domingo, 23 de agosto de 2020

a fábrica das fake news

 

Leda Gitahy, professora do Departamento de Política Científica e Tecnológica (DPCT) Instituto de Geociências (IG) da Unicamp é uma das coordenadoras do Grupo de Estudo da Desinformação em Redes Sociais (EDReS).

Segundo ela : as mensagens que viralizam nas nossas redes sociais não tem a espontaneidade que aparentam.São cuidadosamente construídas, usando estratégias de marketing e contam com uma base de lançamento estruturada, o que possibilita sua difusão rápida e articulada.

No caso do COVID 19 , desde o início da pandemia este mecanismo tem se utilizado de narrativas de negação da doença , procurando minimizar sua capacidade de transmissão ou letalidade além de propor curas milagrosas.

O objetivo é a total desregulação das instituições democráticas com base no fundamentalismo de formas religiosas, econômicas ou políticas.E este é o grande problema : qualquer tipo de fundamentalismo se afirma pela negação do outro e quem pensa diferente se transforma em inimigo.

Tudo isso fragiliza a sociabilidade, provocando conflitos mesmo entre as pessoas que mantêm vínculos afetivos fortes.

Segundo Leda Gitahy, a narrativa desenvolvida pelo ecossistema da desinformação tem passado por diferentes fases desde o início da pandemia.

A primeira fase teria sido de negação da existência da doença, de sua capacidade de transmissão e de sua letalidade. "No início, as mensagens diziam que não era nada, que não existia doença ou que era só uma gripezinha. As mensagens eram contra o isolamento e contra qualquer medida de segurança", afirma. Como exemplo dessa fase a professora cita o vídeo do Ministro da Defesa de Israel, Naftali Bennett, que circulou no Brasil sem data e com legendas em português. Nele, o ministro minimiza os impactos da Covid-19 e afirma que a única coisa importante é isolar os idosos. "Aquele personagem existe. A fala é verdadeira. Mas no momento em que está sendo divulgada aqui, Israel já estava em lockdown", pontua.

A fala do ministro, mesmo sendo verdadeira, se deslocada do seu contexto, torna-se parte do ecossistema da desinformação. Por isso, ela prefere evitar o termo fake news, por acreditar que ele não é adequado entender a complexidade do cenário informacional. "Existem coisas que não são articuladas, que tem a ver com pessoas assustadas, confusas, que gravam qualquer coisa. Mas existem mensagens divulgadas com objetivo de desinformar, com objetivo político, com intenção, em ações claramente articuladas. Distinguir cada uma delas é fundamental para compreender o funcionamento do ecossitema".

A segunda fase da narrativa identificada durante a pandemia é a dos "remédios mágicos". São tratamentos de todos os tipos, de chás a fármacos, que prometem a cura da Covid-19.

A Cloroquina começa a se popularizar nessa fase, circulando no WhatsApp com imagem da versão brasileira do remédio e o slogan "O remédio do Trump". Não é a 'indústria que faz Cloroquina' que está por trás dessas mensagens. Elas estão mais ligadas a sede de certos políticos em anunciar a cura", explica. A pesquisadora ressalta ainda que o que move o ecossistema da desinformação são sempre tramas de interesses, que envolvem diferentes tendências políticas e interesses comerciais. "Há prefeitos de todos os partidos distribuindo coquetéis. Há fornecedores interessados que vendem para essas prefeituras. É sempre uma trama de interesses, não é um único agente", afirma. A defesa de remédios sem comprovação científica como, como a Cloroquina e a Ivermectina, entre outros, como solução para o coronavírus, esteve também vinculada a uma pseudo "defesa da economia", em sua falsa oposição ao isolamento social. 

Para Leda, a desinformação tem na nossa falta de atenção sua principal aliada. "As pessoas compartilham sem ler, sem assistir até o fim os vídeos, sem refletir sobre o significado daquilo, sobre o que aquilo está querendo dizer. Encaminham rápido e porque combina com sua ideia política no momento. E isso acontece com tendências políticas de todas as cores".


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