Cunhado pelo advogado polonês Raphael Lemkin (1900-1959), o
conceito de genocídio apareceu pela primeira vez no livro "Axis Rule in
Occupied Europe"publicado em 1944.
A palavra que junta "geno" (do grego: raça, classe)
com "cidio" (do latim: matar), se aplicava à política de assassinatos
em massa implementada por Adolf Hitler na Alemanha, mas Lemkin já pensava no
assunto antes disso, quando procurava um nome para os crimes cometidos no
massacre do povo armênio (1915-1923).
Não demorou para o novo conceito ganhar status legal. Em
1948, a recém-criada ONU aprovou a Convenção para Prevenção e Punição do Crime
de Genocídio, definido em duas partes.
Uma delas é a "intenção de destruir, no todo ou em
parte, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso, como tal". A outra
parte lista cinco condutas que, se praticadas com essa intenção, configuram o
crime de genocídio. São elas:
a) matar membros do grupo;
b) causar lesão grave à integridade física ou mental de
membros do grupo;
c) submeter intencionalmente o grupo a condição de
existência capazes de ocasionar-lhe a destruição física total ou parcial;
d) adotar medidas destinadas a impedir os nascimentos no
seio de grupo;
e) efetuar a transferência forçada de crianças do grupo para
outro grupo.
A convenção da ONU passou a valer no Brasil em 1952 e,
quatro anos depois, o então presidente Juscelino Kubitschek sancionou a lei
2.889/1956, que define e pune o crime de genocídio. A lei brasileira repete os
termos das Nações Unidas e acrescenta algumas regras específicas, como as penas
aplicáveis: a mínima não fica abaixo de dois anos de prisão (nos casos de lesão
grave ou transferência forçada) e a máxima pode chegar a 30 anos (no caso de
morte).
Sua primeira e única aplicação no Brasil ocorreu em relação
a um crime de 1993, justamente contra yanomamis. O episódio, conhecido como
massacre do Haximu, deixou 12 indígenas mortos na serra da Parima, região de
Roraima próxima à fronteira da Venezuela.
Aos dois textos legais de meados do século passado se somou
um terceiro, o Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional (TPI),
finalizado em 1998 e em vigor no Brasil desde 2002.
Essa norma apenas reforçou a antiga definição, mas uma
assembleia dos países-membros do Estatuto de Roma esclareceu um ponto: qualquer
uma das cinco condutas do crime de genocídio precisa fazer parte de um padrão
de ações contra um determinado grupo nacional, étnico, racial ou religioso. Ou
seja, não basta uma ação isolada para configurar o genocídio –a menos, é claro,
que dessa ação isolada já resulte a destruição total ou parcial do grupo em
questão.
A necessidade de apontar um padrão dificulta a vida da
acusação. Por outro lado, esse padrão, na maioria das vezes, acaba sendo a
única maneira de demonstrar a intenção do genocida. Afinal, o criminoso evitará
deixar um documento ou dar declarações atestando sua intenção de provocar
extermínio.
Em qualquer crime, descobre-se a intenção a partir de uma
série de circunstâncias que cercam o ato criminoso. Não é diferente no
genocídio. O que se busca é descobrir se há algum padrão que evidencie a
intenção de eliminar um povo. Uma das características que ajudam a identificar
o genocídio é a mobilização da máquina estatal. Caso se comprove que o Estado
criou uma política para destruir um povo, aí temos o genocídio. Essa política
pode passar pelo esvaziamento de órgãos de proteção, pela leniência com
criminosos que ataquem um dado povo e pela ausência de assistência devida.Se o
governo tem o dever de agir e deixa de fazê-lo, mesmo após ter sido alertado
sobre a situação, há uma violação. Começa a se aproximar da figura do dolo
[intenção] ou do dolo eventual, que é aquele em que pode não haver intenção
direta de obter o resultado, mas se assume o risco com uma ação ou omissão.
As pessoas ainda se prendem muito a uma ideia de que o
genocídio só ocorre quando há guerra ou uma matança como a dos armênios ou dos
judeus. Genocídio não é só colocar alguém no paredão e atirar. Não é só pegar o
facão e sair cortando cabeças, como aconteceu em Ruanda. Dá para provocar danos
muito maiores simplesmente deixando de cumprir o dever legal e encorajando o
crime.
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