Provavelmente no inicio dos anos 1800, uma jovem que vivia
em um vilarejo às margens do Lago Maracaibo, na Venezuela, deu à luz vários
filhos e, ao fazê-lo, entrou de forma indelével nos registros da genética
humana. Sem que ela soubesse, ela abrigava um excesso de DNA em seu quarto
cromossomo, que passou para muitos de seus filhos. Quando eles cresceram
chegando ao final da meia-idade, muitos de seus descendentes desenvolveram
movimentos espasmódicos e incontroláveis, demência e depressão: as características
da doença de Huntington.
Em 1993, quase 200 anos após a morte da mulher, os
cientistas conseguiram identificar o único gene responsável pela doença por
meio de amostras de DNA de centenas de membros da família venezuelana. Hoje em
dia, porém, ninguém está descobrindo novas doenças procurando por sintomas que
ocorrem em famílias - todos esses frutos mais fáceis de colher já foram
colhidos. O campo cada vez maior da genética médica agora parece bem diferente:
os pesquisadores se esforçam para vincular condições tão diferentes quanto
depressão e diabetes a dezenas de genes diferentes, e os médicos decidem como
tratar o câncer com base nas combinações de mutações genéticas que eles
carregam. A ciência deixou para trás a era das mutações solitárias.
Bem...era assim até que, em 2020, pesquisadores mostraram
que uma única mutação em um gene chamado UBA1 poderia causar uma doença
inflamatória previamente desconhecida, que eles batizaram de Vexas (uma
abreviação de algumas de suas principais características: Vacúolos, Enzima E1,
X-linked (ligado ao cromossomo X) , Autoinflamatória, Somático). O primeiro estudo de Vexas foi publicado no The
New England Journal of Medicine , mas sem causar grande impacto. Mas no final
do mês passado, um outro estudo
publicado no Journal of the American
Medical Association revelou que a Vexas pode não ser tão raro assim. Utilizando
um banco de dados genéticos, os pesquisadores encontraram 11 pessoas com a
doença, o que equivale a uma taxa de cerca de 1 em 4.000 homens com mais de 50
anos. Essa é apenas uma estimativa preliminar da prevalência de Vexas - todos
os dados vieram de um sistema de saúde rural da Pensilvânia, portanto, será
importante replicar os resultados em populações mais diversas . Se a estimativa
estiver correta, Vexas é mais comum que a ELA Esclerose Lateral Amiotrófica)
que muitas pessoas conhecem.
Por décadas, a Vexas se escondeu à vista de todos. Ele
compartilha sintomas com muitas outras doenças – febres frequentes, inflamação
generalizada, fadiga intensa – e isso ocorre com frequência na reumatologia - a
área médica especializada em inflamação e sistema imunológico.Acredita-se que
os pacientes com Vexas foram previamente classificados como tendo condições
como vasculite, psoríase e até leucemia - se é que receberam algum diagnóstico.
Vexas teria sido descoberta há muito tempo se fosse uma
doença genética causada por uma mutação genética herdada. Por exemplo, o único
gene responsável pela febre familiar do Mediterrâneo, também uma doença
inflamatória, foi identificado em 1997 pela triagem do DNA de famílias
portadoras da doença. Mas a Vexas não tem essa caracteristicaa. Não ocorre em
famílias. Como o câncer, ela é causada pelo que os cientistas chamam de “mutação
somática”, uma mutação genética que se desenvolve no corpo de uma pessoa depois
que ela nasce. Como as mutações somáticas aparecem mais tarde na vida, elas
afetam apenas uma fração das células de uma pessoa, o que as torna difíceis de
encontrar. As análises genéticas convencionais irão perdê-las completamente: se
uma mutação específica aparecer apenas em parte do DNA de uma pessoa, ela pode
ser rotulada como um erro. Para encontrar mutações somáticas, os cientistas
devem olhar com muito cuidado.
Em termos de tratamento, a única cura para Vexas é um
transplante de medula óssea, um procedimento que traz riscos substanciais. A
boa notícia é que a tarefa de descobrir doenças genéticas está ficando cada vez
mais fácil à medida que o sequenciamento de genes se torna cada vez mais barato
e eficiente. E a descoberta da Vexas é um sinal para a comunidade científica de
que a busca por mutações genéticas comuns entre pessoas com uma ampla variedade
de sintomas diferentes é uma estratégia fundamental.
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