políticas nacionais. No entanto, isso mudou lentamente e o apoio começou a diminuir à medida que a rápida mudança comportamental se transformou em isolamento social prolongado impostos em todo o mundo em 2020 ( de maneira não homogênea). E, assim, iniciou o segundo ato de polarização pandêmica.

O isolamento social acarreta custos: económicos, ao nível da saúde mental e ao seu sentido de liberdade. Esses "custos de conformidade" induziam à fadiga. Quando as restrições se tornaram mais rígidas, a fadiga aumentou. Quando a necessidade de restrições ficou clara para o público (ou seja, muitas mortes), a fadiga foi mantida sob controle. Mas o próprio tempo também teve um efeito. O cansaço aumentou.

À medida que a fadiga progredia, ela moldava o comportamento. A fadiga polarizou aqueles que sofreram com as imposições de políticas de saúde , implicando em descrédito nas autoridades e aumentando sua crença em teorias da conspiração.

2020 terminou com a chegada das vacinas.E com elas começou o 3º e último ato de polarização.

Surgiram os problemas com a hesitação vacinal .A desinformação por parte de alguns governos (como no caso do Brasil), a desconfiança nas autoridades, a manipulação criminosa das fake news potencializaram a fadiga pandêmica.Não vacinados enfrentaram significativa condenação moral dos vacinados.Psicologicamente, isso foi impulsionado por preocupações pessoais e não sociais (ou seja, relacionadas a si mesmo e não aos outros) em relação ao impacto da pandemia. Esta condenação foi alimentada ainda mais por políticos.A hesitação vacinal só piorou com as condenações simplesimpostas por medidas restritivas Estava criada uma nova clivagem sociopolítica global com base no status de vacinação. Pesquisas mostraram que em 21 países os vacinados foram motivados a excluir os não vacinados das relações familiares, mas não o contrário.

Enfim : como a pandemia polarizou as sociedades?

 

#1 Diferentes custos/benefícios criaram diferenças na conformidade

#2 Fadiga entre aqueles que mais sofreram criou desconfiança e promoveu hesitação vacinal

#3 Hesitação alimentou forte raiva contra não vacinados, aprofundando sua desconfiança

 

Isso tem implicações importantes:

 

1.        A confiança é fundamental para resolver a pandemia, mas a pandemia corroeu esse recurso crítico, deixando as sociedades menos preparadas para a próxima crise. E as próximas crises já estão aí.

2.        Um insight importante é que o gerenciamento de crises não pode ser deixado para amadores. Ele precisa incluir,por exemplo, cientistas sociais com ampla experiência comportamental.

3.        A polarização é provável em qualquer crise que implique uma mudança massiva de comportamento, como a crise climática. Precisamos pensar profundamente sobre como evitar futuras dinâmicas semelhantes .


quinta-feira, 16 de fevereiro de 2023

O Conselho Federal de Medicina e a polêmica contra o uso de máscaras

 

O Conselho Federal de Medicina emitiu nota criticando uso de máscaras para proteção contra a covid.

Às vésperas do carnaval e imediatamente após o Brasil registrar oficialmente seu primeiro dia sem mortes por covid desde que a pandemia começou a matar no país, o Conselho Federal de Medicina desenterrou uma velha polêmica para gerar um ambiente de desinformação: criticou o uso de máscaras em aviões e aeroportos. Ignorando as enormes evidências do seu beneficio, o órgão publicou nota na qual afirma não haver motivos para o uso “indiscriminado” da medida.

De forma amadora, a nota assinada pelo presidente José Hiran Gallo afirma que a conduta “jamais pode ser imposta a pessoas que não compartilham de tais ideologias ou comportamentos”. Para esta pessoa, uma política sanitária mundialmente aceita é “ideologia”. O órgão, caracterizado durante a pandemia como claramente partidário, usou como base teórica uma revisão sistemática do Centro Cochrane, tradicional instituto que faz análises randomizadas de estudos diversos.

Esse estudo vem sendo debatido entre quem realmente pensa na ciência e é avaliado como uma péssima revisão, sem qualquer coerência metodológica. Estamos diante de vários vieses. O primeiro é a própria avaliação de comportamento social na comunidade com estudos randomizados ou metanalise. Estudo randomizado controlado é ótimo para uma série de avaliações, mas não comportamentos sociais. Só pode ser usado se partir de uma mesma pergunta em todos os estudos combinados, o que jamais aconteceu. O segundo problema é admitir que a filtragem e vedação de uma máscara N95 é igual à de uma máscara cirúrgica.E o estudo não diferencia uso ocasional de uso contínuo, como ocorre na prevenção de covid, porque a transmissão se dá em qualquer hora e lugar. Isso é muito básico. Outro problema é que tais estudos costumam ter o chamado grupo-controle. Se quero saber se funciona ou não, faço o seguinte: dou máscara pra um grupo e não dou a outro. Então é possível comparar. Não houve isso. A revisão sistemática tira resultados inexistentes.

Para além da má fé do CFM, notoriamente partidário, cabe debater se o órgão teria autoridade para emitir tal posicionamento. Não seria atribuição do ministério da Saúde e das respectivas secretarias estaduais e municipais definir pela conveniência do uso de máscaras pela população? 

A questão central é que não compete ao CFM opinar, formalmente, sobre esse assunto, nem se infiltrar em temas de políticas públicas, enquanto autarquia federal que é. O ofício do órgão foi enviado à Anvisa, que rapidamente o desacreditou. Mas sua publicidade claramente visou o debate político. A finalidade parece ser a de anestesiar a consciência da população a respeito dos inúmeros erros cometidos pelo Ministério da Saúde diante da maior crise sanitária da história do país.

O CFM é um órgão de Polícia Administrativa do Estado, vinculado ao Poder Executivo, que tem como finalidade controlar a oferta de serviços profissionais médicos dentro de padrões estabelecidos pelo Estado. Não pode advogar condutas anticientíficas contrárias à proteção da saúde. Comete crime administrativo ao proceder desta maneira.

Logo a seguir e talvez não por acaso, o atual governador de São Paulo, sancionou lei que desobriga apresentação de carteira de vacina em matrículas escolares, uma tradição que muito contribuiu para o controle de diversas doenças nas últimas décadas.

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2023

uma nova doença : Vegas

 

Provavelmente no inicio dos anos 1800, uma jovem que vivia em um vilarejo às margens do Lago Maracaibo, na Venezuela, deu à luz vários filhos e, ao fazê-lo, entrou de forma indelével nos registros da genética humana. Sem que ela soubesse, ela abrigava um excesso de DNA em seu quarto cromossomo, que passou para muitos de seus filhos. Quando eles cresceram chegando ao final da meia-idade, muitos de seus descendentes desenvolveram movimentos espasmódicos e incontroláveis, demência e depressão: as características da doença de Huntington.

Em 1993, quase 200 anos após a morte da mulher, os cientistas conseguiram identificar o único gene responsável pela doença por meio de amostras de DNA de centenas de membros da família venezuelana. Hoje em dia, porém, ninguém está descobrindo novas doenças procurando por sintomas que ocorrem em famílias - todos esses frutos mais fáceis de colher já foram colhidos. O campo cada vez maior da genética médica agora parece bem diferente: os pesquisadores se esforçam para vincular condições tão diferentes quanto depressão e diabetes a dezenas de genes diferentes, e os médicos decidem como tratar o câncer com base nas combinações de mutações genéticas que eles carregam. A ciência deixou para trás a era das mutações solitárias.

Bem...era assim até que, em 2020, pesquisadores mostraram que uma única mutação em um gene chamado UBA1 poderia causar uma doença inflamatória previamente desconhecida, que eles batizaram de Vexas (uma abreviação de algumas de suas principais características: Vacúolos, Enzima E1, X-linked (ligado ao cromossomo X) , Autoinflamatória, Somático). O  primeiro estudo de Vexas foi publicado no The New England Journal of Medicine , mas sem causar grande impacto. Mas no final do mês passado, um  outro estudo publicado no  Journal of the American Medical Association revelou que a Vexas pode não ser tão raro assim. Utilizando um banco de dados genéticos, os pesquisadores encontraram 11 pessoas com a doença, o que equivale a uma taxa de cerca de 1 em 4.000 homens com mais de 50 anos. Essa é apenas uma estimativa preliminar da prevalência de Vexas - todos os dados vieram de um sistema de saúde rural da Pensilvânia, portanto, será importante replicar os resultados em populações mais diversas . Se a estimativa estiver correta, Vexas é mais comum que a ELA Esclerose Lateral Amiotrófica) que muitas pessoas conhecem.

Por décadas, a Vexas se escondeu à vista de todos. Ele compartilha sintomas com muitas outras doenças – febres frequentes, inflamação generalizada, fadiga intensa – e isso ocorre com frequência na reumatologia - a área médica especializada em inflamação e sistema imunológico.Acredita-se que os pacientes com Vexas foram previamente classificados como tendo condições como vasculite, psoríase e até leucemia - se é que receberam algum diagnóstico.

Vexas teria sido descoberta há muito tempo se fosse uma doença genética causada por uma mutação genética herdada. Por exemplo, o único gene responsável pela febre familiar do Mediterrâneo, também uma doença inflamatória, foi identificado em 1997 pela triagem do DNA de famílias portadoras da doença. Mas a Vexas não tem essa caracteristicaa. Não ocorre em famílias. Como o câncer, ela é causada pelo que os cientistas chamam de “mutação somática”, uma mutação genética que se desenvolve no corpo de uma pessoa depois que ela nasce. Como as mutações somáticas aparecem mais tarde na vida, elas afetam apenas uma fração das células de uma pessoa, o que as torna difíceis de encontrar. As análises genéticas convencionais irão perdê-las completamente: se uma mutação específica aparecer apenas em parte do DNA de uma pessoa, ela pode ser rotulada como um erro. Para encontrar mutações somáticas, os cientistas devem olhar com muito cuidado.

 

Em termos de tratamento, a única cura para Vexas é um transplante de medula óssea, um procedimento que traz riscos substanciais. A boa notícia é que a tarefa de descobrir doenças genéticas está ficando cada vez mais fácil à medida que o sequenciamento de genes se torna cada vez mais barato e eficiente. E a descoberta da Vexas é um sinal para a comunidade científica de que a busca por mutações genéticas comuns entre pessoas com uma ampla variedade de sintomas diferentes é uma estratégia fundamental.

sábado, 11 de fevereiro de 2023

trabalho e consumo


 Ao humano cabem duas concepções da sua atividade produtiva : o trabalho como sobrevivência (sob o jugo da necessidade) e o por vocação ( um sentido de realização pessoal). A idéia que poderia haver um trabalho como uma primeira necessidade vital , pensado por Marx , onde não haveria uma hierarquia impositiva não vingou.

Um progressivo aumento do consumo neutralizou o papel do trabalho como preenchimento do vazio existencial. Trocamos o verbo : fazer pelo ter . Em meio à abundância tecnológica e de marketing, um sentimento de vazio só cresce.Mas o que move o consumo ?

Os filósofos estóicos , particularmente Epicuro, já alertava que a riqueza que se origina do imaginário não tem tamanho e é muito dificil de se obter. Muito tempo depois , John Ruskin , sociólogo , escreveu sobre as demandas que nos permeiam. Três quartos delas, segundo ele, são romãnticas,visionárias,ideológicas e o que regula a imaginação e os desejos se origina nos comandos econômicos.

Abre-se um "gap" inmensurável entre o minimo que é indispensável à vida e o desejo infinito consumista . O que nos é indispensável vem crescendo conjuntamente com nossas novas demandas.Não é o caso de atribuir aos benesses da tecnologia essa febre de obter,mas de questionar o que realmente sustenta e revigora o consumo. Uma parte da resposta está no incremento dos estímulos publicitários.Porém ,se nos submetemos aos seus comandos é porque oferecemos uma imaginação muito fértil e receptiva.

Uma analise da nossa condição contemporânea pode ser resumida nos dois tipos de riqueza que criamos. Uma primeira , democrática , é constituída de bens que nos servem,independentemente  do que os demais humanos obtêm. A segunda riqueza é a oligárquica : o desejo de ter algo que diferencie , impacte ao outro , crie um status de poder e de projeção pessoal. São os bens posicionais. Adam Smith , no livro " a riqueza das nações ", escreveu que a principal fruição da riqueza consiste em poder exibi-la. A riqueza democrática pode ser desfrutada por todos , a oligárquica se enfraquece na medida em que se dissemina.

O consumo se estende a todas as esferas . A escassez vem sendo recriada. Num planeta com recursos finitos, os humanos sonham os delírios narcísicos e acordam para o papel de ávidos consumidores. 

domingo, 5 de fevereiro de 2023

Quem está disposto ?

 



Há grandeza nesta visão da vida, com seus vários poderes, tendo sido originalmente soprada em algumas formas ou em uma; e que, enquanto este planeta girava de acordo com a lei fixa da gravidade, de um começo tão simples, infinitas formas mais belas e maravilhosas foram e estão sendo evoluídas.

 — A Origem das Espécies, Charles Darwin

 

O que começou como uma pandemia transmitida por um único vírus tornou-se uma nuvem viral que se espalha pelo mundo graças a políticas de saúde públicas que permitiram que a transmissão acontecesse de forma irrestrita.

Como consequência, a pandemia agora apresenta diferentes ameaças em diferentes regiões para diferentes classes de pessoas vivendo diferentes momentos.Ela nos afeta de modo que deveríamos tomar decisões individualmente e em conjunto.Entramos em uma época de volatilidade biológica e os riscos que isso acarreta exigem vigilância constante. O que estamos aprendendo ....

1. Um vírus se tornou muitos.

Não enfrentamos mais um inimigo viral ou uma única variante como Delta. A Omicron produziu quatro linhagens de descendentes geneticamente diversos, transformando-se em um uma diversidade de cerca de 700 subvariantes referenciadas por uma confusa combinação de números e letras. O que antes era um único violino tornou-se uma orquestra complexa e em expansão, sem um maestro a controlar seu ritmo. Até os virologistas agora têm dificuldade em acompanhar de onde vêm as variantes e o que significam suas diferentes mutações.

Nossas ações, ou inações, estão impulsionando essa evolução. As políticas atuais permitem a transmissão desimpedida. E nesse contexto, vacinas e tratamentos antivirais, apesar de seus óbvios benefícios de preservação da vida, criaram condições sob as quais o vírus está evoluindo rapidamente. Algumas variantes tornaram- se imunes evasivas . Outras tornaram -se mais transmissíveis ou hábeis em se ligar a células humanas. Muitas mutações tornaram os tratamentos com anticorpos totalmente ineficazes. Um estudo mostra que os descendentes de BA.2 e BA.5 se tornaram mais patogênicos . E as variantes continuam a gerar novos descendentes em uma árvore genealógica viral em constante expansão.

 

2. A COVID é um experimento único em evolução.

As lideranças em saúde deixaram rapidamente de conduzir as medidas de proteção e diagnóstico. O uso de máscaras e testes são uma questão de escolha pessoal e não de autopreservação coletiva. Parece haver um acordo coletivo em não passar uma mensagem vital para os cidadãos sobre como as pandemias realmente chegam ao fim. Então o teatro é este. Todos fazemos de conta que a covid é coisa do passado e decretamos que nada realmente vem acontecendo. As ações combinadas de “deixar o vírus se espalhar” em uma população com graus variados de imunidade protetora criada por vacinas ou infecções anteriores levou a um aumento sem precedentes na diversificação viral em 2022. A escala em que o SARS-CoV-2 evoluiu para criar novas variantes e linhagens parece sem precedentes na história da virologia moderna. Paralelamente a hesitação vacinal das pessoas aumentou acentuadamente , apesar da pesquisa que mostra que os reforços bivalentes salvam vidas. Portanto, as subvariantes não têm problemas para encontrar hospedeiros humanos. À medida que se replicam, eles sofrem mutações e se comportam como Darwin teria previsto. Enquanto isso, a vigilância genômica dessas subvariantes em multiplicação está diminuindo em todo o mundo. Isso significa menos transparência e menos avisos antecipados sobre variantes mais perigosas.

3. O que eram picos virais são agora um mar crescente de infecções com marés altas e baixas.

A pandemia não se parece mais com um gráfico padrão composto de picos, vales e calmarias ocasionais em dados de infecções, mortes e incapacidades. O novo momento viral está produzindo não uma ou duas ondas, mas uma sucessão sustentada de ondas. Em outras palavras, a pandemia passou de uma emergência aguda (morte súbita e hospitais lotados) para uma realidade crônica contínua (doenças crônicas e hospitais lotados mais ondas de mortes em excesso). Quais são as consequências de um mar crescente de infecções em oposição aos tsunamis? Pressão sustentada sobre os sistemas de saúde sem grandes tréguas.

Resultado: o Canadá,por exemplo, experimentou sua pior taxa de mortalidade e hospitalização pelo vírus em 2022.

4. Uma pandemia se transformou em epidemias regionais.

A pandemia não apresenta mais uma face para o mundo porque se tornou uma hidra de várias cabeças. Como consequência, ela se comporta de maneira diferente em diferentes regiões. Isso reflete a situação de casos e mortes na China recentemente na medida em que o país abandonou a maioria das medidas restritivas em nome da economia global. Prevê-se mais de um milhão de mortes na China, o que tem um só nome : como uma catástrofe humanitária.

A diversificação nas variantes também significa que as mortes podem estar diminuindo em alguns países, mas aumentando em outros a qualquer momento. A Suécia, que adotou uma abordagem criminosa para o vírus com poucas proteções, agora registra suas maiores taxas de mortalidade pandêmica: cerca de 300 por semana. E consideram isso uma coisa normal .

O Japão já ostentou a menor taxa de infecção e mortalidade por COVID do mundo, apesar do envelhecimento da população. Mas subvariantes mais transmissíveis alimentaram a sétima onda do Japão e sua maior taxa de mortalidade. Desde dezembro, a covid já matou mais de 10.000 cidadãos japoneses. A maioria tem mais de 60 anos . Quase 40% da população do Japão tem mais de 65 anos. Essas novas subvariantes estão contornando a imunidade de vacina/reforço até agora alcançada nas populações. Portanto, uma nova pandemia de COVID-19 está surgindo em todo o mundo com novos desafios médicos.

5. Reinfecções raramente aconteciam. Agora elas são comuns.

Desde o aparecimento da Omicron e suas linhagens, os pesquisadores relataram uma mudança dramática na pandemia. As reinfecções, antes raras, explodiram. Os fatores responsáveis ​​por essa mudança são, novamente !, a redução de medidas que reduzem a transmissão combinada com a evolução de subvariantes imunoevasivas. Como resultado, dados da Austrália mostram um número elevado de pessoasinfectadas até cinco vezes em um ano.

Esse aumento na taxa de reinfecção ajudou a alimentar um grande evento incapacitante na população em geral: a covid longa. Cerca de uma em cada dez infecções leva a essa condição debilitante , que afeta principalmente adultos mas que podem prejudicar o sistema imunológico de crianças. Há motivos para se preocupar que as subvariantes sejam mais propensas a causar a covid longa.

No ano passado, um estudo da Nature mostrou que as reinfecções não são benignas. O estudo, que se baseou em dados de saúde de uma grande população de veteranos dos EUA, descobriu que as pessoas com reinfecções “tinham duas vezes mais chances de morrer e três vezes mais chances de serem hospitalizadas do que aquelas sem reinfecção”. O risco de desenvolver problemas pulmonares, derrames, batimentos cardíacos irregulares, problemas intestinais e danos cerebrais aumentou em pessoas com infecções repetidas em comparação com aquelas que foram infectadas apenas uma vez. A covid está nos ensinando que existe uma linha clara entre infecções e doenças crônicas. Em uma recente revisão os pesquisadores liderados pelo cientista americano Eric Topol observaram que as vacinas reduzem apenas o risco de covd longa 14 a 41%.

6. Podemos fazer mais para atenuar a ameaça evolutiva das subvariantes .

Então, a pandemia não acabou. Os vírus, uma das entidades mais abundantes neste planeta, não param. Eles sofrem mutações. Eles mudam. Eles se adaptam.

Quanto mais um vírus transmite, mais oportunidades ele pode explorar para mudar sua forma. Infecções repetidas geram mutações aleatórias e a seleção natural leva a variantes melhor adaptadas ao ambiente em que os vírus sobrevivem e se reproduzem - ou seja, nós. Podemos fazer melhor ao reconhecer essa realidade e responder coletivamente para salvar vidas e limitar as constantes ondas de infecção.

 Podemos :

 

Ampliar nossa política de vacinação com cobertura para as novas subvariantes.

Estabelecer padrões para melhorar a renovação do ar em nossas escolas e locais de trabalho : isso reduzr drasticamente a propagação viral no público.

Educar as pessoas sobre os benefícios multiplicadores do uso de máscaras em locais públicos disponibilizanto máscaras eficazes facilmente ao público e aos profissionais de saúde.

Cobrar das autoridades em saúde uma discussão mais engajada, precisa e especializada sobre onde chegamos nesta pandemia e por que ela não está perto de terminar.

O discurso público deve reconhecer duras verdades sobre os riscos de infecções repetidas, longa covid e incertezas sobre o desfecho a longo prazo dessas complicações

 

Quem está disposto....Qual será a nossa resposta ¿

 

De onde estamos hoje, a evolução viral, que nunca é linear, pode perseguir muitos futuros.


sábado, 4 de fevereiro de 2023

O sono e o ritmo circadiano (cronobiologia)


 Há tempos a ciência vem estudando o cortisol, um hormônio do estresse que aumenta durante crises de ansiedade aguda. No inicio das descobertas,os cientistas estavam cientes de que o cortisol também diminui e flui em ciclos circadianos. Amostras de sangue coletadas repetidamente ao longo do tempo mostraram que os níveis de cortisol caem quando as pessoas adormecem mais tarde do que o normal, atrasando o aumento esperado que ocorre algumas horas após a hora de dormir. Isso mostra que o sono interage com os ritmos circadianos para afetar a secreção do hormônio.

Os ritmos circadianos são conhecidos por regular funções essenciais em nosso organismo que vão desde a liberação de hormônios até a temperatura corporal, sono e metabolismo. Os relógios internos do corpo são primorosamente sintonizados com as sugestões ambientais e otimizados para o mundo natural. Isso também significa que eles podem ser desviados pela vida no mundo moderno. As interrupções circadianas estão cada vez mais ligadas à deficiência de sono, bem como a doenças crônicas, como diabetes.

O sono é holístico, afetando o coração, cérebro, pulmões, verdadeiramente todas as partes do corpo, e seu estudo envolve todos os nossos sistemas orgânicos.

O estudo dos ritmos circadianos é chamado de cronobiologia e baseia-se em uma longa história evolutiva. Bilhões de anos atrás, as cianobactérias fotossintéticas desenvolveram a capacidade de seguir os relógios circadianos para antecipar e responder à luz do sol ao amanhecer e, à medida que plantas e animais mais complexos se espalharam pelo planeta, eles também desenvolveram funções rítmicas que fornecem vantagens adaptativas. Os pássaros desenvolveram relógios circadianos para se orientarem de acordo com a posição do sol durante a migração, e pequenos mamíferos, como esquilos, desenvolveram um senso inato de escapar de predadores em horários que minimizam suas chances de serem caçados e mortos. Algumas das primeiras evidências de ritmos circadianos foram geradas durante experimentos realizados há mais de 300 anos quando os cientistas descobriram que certas espécies de plantas movem suas folhas na mesma hora do dia, mesmo que estejam sujeitas à escuridão total. O termo “circadiano” foi posteriormente cunhado para descrever os ritmos biológicos que circulam em períodos de 24 horas, mesmo na ausência de estímulos ambientais.

Nos mamíferos, a biologia circadiana é em grande parte governada por um feixe de células nervosas do tamanho de uma cabeça de alfinete no cérebro chamado núcleo supraquiasmático (SCN). Este chamado relógio mestre preside uma série de processos fisiológicos. Os cientistas costumavam pensar que o SCN estava ligado aos seus ritmos cíclicos pelo horário de dormir/vigília e pelas interações sociais. Mas se descobriu que o SCN é, na realidade, ativado por impulsos de luz que viajam pelas células nervosas da retina até o cérebro humano. A luz sincroniza o SCN com o dia solar, levando-o, por exemplo, a coordenar a liberação de cortisol para aumentar durante a noite várias horas após a hora de dormir, precedida pela liberação do hormônio do sono, a melatonina, que começa uma ou duas horas antes de dormir e atinge o pico no meio da noite.

A princípio, os cientistas presumiram que o SCN controlava todos os aspectos da biologia circadiana e do comportamento dos mamíferos. Mas, no final da década de 1990, fizeram outra descoberta crucial: órgãos e células individuais contêm seus próprios relógios circadianos, cada um deles operando de maneira semelhante em horários de 24 horas conduzidos por um relógio molecular governado por células.

Se analisarmos uma célula do coração, da pele ou do fígado ela exibirá comportamentos rítmicos mesmo sem informações externas do ambiente ou de uma rede neural. Uma célula hepática isolada, por exemplo, ativa os genes necessários para o metabolismo em intervalos programados, independentemente de estar se comunicando com o SCN ou não. Como um relógio central, o SCN desempenha o papel de um condutor, sincronizando outros relógios com a programação claro/escuro por meio de sua sinalização hormonal e neuronal. Mas os outros relógios “periféricos” ainda podem ser zerados por sinais comportamentais específicos de seu funcionamento, como o horário das refeições.

Os processos mais importantes de cada sistema orgânico são regulados por seus relógios circadianos. Os relógios circadianos no tecido pulmonar regulam a respiração e, no coração, regulam o funcionamento cardíaco. Mas quando os relógios do corpo ficam fora de sincronia, surgem problemas. É o que está acontecendo hoje, à medida que as tecnologias modernas nos separam do dia solar para o qual nossos corpos evoluíram. Passamos através de fusos horários, obscurecendo nossa capacidade interna de distinguir o dia da noite, resultando em jet lag. A maioria de nós passa várias horas da noite banhados por luz artificial que sinaliza o dia para o SCN - mudando os relógios circadianos mais tarde no tempo. Pesquisas mostram que bebês prematuros expostos a ciclos alternados de 12 horas de claro e escuro na unidade de terapia intensiva neonatal ganham mais peso, atingem melhores níveis de oxigênio e recebem alta semanas antes do que bebês mantidos em UTINs continuamente iluminadas, significando como os ritmos solares estão embutidos no genoma humano.

A luz é o desregulador mais potente da biologia circadiana. Isso é especialmente verdadeiro para a luz azul que emana de nossas telas de computador, que tem impactos muito maiores no sistema circadiano do que a luz de comprimentos de onda mais longos. Além desses efeitos no sistema circadiano, a luz incide diretamente nos olhos, produzindo um efeito de alerta. Estudos mostram que pessoas que leem e-books todas as noites em um brilho típico têm níveis de melatonina suprimidos, demoram mais para adormecer e ficam menos alertas na manhã seguinte. Outros dispositivos emissores de luz portáteis à noite interrompem os ritmos circadianos e perpetuam a deficiência do sono. O horário de verão tem efeitos prejudiciais, principalmente a redução da duração do sono, que tem sido associada a problemas de saúde e cognitivos.

O sono desempenha muitas funções cruciais nos seres humanos: ocorre uma verdadeira depuração de produtos residuais para fora do cérebro através de canais linfáticos, incluindo proteínas amiloides, que danificam as células nervosas. Também reproduzimos muitas das experiências que tivemos durante o dia enquanto dormimos e reforçamos os caminhos pelos quais essas memórias são armazenadas. A deficiência de sono, por outro lado, que ocorre quando os adultos dormem menos de 7 a 9 horas por noite, é prejudicial para o desempenho. Alguém que dorme em média de quatro a cinco horas por noite durante vários dias seguidos desenvolve o mesmo nível de comprometimento cognitivo como se estivesse acordado por 24 horas, o que equivale a estar bêbado. Pesquisas mostrarm que padrões irregulares de sono e exposição à luz em alunos de graduação de Harvard estão ligados a ritmos circadianos atrasados ​​e menor desempenho acadêmico.

A luz artificial está longe de ser o único disruptor circadiano - os outros relógios do corpo são afetados de forma semelhante por suas próprias exposições inoportunas. Relógios no intestino, por exemplo, foram preparados pela evolução para receber comida durante o dia; lanches e refeições noturnas fazem com que eles “reiniciem”. Os relógios no tecido muscular evoluíram para facilitar a atividade física diurna, não os treinos noturnos na academia

Desalinhamentos circadianos colocam as pessoas em risco de doenças crônicas. Durante um estudo, descobriu-se que participantes humanos vivendo em condições nas quais seus horários de refeições, horários de sono e horários claro/escuro eram repetidamente alterados exibiam alterações metabólicas preocupantes: em poucos dias, seus níveis de glicose após as refeições estavam elevados, a pressão sanguínea aumentava, os níveis de cortisol atingiram o pico na hora de dormir, e não ao acordar, e os níveis de leptina diminuíram. A leptina é um hormônio que suprime a fome, e níveis baixos estimulam o apetite e tornam as pessoas lentas.

Essas e outras descobertas ajudam a apoiar evidências epidemiológicas que ligam o trabalho noturno a riscos mais altos de obesidade, doenças cardíacas e diabetes que não podem ser totalmente explicados por outros fatores, como estilo de vida ou histórico familiar. Pessoas que se alimentam durante a noite mudam o ritmo circadiano endógeno da glicose em cerca de 12 horas,tornando-se permanentemente elevada. Precisamente por que comer à noite aumenta os níveis de glicose não está claro. Evidências acumuladas, no entanto, sugerem que refeições atrasadas, juntamente com o aumento normal dos níveis de melatonina à noite, desempenham um papel importante.

Todas essa evidências têm implicações entre os trabalhadores de plantões noturnos. Um exemplo : médicos residentes tomando decisões de vida ou morte no hospital. Turnos de 24 horas ou mais são um rito de passagem na formação médica. Mas a privação do sono diminui o estado de alerta e o desempenho e pode aumentar o número de erros médicos. Os plantões de 24 horas exigem que os residentes trabalhem durante as fases circadianas, quando sua sonolência subjetiva está em seus níveis mais altos.Residentes que trabalham em turnos limitados a não mais de 16 horas têm melhores pontuações em testes neurocomportamentais, não são tão sonolentos e cometem menos erros médicos.

Finalmente, a questão do horário de verão. Os relógios são adiantados em uma hora para que a escuridão caia mais tarde sem qualquer alteração na quantidade de luz do sol. Então os relógios são,depois,atrasados  restaurando assim o tempo padrão. O horário de verão foi estabelecido décadas atrás como uma medida de economia de energia - uma premissa que mais tarde se provou não ser verdadeira. Aqueles que querem torná-lo permanente dizem que as tardes mais claras estimulam mais atividade econômica. No entanto, o horário de verão tem alguns efeitos nocivos, principalmente a redução da duração do sono, o que, por sua vez, tem sido associado a problemas de saúde.

Comportamentos que perturbam nossos ritmos, como manter horários de sono irregulares, ser exposto à luz artificial à noite e comer em horários errados podem exigir muito esforço para mudar. Mas, quanto mais entendermos os mecanismos subjacentes, melhor será a oportunidade de projetar abordagens baseadas no ritmo circadiano que melhorem a saúde.


sexta-feira, 3 de fevereiro de 2023

Gripe aviária : um alerta grave


 

Enquanto ainda vivemos a imprevisibilidade da covid 19, surge a possibilidade de uma nova pandemia muito mais mortal.

A gripe aviária sempre foi uma ameaça para a humanidade. Ela é causada por um tipo de vírus Influenza, a cepa H5N1, que felizmente não infecta as pessoas com muita frequência, mas, quando o faz, tem uma taxa de mortalidade de até 56%. Por enquanto a transmissão inter humana é bastante baixa o que tem sido o principal fator para que já a infecção já não tivesse causado estragos enormes para a civilização.

Mas as coisas estão mudando . O vírus, que se espalha facilmente entre pássaros, está infectando cada vez mais aves migratórias, permitindo sua ampla disseminação. Dados atuais apontam que ele está infectando também vários mamíferos, tornando um salto para os humanos plenamente possível. De forma alarmante, foi relatado recentemente que o H5N1 não estava apenas sendo detectado entre visons em uma fazenda de peles desses animais na Espanha, mas também provavelmente se espalhando rapidamente entre eles, um fato sem precedentes. E o pior : o trato respiratório superior do vison é excepcionalmente adequado para atuar como um reservatório de adaptação facilitando sua capacidade de chegar até os humanos.

A melhor defesa contra um novo patógeno com essas características é suprimir agressivamente e precocemente os primeiros surtos, o que requer detectá-los rapidamente. Muitos países já possuem redes de vigilância da Influenza, mas parece que não estão funcionando bem o suficiente diante das evidências de ameaça. Essa vigilância precisaria priorizar o monitoramento de pessoas que estejam associadas à indústria avícola, e também criar uma rede de seguimento. Fazendas de porcos – outra espécie suscetível à influenza – também devem ser vigiadas quanto à gripe aviária . Porém, não basta detectar: ​​a supressão exigiria um grande esforço e uma coordenação global.

Infelizmente, as fazendas de visons devem ser fechadas – mesmo que isso signifique sacrificar os animais. Eles são normalmente abatidos de qualquer maneira para o uso de sua pele por volta dos 6 meses de idade. É assustador pensar que podemos estar diante de uma maneira ideal de incubar e espalhar um vírus mortal ao deixá-lo evoluir entre dezenas de milhares de animais com um trato respiratório superior semelhante ao nosso.. Quando o coronavírus infectou fazendas de visons dinamarquesas em 2020,os animais geraram novas variantes que infectaram humanos.

Se diferentes cepas de Influenza infectaram a mesma pessoa simultaneamente,elas podem trocar segmentos de genes e dar origem a novos vírus mais transmissíveis . Se isso ocorrer num vison , um humano posteriormente infectado pode ser o suficiente para desencadear uma pandemia. Para se evitar isso, os testes rápidos devem estar amplamente disponíveis e fáceis de se obter em toda área de risco : especialmente para trabalhadores aviários e pessoas que lidam com aves ou outros animais selvagens.

Talvez a melhor notícia seja que temos várias vacinas H5N1 já aprovadas pela Food and Drug Administration, cuja segurança e resposta imune foram estudadas. O governo dos Estados Unidos tem um pequeno estoque dessas, mas não atenderia a demanda caso ocorresse um surto grave.A produção de centenas de milhões de doses de uma nova vacina pode levar seis meses ou mais. As plataformas baseadas em mRNA usadas para produzir vacinas contra a Covid também podem ser uma opção podendo ser produzidas em massa mais rapidamente, em apenas três meses. Atualmente não há vacinas de mRNA aprovadas para influenza, mas os esforços para fazer uma devem ser acelerados.

 

Já temos drogas antivirais para influenza, que funcionam independentemente da cepa, mas não apresentam boa eficácia clínica e precisam ser administrados precocemente, no inicio dos sintomas.

Até 2020, quando a nova cepa do H5N1 começou a se espalhar extensivamente entre as aves silvestres, a maioria dos grandes surtos ocorreu entre as aves domésticas. Mas agora, com aves selvagens atuando como condutos, não é apenas o maior surto de todos os tempos entre aves, causando a morte de pelo menos 150 milhões de animais até agora, mas também está expandindo constantemente seu alcance.

Em 2006, os cientistas descobriram que o H5N1 não se espalhava facilmente entre os humanos porque se instala profundamente em seus pulmões.Mas se o vírus evoluír para se ligar a receptores no trato respiratório superior - a partir dos quais poderia se tornar mais facilmente transportado pelo ar - o risco de uma pandemia entre os humanos aumentaria substancialmente. O surto de vison na Espanha é um sinal de que podemos estar seguindo exatamente esse caminho.

Os sinais de alerta sãos claros e alarmantes para uma pandemia potencialmente terrível. As pessoas, é claro, não querem ouvir falar de outro vírus.Hoje não mais de notam quaisquer esforços para conter a covid 19. Podemos ter sorte - já tivemos surtos de gripe aviária antes sem propagação humana. Mas é muito arriscado contar com isso. Uma cepa pandêmica poderia até ter uma taxa de mortalidade muito menor do que os 56% dos casos humanos conhecidos até agora, mas ainda pode ser muito mais mortal do que o coronavírus, que se estima ter matado de 1% a 2% dos infectados antes das vacinas ou tratamentos estarem disponíveis

Desta vez, não temos apenas o aviso. Não devemos esperar até que seja tarde demais.