segunda-feira, 26 de setembro de 2022

o que a covid nos tirou

 

Uma vez que passamos a visualizar a duração da vida humana, fica claro que muitas partes da vida que consideramos “incontáveis” são de fato bastante mensuráveis. Um exemplo : imaginemos uma pessoa que adora visitar um museu. Mas ela o faz , pelas atribuições do cotidiano , duas vezes ao ano. Hoje ela tem 70 anos. Dentro dessa contagem ela visitará o museu mais umas dozes vezes até o final de sua vida. Para uma atividade que lhe faz tão bem esse número é bastante tímido. Isso é o que o escritor Tim Urban chama de matemática depressiva.

A covid nos colocou de frente para esse problema.Ela não nos tirou apenas semanas preciosas mas nos privou das nossas atividades favoritas , experiências que não serão recuperáveis.

Mas , talvez , a mais dura matemática a processar tem sido a ligada aos nossos relacionamentos.Vamos pensar em alguem que tenha crescido convivendo com seus pais todos os dias. Num determinado momento,por exemplo aos 19 anos, se muda e passa a vê-los cerca de 10-15 vezes por ano. Na medida em que eles envelhecem o tempo pela frente de contato se reduz drasticamente. Suponhamos que essa pessoa esteja bem até os 60 anos. Sua vida convivendo com os pais será de 20 anos,sendo os 19 primeiros de convivência frequente e o ultimo (com todos os encontros somados) de visitas esporádicas.O mesmo acontece com todos as outras pessoas que passam por nossas vidas.

A matemática depressiva revela uma dura verdade : embora não estejamos nem perto do final de nossas vidas, podemos muito bem estar chegando ao fim do tempo que passaremos com algumas das pessoas mais importantes para nós.

A pandemia potencializou esse problema. Em muitas famílias , o Natal é um evento de encontros.Mas nos últimos dois anos muitos cancelaram a festa por causa da covid. Considerando que pode haver apenas mais 10 ou 15 Natais para estarmos todos juntos, dois é um grande pedaço dessa torta tão esperada.

Nos próximos meses , enquanto estivermos nos preparando para fazer planos – ou cancelá-los – seria interessante pensar na nossa própria matemática deprimente. Porque qualquer que seja a nossa situação, a ilusão sobre o tempo que nos resta nos afasta de valorizar a quem amamos.Estamos mais ligados ao que de fato acontece : as viagens perdidas,oportunidades desperdiçadas, aqueles que se foram. A maioria de nós despreza o tamanho das oportunidades que está à nossa frente. Subestimamos as possibilidades futuras pela mesma razão que superestimamos o tempo que nos resta com aqueles que amamos : nossa intuição não é muito imaginativa. É um instinto humano acreditar que a vida a que estamos acostumados é como as coisas sempre serão,partes boas e ruins.

Pesar o arrependimento carrega uma suposição implícita de que tivemos arbítrio no passado – que poderíamos ter optado pelos caminhos da vida e se tivéssemos tomado decisões melhores.Quando pensamos no futuro,porém,esse sentimento geralmente desaparece.

Mas a vida que estaremos vivendo daqui a 10 anos será em grande parte determinada não por nosso eu passado, mas por nosso eu presente e futuro. Se imaginarmos o que podemos nos arrepender no futuro, está em nossas mãos fazer algo a respeito agora. Esta é a boa notícia sobre ser um humano. O tempo que nos resta com a família e os amigos não é uma lei da natureza como as semanas que nos restam para viver. É uma função de prioridades e decisões.

Essas duas ilusões – que temos um tempo incontável pela frente e que não podemos mudar nosso curso – são uma receita para a complacência. Tentar mudar pode nos acordar e nos inspirar a viver com mais sabedoria.

 Os últimos dois anos nos deixaram com um déficit de alegria. Quando imaginamos um mundo pós-covid, imaginamos ter nossas antigas vidas de volta. Mas podemos realmente dar um passo adiante e compensar as experiências perdidas, transformando o déficit em superávit. Se a covid nos deu alguma coisa, é uma chance rara de redefinição.

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