sábado, 14 de dezembro de 2019

espiões de Deus


      a tela acima é de autoria de de Kooning (pintada quando ele apresentava os primeiros sintomas de Alzheimer)

Hemingway escreveu que o envelhecimento vem de duas formas : lento e,de repente , súbito
a forma lenta é muito bem conhecida e se sucede num ritmo inevitável e por isso mesmo mais perceptível

a humanidade nos presentou no ultimo século com seu maior presente : 30 anos a mais de vida

precisamos entender o que fazer com este período já que ele não veio com manual de instruções

do nascimento à idade de 21 anos são oito mil dias
daí até a meia idade : mais oito mil
dos 40-45 anos até os 65 viveremos mais 8 mil dias
50% das pessoas podem vivar mais 8 mil dias

então temos uma tarefa de saber como viver aquilo que seria um terço do tempo de nossa vida adulta

Em Massachutes , o laboratório Agelab vem estudando o envelhecimento
Uma interessante ferramenta chamada AGNES (aging gain now empathy system) possibilita que pessoas jovens experimentem as dificuldades que idosos enfrentam no seu dia a dia
Uma roupa especial , luvas ,óculos etc simulam as dores , restrições etc que surgem pelo desgaste do tempo
A idéia é reforçar as medidas que podem ser tomadas com o intuito de minimizar os impactos (no momento) inevitáveis do envelhecer

a cada 8 segundos um baby boomer faz 73 anos (baby boomer é uma denominação para as pessoas que nasceram logo após a segunda guerra mundial e que representam bem a geração que está envelhecendo)

por enquanto a medicina procura entender a nossa decrepitude : talvez envelhecer não seja uma condição a ser manejada mas um erro a ser corrigido

a verdadeira condição da velhice é a incapacidade fisica de nos esquecer de nós mesmos

Shakespeare disse que o velho acaba se tornando o espião de Deus

sexta-feira, 13 de dezembro de 2019

atitude



muitas de nossas atitudes e julgamentos sobre os dilemas da vida são baseadas nas nossas crenças e pré conceitos , alguns deles fundamentados por valores
mas na maioria das vezes tudo o que norteia as nossas opiniões não são previamente avaliados de modo crítico

crenças e valores provêm da base moral e se ajustam aleatoriamente quando nos sujeitamos a uma opinião e consequentemente uma ação

a verdadeira filosofia é a analise e a clarificação dos conceitos e relações de formação da verdadeira moralidade e como ela pode ser construída ou reformada

na prática médica os dilemas morais pressupõem uma disposição e uma habilidade para que sejam questionados e assim justificar uma conduta

mas o que vemos hoje na formação médica é a técnica preponderante em detrimento da formação humanística
desta forma a bioética é uma necessidade urgente a permear o dia a dia de quem cuida...

estudantes da área de saúde que não entendem o humanismo como disciplina imprescindível para o exercicio do atendimento estão despidos do fundamento do cuidar....estão cegos pela luz da doença e não enxergam de fato o paciente

quinta-feira, 12 de dezembro de 2019

o valor da vida



 O modo como funciona o sistema de saúde é uma das mais claras e visíveis expressões das atitudes de uma sociedade em relação ao valor da vida
Além disso , é uma das mais importantes dimensões do modo como nós somos como indivíduos e de como demonstramos o valor e o respeito que atribuímos às outras vidas

Nas decisões do dia a dia médico nós,de fato , colocamos diferentes valores à vida

Mas a pergunta fundamental é : que tipo de vida tem valor e em virtude do que esta vida tem valor ?

As perguntas essenciais continuam polêmicas : quando a vida humana começa ? (no momento da concepção ?) . A vida mantém o seu mesmo valor ? ( no adulto cheio de saúde ou no idoso demenciado ?)

Nosso interesse no valor da vida não é simplesmente uma questão de vida ou morte.Nós mostramos como valorizamos os outros pelo modo como os tratamos e pelo preço que estamos dispostos a pagar , ou pelos esforços que estamos preparados para fazer , para salvar suas vidas

segunda-feira, 4 de novembro de 2019

a medicalização da vida




A medicalização é uma transformação das condições humanas , das suas capacidades e incapacidades, através de uma intervenção farmacológica.Esse processo ultrapassa a questão restrita ao adoecimento para abranger as propostas , por exemplo , de mudanças de estilo de vida.

A modernidade nos trouxe a constatação de um perigoso encontro : aquele que busca a solução de seus problemas em um comprimido e o prescritor que de modo inconseqüente entende que toda e qualquer terapia é farmacológica.Vamos focar na questão dos antidepressivos : estudos demonstram que somente uma em cada 9 pessoas vai se beneficiar com o seu uso.As 8 restantes são desnecessariamente submetidas aos riscos dos efeitos adversos.O tamanho do efeito destas drogas é modesto , ligeiramente superior quando comparado ao placebo e baseado em escalas de avaliação de questionável relevância clinica.

As alterações de humor comumente refletem as circunstâncias variáveis do cotidiano.A velha frase “ o tempo é o senhor da razão” representa a melhor conduta na maioria dos casos.Muitas manifestações depressivas respondem com sucesso às intervenções psicológicas que não incluem a dependência farmacológica e melhoram substancialmente o desfecho sintomático.

A medicalização já foi entendida como referência do poder médico , segundo as palavras do psicanalista Jean Clavreul.Uma espécie de primazia sobre o paciente.Porém evoluímos para um processo também de escape da medicalização da esfera médica na medida em que a informação socializou e vulgarizou o acesso aos fármacos.Os pacientes agora ocupam uma posição ativa agindo como agentes de mudança.Porém , sem perceber ,acabam se transformando em consumidores de saúde.

Na procura por segurança a arte de cuidar se esvai substituída por uma prescrição mal substanciada,sem a preocupação com sua essência,seu sentido.Mas que medicina é possível para subverter ou , pelo menos , contrapor a isso ?Muito provavelmente aquela que ficou no discurso acadêmico tão fragilizado pelos descasos com a saúde.

Infelizmente estamos numa era onde o imperativo é medicalizar.Não apenas as condições objetivas,como uma terapêutica , mas também as subjetivas , como as nossas angústias .                      

sexta-feira, 1 de novembro de 2019

a vida em números



Em 1825 , o ministro da justiça francês ordenou a criação de um banco de dados sobre os crimes que aconteciam no país.Foi a primeira vez que a matemática procurou explicar o comportamento humano.
Mais tarde , a “física social” , passou a explorar a possibilidade que a vida , como os planetas , teria uma trajetória mecanicista

A filosofia começou a se importar com a idéia inquietante que entre os caprichos da escolha , da oportunidade e das circunstâncias, a matemática pudesse nos dizer o que é ser humano

.Adolphe Queteled , astrônomo belga , em 1830, já entendia que , em algum nível , a vida poderia ser quantificada e prevista.Hoje isso é inquestionável : podemos nos aproximar de um resultado quase exato em muitas analises sobre o comportamento das pessoas.

A física nos ensina que podemos esperar números confiáveis quando estamos analisando sistemas desordenados.Ou seja, regularidades emergem de nossas vidas individuais quando vistas coletivamente e podem ser mensuradas.Podemos determinar os números que surgem das nossas ações : a taxa de natalidade ou mortalidade , o índice de educação etc.Porém, o detalhe significativo é aprender algo sobre nós enquanto indivíduos se comportando dentro do coletivo.Inúmeras lições mostraram que as pessoas não bem representadas pela média

.Um exemplo anedótico : em 1965 o advogado francês André Reffray fez o que ele considerou um grande negócio : se propôs a pagar 250 francos mensais a Jeanne Calment , na época com 90 anos,na compra de seu apartamento.A expectativa média para as mulheres francesas era de 74 anos.Ele só tomaria posse do apartamento após sua morte.Infelizmente, para ele, Jeanne viveu mais 30 anos e se tornou a pessoa mais velha do mundo.André morreu antes com 77 anos.Foi o apartamento mais caro entre os negócios imobiliários para a época.Um duro aprendizado para mostrar que as pessoas não são bem representada pela média.

Podemos atestar este fato em medicina quando avaliamos medicações preventivas : para uma boa parte dos indivíduos elas não irão funcionar.Mas  devemos aplicar em nossa rotina a famosa aposta de Pascal : acreditar que o medicamento vai servir para você uma vez que as consequências serão piores do que a inconveniência de não tomá-lo.

domingo, 27 de outubro de 2019

significado



muito das nossas vidas é preenchido com atividades mundanas cujas propostas são manter o ciclo funcionando : trabalho , compras , cozinha , dormir , contas a pagar...
Sisifo,na mitologia grega , foi condenado a rolar uma grande pedra em direção ao topo de uma montanha num processo sem fim....ao atingir o ápice a pedra rolava abaixo novamente e sua tarefa , eterna,era voltar ao inicio, sempre

uma vida com significado é aquela que transcende os próprios limites e de modo importante impacta ao outro ou ultrapassa a sua própria proposta

quando percebemos que nossas vidas carecem de sentido passamos a experimentar um efeito profundamente negativo na nossa qualidade de vida

o filósofo Thomas Nagel afirma que deveríamos observar o significado de como vivemos não somente do ponto de vista interno mas de uma perspectiva externa pois existem diferentes tipos de significados para a vida, correspondentes a diferentes perspectivas através das quais deveríamos nos analisar

a mais limitada das perspectivas humanas é aquela vista através da individualidade pois o significado pode ser uma questão de grau
quando nos perguntamos se a vida tem um sentido o escopo do que chamamos "vida" pode variar

a filósofa Susan Wolf sugere que o significado surge quando a atração subjetiva encontra a atratividade objetiva

quando olhamos de um ponto individual a questão é se uma pessoa faz um impacto positivo em outro sujeito tornando a sua vida significante sob a perspectiva do outro
poucas pessoas terão vidas que sejam significativas de uma perspectiva da humanidade....qual é a diferença que você causa no mundo ?

a conclusão é que podemos ter vidas com sentido de acordo com algumas perspectivas mas a intensidade do significado diminui na medida que ampliamos nossas fronteiras
não somente as pessoas tipicamente querem mais sentido em suas vidas do que podem alcançar como mesmo o que atingem será inevitavelmente limitado

quarta-feira, 23 de outubro de 2019

emocionalmente humano




Charles Darwin afirmou que 4 caracteristicas definidoras do Homo sapiens – o uso de ferramentas, a linguagem, a sensibilidade estética e a religião – estão presentes,de forma rudimentar,em outros animais.Até mesmo a moralidade,ele argumenta,teria surgido da seleção natural.Um grupo de neurocientistas liderados por Jaak Panksepp e Antonio Damasio tem desenvolvido um novo campo da ciência afetiva desde os anos 90.A base do trabalho é isolar sistemas cerebrais ligados às emoções e compará-los a regiões do cérebro que compartilhamos com outros mamíferos.Estamos aprendendo como nossos ancestrais compartilham sentimentos semelhantes aos nossos: o cérebro como uma realidade biológica compartilhada.Estamos diante de uma nova especialidade biológica : a etomologia,o estudo do comportamento animal.

A consequência tem impactado diversas especialidades : na economia,Daniel Kahneman explica os vieses,quase sempre baseados na emoção,que pontuam as decisões racionais.Na filosofia,Martha Nussbaum reintroduziu a emoção como uma forma de pseudo-julgamento

Caminhamos para um tempo onde,finalmente,a emoção é vista como uma adaptação biológica que não segue simplesmente ou altera as regras da razão mas é parte integrante dela. Mas ela seria universal? Implicita como uma marca genética ¿ Alguns historiadores e antropologistas argumentam que nós aprendemos a nos emocionar através de nossa experiência  cultural .

No livro “ How Emotions Are Made” ,Lisa Barret argumenta que as emoções são eventos conceituais,rápidas construções mentais das nossas experiências. Ao contrário de sistemas biológicos ou fisiológicos,são como o pensamento,e cada pessoa aprende muito cedo a nomeá-las e organizá-las através de convenções cognitivas e culturais.

Quase toda percepção e pensamento é emocionalmente pesado na qualidade de alguma atração ou repulsão : a verdadeira semântica dos contornos da mente.Após isso,o significado é fundamentado como o produto de nossa relaçao com o ambiente,a interação social

A evolução de nossas distintas estruturas na sociedade não poderia ter acontecido sem o avanço paralelo da vida emocional.Os humanos não teriam se tornado colaboradores,especialmente na vida não parental,se não tivessem sido submetidos a significante domesticação emocional esculpida pela constante exposição ás motivações e desejos que sempre nos acompanharam em nossa trajetória.
O entendimento das nossas vias afetivas e o preciso papel da emoção vai nos permitir um sólido entendimento de nossas necessidades,desejos e motivações para o futuro.

terça-feira, 22 de outubro de 2019

o principal valor




O principal valor

Não importa o que faremos ou para onde iremos mas nós seremos sempre testados em nossos principios.O fundamento da medicina,ensinado no inicio do curso, é que todas as vidas têm o mesmo valor.

Mas nós nem sempre exercemos  a prática dessa premissa.A vivência nos mostra que,através dos tempos, nós desviamos o foco do humanismo quando lidamos com pessoas que não tem acesso aos melhores tratamentos por condições financeiras desfavoráveis,por exemplo.

Os hospitais são um dos poucos lugares onde encontramos a real dimensão de uma sociedade.Por isso são um palco para o reflexo das desigualdades sociais
Pensar que as pessoas são igualmente merecedoras de igualdade pode parecer uma idéia desafiadora para os dias de hoje.Vemos pacientes problemáticos com suas particularidades : aqueles que sempre reclamam,outros plenos de rispidez,os que se tornam as eternas vitimas , os que vivem seus dramas  existenciais. Pessoas podem ser não confiáveis.Ás vezes assustadoras. Muitos pacientes , quando confrontados com a doença , mudam o seu perfil.Mas também vemos a generosidade,o carinho,a compreensão.

Não deveríamos ter que gostar ou acreditar em alguem para que suas vidas passassem a valer a pena.
Nós dividiríamos o mundo em dois : nós contra eles,os bons e os maus. Mas a vida não é uma dicotomia. As pessoas podem ser boas em muitas circunstâncias e más em outras.Isso é verdade para cada um de nós.Não somos suficientemente bem descritos pelo melhor ou pior que fazemos.Nós somos um todo.

O principio da equalidade significa reconhecer que cada um tem em si o fundamento da humanidade. Sem estar ciente desta humanidade é impossível prover o melhor cuidado ás pessoas.

Vivemos em um momento perigoso pois todo tipo de curiosidade está sob julgamento : a científica , a jornalística , a cultural.Mas porque devemos colocar a curiosidade nas nossas relações ( não só) médicas ? A curiosidade é o principio da empatia. Se perdemos o desejo de entender,de se surpreender , de ouvir e testemunhar nós perdemos a humanidade. Virtude é uma capacidade.Ela pode ser ganha ou perdida.Este potencial é o motivo pelo qual todas as vidas devem ter o mesmo valor.

quarta-feira, 2 de outubro de 2019

arte e medicina



Joan Miró foi um pintor e escultor espanhol que notabilizou-se pelas tendências modernistas de sua obra.
Em 2018 uma exposição revisou seu extenso trabalho em Paris.Entre as pinturas o publico pôde rever uma trilogia chamada de Bleu 1,2 e 3. 

Cada obra mostrava pontos e linhas dispostos sobre um fundo azul.Esta técnica foi nominada como “pintura automática” na qual Miró permitia que sua mão passeasse aleatóriamente pela tela.
Para os visitantes a contemplação era traduzida por um sentimento de confusão: qual seria o significado que ele procurou demonstrar ?

 A experiência do entendimento da arte moderna é semelhante ao processo do diagnóstico clínico : ambos têm similares prazeres e desafios.Assim como as telas de Miró,os pacientes quase sempre apresentam sinais e sintomas que fogem aos padrões ou pelo menos não são tradicionais.Em casos de alta complexidade não encontraremos causas aparentes para o problema  e , diante do fato , nossa expressão pode ser de confusão também (para nosso alivio 80% dos sintomas que resistem a um diagnóstico irão resolver espontaneamente dentro de 4 a 12 semanas).

Os pontos e linhas de Miró apresentam um similar dilema porque a sua disposição pode não justificar a procura por uma explicação relevante.Porém , existe uma diferença fundamental entre a arte e a medicina no julgamento sobre o significado de uma pintura ou sua importância que pode ser meramente subjetiva

Diagnósticos médicos contém verdades que podem ser reveladas apenas com informação objetiva.A arte moderna e a medicina levam a uma busca por explicações,mas na saúde podemos trilhar um caminho onde os pacientes não obtenham as respostas desejadas
A arte de Miró pode nos ensinar que a busca excessiva interfere com nossa habilidade de obter significância no encontro clínico.Quando não sabemos como interpretar a arte dos sintomas nós deveríamos simplesmente valorizar a arte de se conectar com o paciente ao invés de sempre tentar explicar tudo
Deste modo , a arte moderna pode nos fazer aceitar uma verdade dolorosa : algumas vezes simplesmente não temos a resposta desejada para quem nos procura. A arte da medicina envolve reconhecer onde os pontos e linhas podem ser conectados e onde eles nunca serão.

o que não entendo

....quando se oculta a face e o corpo se refugia em si mesmo
quando a cortina entreabre
quando a mão ameaça o contato
quando a cama se arruma sozinha....

....cantam os passaros que me habitam
a canção que eu mesmo compus e já não me lembro

terça-feira, 30 de abril de 2019

perdão


A recusa da violência é dúbia em várias passagens dos ensinamentos religiosos.
A lei de talião é citada no Torá (olho por olho , dente por dente)...mas também existe a famosa preconização do "não te vingarás nem guardarás rancor".
Buda pregava a recusa categórica da violência.
Jesus chega a pedir o amor aos inimigos e perdoa , na cruz , a todos os que o insultaram e martirizaram .

A verdadeira ética da não violência chama-se perdão.
O perdão é um ato não racional.A racionalidade está no âmbito da justiça que é a reparação da injustiça sofrida.

O perdão é a unica atitude realmente "curadora".Sem ele , estaríamos presos aos nossos atos e consequências.
Perdoar não é esquecer , é amenizar a ferida.Por ser uma atitude sobre-humana todas as religiões o consideram como o ponto máximo da espiritualidade

quinta-feira, 18 de abril de 2019

medicamentos em psiquiatria


Roland Kuhn é um psiquiatra suiço.Ele descobriu o primeiro antidepressivo , a imipramina , em 1956.Em pouco tempo ele alertou que o uso da droga poderia negligenciar a própria experiência do paciente.O médico deveria entender que a droga só poderia funcionar se o individuo fosse entendido com suas particularidades.
Dez anos após a descoberta a medicina passou a valorizar os chamados estudos randomizados que superaram os clássicos estudos de experiências pessoais.Essa metodologia levou a uma constante busca pelas evidências e o conceito de saúde mental se tornou um sinônimo de ausência de sintomas mais do que um retorno do paciente ao seu estado de base , seu estado de humor e personalidade antes do inicio de qualquer doença

Os antidepressivos são usados hoje em um em cada 8 adultos e adolescentes nos USA e 1/4 deles estão em uso há mais de 10 anos.

O diazepam (valium) foi introduzido na década de 60 e dez anos depois um em cada 10 americanos usava o produto

Os chamados inibidores de captação da serotonina (Prozac e Zoloft) foram desenvolvidos nos anos 80 sem nenhum estudo realmente convincente que realmente provasse o seu beneficio.Essa idéia foi fortemente propagada pela industria farmacêutica sem suporte de evidência

a idéia que as drogas mudassem um determinado balanço quimico é na verdade uma uma metáfora util

quarta-feira, 17 de abril de 2019

a decisão racional




O encontro médico –paciente deveria estabelecer uma relação de credibilidade e entendimento.
Mas em algumas situações , principalmente as que envolvem decisões cruciais (como o prolongamento da vida) , o conflito aparece na hora da tomada de condutas.
Este é naturalmente doloroso em seu desenlace pois é nutrido por adversidades baseadas no senso moral , nos princípios da bioética e nos valores das pessoas envolvidas
.A neurociência demonstra que o processo de tomada de decisão é um campo de estudos fascinante.É um dos processos básicos cognitivos relacionados ao comportamento humano.
Recentemente as pesquisas mostraram que a decisão pode ser originada através de quatro categorias conhecidas como : a intuitiva (baseada nas preferências pré existentes e o senso comum) , a empirica ( baseada na experiência e estimativa) , a heurística (calcada nas teorias científicas) e a racional ( a mais complexa – que requer uma dinâmica de avaliação de riscos e valores).

Regiões do nosso cérebro têm sido implicadas como origem das decisões empíricas e intuitivas (as áreas orbitofrontal e ventromedial).Estas são mais influenciadas pela emoção.Áreas como a região dorsolateral préfrontal competem com estas respostas e facilitam as decisões racionais e heurísticas.
Os conflitos que criam obstáculos para a equipe médica tem até uma lógica: temos uma formação que é construída em princípios da bioética e que servem como uma espécie de código de conduta.Incorremos no risco de generalizar as particularidades 

Não é surpreendente que os médicos atuem predominantemente de modo racional e que , muitas vezes , tenham uma visão bastante diferente de seus pacientes e familiares que estarão oscilando entre a tomada de decisão emocional e experimental , raras vezes modulada na estimativa de risco e valores.Se nós pretendemos nos aproximar de um real contato com todos que envolvem o paciente precisamos dar um passo para trás e analisar nossas racionalidades construídas em bases essencialmente científicas e entender melhor os pontos de vista daqueles que possuem uma diferente visão.Não podemos criar uma terrível e fatal ilusão : a de que é possível ir ao cerne do conhecimento sem recorrer a nossa compreensão da vida e da experiência humana.

quinta-feira, 11 de abril de 2019




Só me interessa o que não compreendo
só amo o que não sei e não se explica.
Não quero ir aonde vou. Mas vou
Estou aqui e não sei onde isto fica
e onde quer que eu esteja, eu não estou

sexta-feira, 5 de abril de 2019

a vida nas ruas




Em 1909 quando as carruagens (ou carroças) eram os automóveis dos dias de hoje uma revista chamada “Country Life in America” publicou uma proposta de ética do bom motorista , ou ,na época , condutor de cavalos.Estes deveriam tomar extremo cuidado para evitar que os animais não colidisssem com outras pessoas e veículos.

Hoje estamos prestes a experimentar a convivência com carros sem motoristas.Os humanos antes de serem liberados para dirigirem são submetidos a avaliações de capacitação. Mas para as mãquinas ainda não temos comparáveis aptidões.Como resultado as ruas em breve serão uma espécie de laboratório vivo , uma experiência perigosa pois os carros sem motoristas serão capazes de perceberem as pequenas nuances que envolvem o comportamento humano ? . Por exemplo : a percepção de risco quando uma criança está brincando com uma bola na calçada.

A conferir

segunda-feira, 1 de abril de 2019

Trajetória




Nós vivemos imaginando que nossas vidas seguem um tipo de trajetória , como um enredo de uma novela , e reconhecendo desta forma nos pretendemos ser os seus autores.
Mas frequentemente sentimos um senso de precariedade , uma suspeita de que , mesmo seguindo rigorosamente as regras , não teremos controle sobre a história e muito menos o direito a um final feliz.É este o tema do livro “Cruel Otimismo” de Lauren Berlant que sugere que o que nos move de fato é a persistência , o desejo às vezes não perceptível de ir superando as adversidades.
Vamos aprendendo sobre o que nos faz mal.Nosso status emocional vai calibrando as ideías de como ter saúde etc.Mas a busca pela boa vida tem sempre as suas derrotas e um misto de fantasia e realidade nos desvia do racionalismo.Berlant chama estes momentos de “audácia da esperança” : um atalho , muitas vezss sutil , no nosso caminho que mostra que a trajetória tem que ser um constante improviso.A proposta de reflexão do livro também é entender a vida que é levada através de pequenas ambições.O trajeto deve ser percorrido mesmo que , ocasionalmente , naõ esteja bem sinalizado.Não existirá sempre a certeza que estejamos no rumo mais adequado.Pois há coisas que não podem acontecer na sua totalidade até o fim.Muitas são grandes demais para encontrar o seu espaço nos degraus dos fatos.Vamos percebendo que a vida em sua essência tenta acontecer numa espécie de teste da realidade , uma prova de que esta pode suportá-la. E quando olhamos , depois de muito tempo a nossa biografia, podemos nos assustar com pa´ginas em branco espalhadas entre tantas histórias
O homem consiste em tentar ser o que não pode ser,e isto é o que definimos com um verbo apropriado : viver

De certa forma a lição do livro é a persistência mesmo que o enredo de nossa história esteja prestes a terminar e nós , seus pretensos autores , não saibamos como.

sábado, 23 de março de 2019

Um universo dentro de nós








A Holanda foi o berço de Antonie Leeuwenhoek.Sua cidade natal Delft era conhecida por fabricar porcelanas.Mas Leeuwenhoek vinha de uma família de produtores de cestas.Ele era responsável por examinar a qualidade dos tecidos.E o fazia com uma lente que acabou se transformando no primeiro microscópio.Começava a fascinante história da microbiologia.

Mas levou um certo tempo para que sua descoberta eliminasse a antiga teoria das doenças (explicava-se quase tudo através dos chamados humores corporais e miasmas) .Em 1680 ,Leeuwenhok já tinha identificado que haviam micróbios diferentes em partes distintas do corpo e que as crianças têm micróbios diferentes dos adultos.A partir dessa possibilidade de penetrar num mundo até então invisível a associação de bactérias , vírus , fungos etc com doenças seguiu seu caminho de fascinantes mudanças na medicina.

Hoje , diante de tantas novas tecnologias continuamos a nos surpreender com a enorme importância desses microorganismos e suas interações com o homem.Estamos aprendendo que a chamada microbiota humana não é só mais numerosa do que imaginávamos mas que desempenha papel fundamental na nossa saúde e até na nossa personalidade.Temos cerca de 100 trilhões de células microbianas contra 10 trilhões de células humanas.Traduzindo : cerca de 1,5 Kgs do nosso peso são atribuídos aos microorganismos.Esse peso é quase o mesmo do nosso cérebro . Se entrarmos na consideração do DNA : cada um de nós tem cerca de 20 mil genes humanos mas pode ter 20 milhões de genes microbianos.Se somarmos toda essa carga genética chegaremos à conclusão que somos pelo menos 99% micróbios

.Um exemplo prático de como interagimos e dependemos de nossa microbiota : 80% da nossa digestão é feita pelos microorganismos.Os outros 20% são de nossa responsabilidade

Espécies diferentes habitam cada parte do nosso organismo.Assim , bactérias que são encontradas na boca diferem daquelas da pele.É exatamente esta diversidade que fascina os cientistas e vem explicando certas reações corporais.O mais interessante é que entre nós a microbiota também varia.Se pensarmos em termos genéticos (DNA humano) uma pessoa é 99,99% idêntica a outra qualquer.Mas se comparamos os micróbios do intestino notaremos apenas 10% de semelhança.Essa peculiaridade é que realmente nos torna diferentes biologicamente e é responsável por algumas patologias alérgicas,por exemplo, e até mesmo o nosso peso. Pesquisas mostraram que crianças com autismo têm microbioma intestinal diferentes das que não apresentam este problema.Muitos outros achados estão implicando a importância da nossa saúde microbiológica por exemplo : devemos pensar muito antes de ingerir um antibiótico.Apenas uma dose muda a nossa flora intestinal por 4 meses

A astronomia revelou que a Terra não era o centro do universo.O estudo do microbioma demonstra que o humano é mais um animal interagindo a todo momento com o universo que o habita.Não somos indivíduos,somos ecossistemas  

Onde está a consciência ?








Algumas condições como estados de choque , a meditação , experiências “fora do corpo” e intoxicação por drogas alteram nosso senso de tempo e de auto percepção
.Esses momentos têm sido ignorados pela ciência , ou carecem de explicações sensatas
.O neuropsicologista Marc Wittmann publicou um livro (Altered States of Consciousness) onde discute seus argumentos sobre os mistérios da consciência.Seus estudos tiveram inicio com o acompanhamento de pacientes vitimas de traumas do cérebro nos quais a noção de tempo esteve claramente distorcida.O próximo passo foi buscar uma associação pesquisando uma ampla variedade de estados onde a consciência está mudada ( como na meditação e no uso de drogas alucinógenas) , situações ditas como não usuais.

Drogas como o LSD promovem uma perda de conectividade entre certas áreas do cérebro mas , por outro lado , estimulam outras.A psilocibina é capaz de melhorar a ansiedade sobre a proximidade da morte em pacientes terminais.Estes exemplos provam que a consciência é dependente de certas conexões.O cérebro é competente para processar diferenças extremas na percepção.Esta é uma pista que vem sendo profundamente avaliada.

 Wittmann dá o exemplo também da experiência tão frequente dos sonhos.
Eles ocorrem regularmente , para algumas pessoas todas as noites , e não há uma clara distinção com os estados normais conscientes.O que resta de comum nesses fatos é que , simultaneamente , existe uma mudança do sentido do tempo e da percepção individual.Mas isso também acontece em estados normais de consciência. Um exemplo é o que ocorre durante o tédio onde o tempo parece se arrastar mas a percepção está absolutamente normal.Quando estamos completamente absorvidos no que estamos fazendo o tempo flui rapidamente.São as chamadas flutuações conscientes do cotidiano.Essas experiências ilustram as dificuldades de entendermos plenamente a consciência.Wittmann concorda que não temos uma definição pronta.Se perguntarmos a diferentes cientistas e filósofos teremos respostas distintas.Mas se observarmos os estados alterados da mente , onde os processos cerebrais ocorrem de modo diferente , poderíamos aprender sobre como chegar a um consenso.

Um grande debate atravessa a história da filosofia : o que é o self¿ .É uma identidade na mente ou simplesmente uma construção gerada por ausência de comprovações mais exatas ¿ .Na filosofia analítica e na budista existe o consenso que , na verdade , não existe o self.As pesquisas de Marc Wittmann mostram que em estados alterados da consciência o senso de self muda e até , em alguns casos , desaparece.Isto é bastante relacionado às questões básicas que permeiam a história do pensamento humano : se existe uma percepção individual do que ela seria constituída ¿. Essa intersecção da pesquisa científica , da psicologia e da filosofia ainda não chegou á conclusão para o que nos desafia desde sempre.