Uma vez que passamos a visualizar a duração da vida humana,
fica claro que muitas partes da vida que consideramos “incontáveis” são de fato
bastante mensuráveis. Um exemplo : imaginemos uma pessoa que adora visitar um
museu. Mas ela o faz , pelas atribuições do cotidiano , duas vezes ao ano. Hoje
ela tem 70 anos. Dentro dessa contagem ela visitará o museu mais umas dozes
vezes até o final de sua vida. Para uma atividade que lhe faz tão bem esse
número é bastante tímido. Isso é o que o escritor Tim Urban chama de matemática
depressiva.
A covid nos colocou de frente para esse problema.Ela não nos
tirou apenas semanas preciosas mas nos privou das nossas atividades favoritas ,
experiências que não serão recuperáveis.
Mas , talvez , a mais dura matemática a processar tem sido a
ligada aos nossos relacionamentos.Vamos pensar em alguem que tenha crescido convivendo
com seus pais todos os dias. Num determinado momento,por exemplo aos 19 anos,
se muda e passa a vê-los cerca de 10-15 vezes por ano. Na medida em que eles
envelhecem o tempo pela frente de contato se reduz drasticamente. Suponhamos
que essa pessoa esteja bem até os 60 anos. Sua vida convivendo com os pais será
de 20 anos,sendo os 19 primeiros de convivência frequente e o ultimo (com todos
os encontros somados) de visitas esporádicas.O mesmo acontece com todos as
outras pessoas que passam por nossas vidas.
A matemática depressiva revela uma dura verdade : embora não
estejamos nem perto do final de nossas vidas, podemos muito bem estar chegando
ao fim do tempo que passaremos com algumas das pessoas mais importantes para
nós.
A pandemia potencializou esse problema. Em muitas famílias ,
o Natal é um evento de encontros.Mas nos últimos dois anos muitos cancelaram a
festa por causa da covid. Considerando que pode haver apenas mais 10 ou 15 Natais
para estarmos todos juntos, dois é um grande pedaço dessa torta tão esperada.
Nos próximos meses , enquanto estivermos nos preparando para
fazer planos – ou cancelá-los – seria interessante pensar na nossa própria matemática
deprimente. Porque qualquer que seja a nossa situação, a ilusão sobre o tempo
que nos resta nos afasta de valorizar a quem amamos.Estamos mais ligados ao que
de fato acontece : as viagens perdidas,oportunidades desperdiçadas, aqueles que
se foram. A maioria de nós despreza o tamanho das oportunidades que está à
nossa frente. Subestimamos as possibilidades futuras pela mesma razão que
superestimamos o tempo que nos resta com aqueles que amamos : nossa intuição
não é muito imaginativa. É um instinto humano acreditar que a vida a que
estamos acostumados é como as coisas sempre serão,partes boas e ruins.
Pesar o arrependimento carrega uma suposição implícita de
que tivemos arbítrio no passado – que poderíamos ter optado pelos caminhos da
vida e se tivéssemos tomado decisões melhores.Quando pensamos no
futuro,porém,esse sentimento geralmente desaparece.
Mas a vida que estaremos vivendo daqui a 10 anos será em
grande parte determinada não por nosso eu passado, mas por nosso eu presente e
futuro. Se imaginarmos o que podemos nos arrepender no futuro, está em nossas
mãos fazer algo a respeito agora. Esta é a boa notícia sobre ser um humano. O
tempo que nos resta com a família e os amigos não é uma lei da natureza como as
semanas que nos restam para viver. É uma função de prioridades e decisões.
Essas duas ilusões – que temos um tempo incontável pela
frente e que não podemos mudar nosso curso – são uma receita para a
complacência. Tentar mudar pode nos acordar e nos inspirar a viver com mais
sabedoria.
Os últimos dois anos
nos deixaram com um déficit de alegria. Quando imaginamos um mundo pós-covid,
imaginamos ter nossas antigas vidas de volta. Mas podemos realmente dar um
passo adiante e compensar as experiências perdidas, transformando o déficit em
superávit. Se a covid nos deu alguma coisa, é uma chance rara de redefinição.
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