Nos vemos , como sujeitos , agentes ativos atuando em um ambiente que é objeto (passivo) de nossa ação e atenção.
A filosofia , sociologia e a antropologia têm mostrado como a contemporaniedade elevou o sujeito a uma condição de fetiche ideológico nas culturas humanas.É muito dificil , para nós , nos enxergarmos no papel de ambiente (objeto). Mas é isso que estamos aprendendo e constatando até mesmo antes da internet : uma inversão que sucumbe à atenção e se molda pela extração de dados comportamentais.
Essa incapacidade de nos vermos como ambiente passivo à influência de sistemas que operam em planos virtuais não é a única cegueira que nos impede uma análise lúcida dos fenômenos que nos prendem às telas. Ela é parte fundamental deles : a eficiência que sustenta a economia digital parte do pressuposto de que os usuários tenham a sensação de liberdade e livre arbitrio.
Para que esse infinito mercado de dados funcione,precisamos nos colocar à sua disposição.Estamos há tempos proporcionando uma emergência de conhecimentos e aparatos que coordenam a base de uma nova forma de comando e controle.Entender o atual processo das mídias e seus efeitos exige a atividade de pensar fora do contexto do senso comum.
Vivemos em um ambiente que emerge na relação com um organismo : o que propicia que o organismo faça ou não. Um exemplo : a agua. Um lago é um ambiente que permite condições para que organismos passem por ele das mais diversas formas : no ato de beber , nadar , mergulhar etc. O que elea propicia não está no organismo , nem no ambiente , mas na relação de coemergência entre eles.
A relação entre usuários humanos e a internet implica em pensar nesta como objeto inacabado,que só é completado diante de sua apropriação por atores concretos. As midias sociais não apenas ganham vida no mundo da internet mas ajudam a moldar este mundo,organizar seus limites , realizar novas conexões.
O problema não está naquilo que as plataformas dizem que conseguem fazer.Está , também , naqueles efeitos que não são previsíveis nem controlados diretamente. Os algoritmos aprendem a se atualizar a partir da relação com usuários reais.Dispositivos móveis como smartphones proporcionaram uma capilaridade inédita na relação com outros tantos usuários,permitiram o fluxo e compartilhamento de dados de uma forma incontrolável. Foi se criando uma reorganização e uma integração extensiva entre plataformas e intensiva entre usuários cada vez mais cotidiana e personalizada.
Gabriel Tarde , antropólogo , há mais de cem anos escreveu que a experiência de simultaniedade temporal via processos miméticos - o que experimentamos é compartilhado por muitos outros indivíduos - é uma das formas mais potentes de produção de sociabilidade e identidades..
No estado de multidão , a individualidade se atenua em proveito do coletivo. Esse "todo" é mais permeável a contágios , pois somadas as individualidades a informação passa com mais facilidade e rapidez : o individuo se torna mais suscetível à influências.
A formação de multidão nas midias não é fortuita. Cada vez mais existem incentivos para construir arquiteturas de redes capazes de capturar e colocar a consciência de cada um num estado de fluxo controlado por sistemas algoritimicos. Isso visa a maximização do tempo de conexão e a extração de dados. Assim se produz a sugestibilidade típica das multidôes.
Esses procedimentos algoritimicos não seguem critérios predefinidos mas recursivos e emergentes,oriundos dos próprios dados. Inverte-se a maneira de construir o laço social : em vez dos sujeitos serem socializados dentro de uma estrutura já existente,são os grupos que emergem a a partir das ligações algoritimicas.
Desta forma , os usuários vão perdendo o controle daquilo que aparece para si e de como eles mesmos aparecem para os outros.Essas decisões são delegadas para os algoritimos e os usuários passam a ter uma posição cada vez mais passiva. São entregues mundos personalizados que confirmam seus enquadramentos individuais. Os usuários sentem-se plenamente legitimados em suas opiniões e visões como pequenos soberanos em seus microfeudos digitais.
Poucos têm real consciência do modo como as arquiteturas das redes são construídas para produzir exatamente esse efeito , pois é a partir dele que os usuários serão mantidos e seus dados,extraídos e propagados de forma contínua.
Os usuários não são os clientes das plataformas. São o objeto a ser veiculado. Clientes são aqueles que pagam fortunas nas propagandas etc.
Em tempo : o termo usuário é utilizado em duas situações . Aquele que usa as midias e o que usa drogas ilícitas.
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