segunda-feira, 4 de novembro de 2019

a medicalização da vida




A medicalização é uma transformação das condições humanas , das suas capacidades e incapacidades, através de uma intervenção farmacológica.Esse processo ultrapassa a questão restrita ao adoecimento para abranger as propostas , por exemplo , de mudanças de estilo de vida.

A modernidade nos trouxe a constatação de um perigoso encontro : aquele que busca a solução de seus problemas em um comprimido e o prescritor que de modo inconseqüente entende que toda e qualquer terapia é farmacológica.Vamos focar na questão dos antidepressivos : estudos demonstram que somente uma em cada 9 pessoas vai se beneficiar com o seu uso.As 8 restantes são desnecessariamente submetidas aos riscos dos efeitos adversos.O tamanho do efeito destas drogas é modesto , ligeiramente superior quando comparado ao placebo e baseado em escalas de avaliação de questionável relevância clinica.

As alterações de humor comumente refletem as circunstâncias variáveis do cotidiano.A velha frase “ o tempo é o senhor da razão” representa a melhor conduta na maioria dos casos.Muitas manifestações depressivas respondem com sucesso às intervenções psicológicas que não incluem a dependência farmacológica e melhoram substancialmente o desfecho sintomático.

A medicalização já foi entendida como referência do poder médico , segundo as palavras do psicanalista Jean Clavreul.Uma espécie de primazia sobre o paciente.Porém evoluímos para um processo também de escape da medicalização da esfera médica na medida em que a informação socializou e vulgarizou o acesso aos fármacos.Os pacientes agora ocupam uma posição ativa agindo como agentes de mudança.Porém , sem perceber ,acabam se transformando em consumidores de saúde.

Na procura por segurança a arte de cuidar se esvai substituída por uma prescrição mal substanciada,sem a preocupação com sua essência,seu sentido.Mas que medicina é possível para subverter ou , pelo menos , contrapor a isso ?Muito provavelmente aquela que ficou no discurso acadêmico tão fragilizado pelos descasos com a saúde.

Infelizmente estamos numa era onde o imperativo é medicalizar.Não apenas as condições objetivas,como uma terapêutica , mas também as subjetivas , como as nossas angústias .                      

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