sexta-feira, 1 de maio de 2020

a banalização da morte



As grandes epidemias , assim como as guerras , massificam a morte , transformando-a em um evento para além de nossa compreensão. As vitimas morrem duas vezes : a fisica é reforçada pelo anonimato estatístico.

Alber Camus , no livro " a peste" , escreveu que " um morto não tem substância , a não ser a de quem realmente o viu morto ; cem milhões de cadáveres espalhados pela história não passam de uma nuvem de fumaça na imaginação".

Nínguem deplora por uma multidão nem lamenta à beira do túmulo de uma abstração.

Parece que não temos o instinto do pesar coletivo nem a solidariedade biológica que surge com a destruição de nossos semelhantes. Em nossos piores momentos podemos notar uma complacência perversa diante dos massacres  , tsunamis , desastres naturais.
Na filosofia temos evidências de que para muitos a lamentação de um cataclisma só acontece depois de ser personificado.
Não temos ainda a figura simbólica da pandemia do coronoavírus.Talvez não tenhamos nessa época de imagens descartáveis e menos impactantes.

O bombardeamento incessante de números anestesia a importância da perda. E gera , como que num ato de entorpecimento , um olhar abstrato que já não se surpreende.
Sem reconhecer passamos a considerar que morrer "menos" é melhor . Afinal , em nosso instinto egocêntrico exacerbado a morte afinal é distante. Contabilizamos , insensíveis , o anonimato dos casos .

Decisões contra a vida , em prol de qualquer objetivo , foram e são consideradas discutíveis justificando -se , novamente , os objetivos meramente pessoais. Sem precedentes na história ética , líderes políticos e economistas defendem valores e perdas não dimensionando a dor insustentável do adoecer e morrer . O parco resquício humanista de quem olha com os olhos das cifras esvai-se em justificativas desprovidas de qualquer valor moral.

Um antigo preceito judaico afirma que se puséssemos uma única vida em um prato da balança e o resto do mundo no outro , a balança ficaria equilibrada.
Antoine de Saint Exupery  se perguntava por que sempre agimos como se algo tivesse um preço ainda maior do que a vida , quando , indubitavelmente , a vida humana é inestimável.
 

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