sexta-feira, 8 de maio de 2020

Cloroquina e ideologia




Em 29 de janeiro , um jornal chinês noticiou que três medicamentos poderiam ter efeito contra o novo coronavírus , recentemente descoberto. Eles pareciam inibir o vírus em células de laboratório. 

Uma semana após, o jornal Cell Research publicou uma carta de pesquisadores do Wuhan Institute of Virology que deram mais detalhes de duas drogas testadas: a cloroquina, desenvolvida em 1930 para tratar a malaria, e o remdesivir,experimentada sem sucesso clinico para o vírus Ebola. Em pouco tempo , pesquisadores chineses anunciaram estudos clínicos em pacientes utilizando a hidroxicloroquina, derivada da cloroquina e considerada mais segura.

Quase que simultaneamente uma série de postagens no Twitter passou a viralizar. Em 11 de Março , um empresário da Austrália residente na China ,famoso pelos seus investimentos em moeda virtual (bitcoin) “ twittou”  que a cloroquina iria resolver o problema da pandemia.
Em 16 de Março, Elon Musk , conhecido empresário ligado à tecnologia digital , repercutiu a noticia. 3 dias após, Donald Trump em uma conferência de imprensa anunciou que a droga tinha apresentado resultados muito promissores. Ele a chamou de uma droga miraculosa

O que se seguiu depois foi o levantamento da questão se a cloroquina é segura e efetiva gerando mais um dualismo que nos aflige nos tempos modernos : um tribalismo politico recheado de polarização.
Apoiadores de Trump defenderam e compartilharam por redes sociais evidências não comprovadas da eficácia da droga; os críticos de Trump mostraram o contrário : não havia suporte cientifico para o seu uso. A partir daí a imprensa polarizada passou a publicar apenas o que seria de seu interesse politico e ideológico.

Vivemos uma crescente polarização sobre valores políticos que impactam nos fatos que atingem todos nós. Isso se estende a assuntos que são decisivos na saúde : mudanças climáticas , teoria da evolução , segurança de vacinas e , no momento , como controlar o Covid 19.

O coronavírus trouxe novas oportunidades para o reforço destas dicotomias. Dependendo das preferências politicas , as opiniões obre o vírus e seus impactos divergem por completo. Uns defendem as medidas de contenção , outros consideram que a vida deve continuar deixando que a pandemia siga seu curso ceifando milhares de vidas. Ativistas acreditam que seus líderes ao menosprezarem a infecção estão corretos . A questão da cloroquina foi ainda mais estúpida pois foi defendida sem nenhum rigor científico.

No que pode resultar essa polarização ¿

Os mais comuns assuntos que levam a opiniões radicalmente opostas , do dia-a dia, têm consequências mais diluídas na sociedade. Ninguem morre por causa de suas crenças a respeito da teoria da evolução. Prejuízos advindos do aquecimento global ou do uso de vacinas tem repercussões mais lentas. Escolhas erradas sobre o Covid 19 podem ter impactos muito mais agudos não só pessoais mas sociais.

As melhores informações sobre a pandemia estão em constante fluxo. Novos artigos científicos são publicados todos os dias, muitas vezes contradizendo achados anteriores . As normas científicas para publicação, que normalmente levam tempo para serem aprovadas, estão permitindo uma situação chamada de “ peer review” que significa que o artigo ainda não foi submetido ao crivo de rigorosidade , ou seja , não foi ainda validado . Desta forma , para os assíduos polarizadores , suas crenças podem ter uma certa “ base” científica , desde , é claro , que sejam pertinentes com sua ideologia.

Desta forma existe uma grande monta de informações circulando que pode ter uma legitimidade cientifica mas que ainda não estão adequadamente evidentes. Os argumentos sobre a cloroquina recaem nesta categoria.A despeito da defesa de uma parcela polarizada, todos os estudos definitivos ( e portanto com o aval da credibilidade científica) o medicamento não melhora os desfechos clínicos e tem efeitos colaterais preocupantes.

Essa legitimação dos dados não saõ repercutidas por aqueles que defenderam a sua utilização. Jair Bolsonaro propagou , seguindo os caminhos de Trump , o seu uso e tanto os seus seguidores quanto o resto da população foram desinformados diante das evidências que foram sendo geradas. Num momento em que precisamos de reais lideranças as afirmações baseadas no achismo ou num excitamento populista são na verdade desinformações de caráter muito grave , impondo risco inmensuráveis à população.

Num mar de incertezas, as pessoas estão decidindo de que modo nadar direcionada por fatores sociais e não científicos.

Aqueles que propagam uma verdade isolada ao invés da ampla verdade estão sendo falsos.
As pessoas se tornam desinformadas ao acreditarem somente naqueles com quem se identificam , ouvem apenas as suas identidades politicas e se conformam com os seus contatos de redes sociais , enclausuradas em castas ideológicas.É comum se sentirem desconfortadas ao discordarem de seus amigos ou familiares. Esses fatores sociais podem levar a facções de crenças: grupos que compartilham credos em comum geralmente não embasados numa lógica de bom senso. Esse tipo de casta acaba por expandir os mais diversos assuntos pré julgando os mais diversos temas com um denominador em comum rotulado.

O caso da cloroquina foi emblemático. Seus defensores simplesmente aceitaram um argumento que foi implantado como uma verdade absoluta pela raíz da polarização.Essa erva daninha que corrói o bom senso e solidifica diferenças cruéis

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