sábado, 23 de maio de 2020

Covid e o risco de morte


Nós vivemos uma avalanche de estatísticas sobre o Covid-19: numero de mortes,fatalidade,contágio etc .Mas a maioria vive também um temor : qual o risco pessoal de morrer devido à infecção?

Existem ferramentas que podem estipular os números diários em perspectivas , por comparação : Viver numa cidade altamente contaminada teria um risco semelhante ao de fumar um maço de cigarros por dia

Um modo útil de entender os riscos seria entender o que se chama de “micromorte”, que mensura a chance de morrer de um-em um-milhâo.Isso permite comparar o risco de morrer saltando de para-quedas (7 micromortes por salto), ou receber uma anestesia geral (5 micromortes)
A maioria de nós vive com um risco em torno de uma micromorte por dia, ou seja uma em um milhão de chances, de causas não naturais como : ser eletrocutado, sofrer um acidente de carro ou ser atingido por um asteróide.

Usando dados do Centers for Disease Control and Prevention, a cidade de Nova Iorque apresentou cerca de 24.000 mortes a mais do que a média histórica de 15 de Março a 9 de Maio, no pico da pandemia.Esta estatística é considerada a mais precisa em relação ao risco de morrer pelo Covid uma vez que abrange também as mortes indiretas provocadas pela pandemia ( a superlotação do sistema de saúde , por exemplo).
Convertendo na linguagem da micromorte, uma pessoa vivendo na cidade teve aproximadamente 50 adicionais micromortes de risco por dia.
Para comparação : Michigan teve aproximadamente 6.200 mortes a mais no mesmo período.Isso daria uma semelhança de risco de morrer dirigindo uma motocicleta por 70 Kms diários (11 micromortes por dia)
Estar infectado pelo vírus aumenta dramaticamente o risco.Os índices de fatalidade variam na medida em que a medicina avança no entendimento de como tratar a doença.No momento estaria em 10.000 micromortes por dia.

O risco estimado é para uma população inteira com uma média de idade de 38 anos.Para pessoas mais idosas o risco pode ser 10 vezes maior
A ocorrência do risco depende , é claro , das próprias atitudes de cada pessoa. Diferente de saltar de paraquedas , onde o risco é pessoal , com o Covid-19 as ações individuais mudam os riscos também comunitários.


sábado, 16 de maio de 2020

Imunidade de rebanho



Atingir essa proteção através da infecção só funciona se a doença realmente produzir imunidade.Nós não sabemos ainda o quanto de imunidade e por quanto tempo ela perdura no caso do coronavírus.
O grande dilema é que para se atingir um determinado numero de pessoas infectadas , e , pressupostamente "imunizadas" um numero muito grande de óbitos ocorreria.
Um exemplo prático > a população atual do EUA é de cerca de 330 milhões de pessoas.Um indice de 60% de individuaos infectados representaria 198 milhões. Usando a mais baixa taxa de indice de mortalidade, 0.5% ,cerca de 1 milhão de pessoas iriam morrer (em 13 de Maio tinham morrido 80 mil).
A imunidade de rebanho é o que acontece quando não fazemos nada.

sexta-feira, 15 de maio de 2020

Recessão e pandemia



Transcrevo alguns trechos da economista Laura Carvalho sobre a retomada da economia e a pandemia.
Excelente reflexão


Em seu último relatório de política monetária, o Banco da Inglaterra projetou que a economia do Reino Unido enfrentará em 2020 a maior recessão dos últimos 300 anos, com uma queda do PIB de quase 30% no primeiro semestre. No Brasil, as projeções do Boletim Focus de uma contração de mais de 4% no ano ainda soam demasiadamente otimistas para o que deve ser a maior queda anual do PIB de nossa série histórica. O fato é que a crise causada pela covid-19 tem proporções e características inéditas — a crise causada pela pandemia, não pelas medidas quarentenárias impostas para combatê-la.

Quanto a esse último ponto, cabe ressaltar que o Banco Central da Suécia — país que se recusou a seguir outros países europeus na adoção de medidas restritivas, mantendo abertas suas escolas e comércio — estimou uma queda de 7-10% do PIB no ano. Se confirmado, o resultado não é muito diferente do previsto para países que fizeram o lockdown: o Deutsche Bank projeta contração de 9% na Alemanha, por exemplo. A diferença parece estar mesmo no número de óbitos: 311 a cada milhão de habitantes na Suécia, ante 40 a cada milhão em sua vizinha Noruega, de acordo com os números disponíveis em 10 de maio.

Sim, é verdade que o fechamento obrigatório de setores econômicos inteiros tem um impacto direto nos níveis de produção, contraindo automaticamente o PIB pelo lado da oferta de bens e serviços. Mas a crise vem também pelo lado da demanda, o que se deve não apenas às restrições à circulação dos consumidores por meio de medidas quarentenárias, mas também ao próprio medo do contágio pelo vírus e à queda das exportações do país derivada do colapso da renda global e do comércio mundial.

Nos estados norte-americanos do Texas, Tennessee e Georgia, que começaram a reabrir suas economias na última semana de abril, os primeiros números de frequência em restaurantes sugerem que foi recuperada menos de 20% da queda observada desde o início de março. É ilusório, portanto, imaginar que o fim das medidas quarentenárias em meio a um número explosivo de mortes por covid-19 é capaz de fazer com que consumidores retomem normalmente suas atividades, injetando ânimo ao mercado interno. Muito pelo contrário, a frouxidão das medidas quarentenárias e seu relaxamento prematuro podem adiar ainda mais a recuperação da economia em meio aos novos surtos de contágio e ao colapso do sistema hospitalar.

Nesse contexto, as medidas desenhadas para atenuar a recessão gerada pela pandemia e evitar que se torne uma longa depressão econômica também fogem da macroeconomia convencional. As crises de 1929 e de 2008 originaram-se no sistema financeiro e contagiaram a economia real em um efeito cascata: bancos deixaram de emprestar, empresas perderam valor na bolsa e deixaram de investir, consumidores perderam emprego e renda, deixando de comprar bens e serviços e/ou de pagar suas dívidas. Tais efeitos se retroalimentam, na medida em que a queda no consumo prejudica ainda mais os lucros das empresas e a inadimplência de empresas e famílias dificulta ainda mais a obtenção de crédito no sistema bancário. Esse é o tipo de quadro que exige a adoção de estímulos macroeconômicos pelo Estado por meio da política monetária (redução da taxa de juros e injeção de liquidez no sistema financeiro) e, sobretudo, da política fiscal (expansão de gastos e investimentos públicos). Esse tipo de intervenção anticíclica atua como um contraponto à postura defensiva do setor privado, que ao cortar seus gastos e empréstimos aprofunda a crise.

No entanto, para que tal atuação seja capaz de redinamizar a economia, é necessário que a criação de renda e empregos trazida pelo aumento dos gastos públicos tenha efeitos multiplicadores, ou seja, induza um consumo maior por parte das famílias, elevando também as vendas e os investimentos das empresas, e assim por diante. Mas o que fazer em meio a uma pandemia, em que a necessidade de preservação das vidas limita justamente esses efeitos multiplicadores? Como agir para reativar a economia quando não é nem possível e nem desejável que os consumidores voltem ao seu comportamento usual, invadindo shoppings e adquirindo serviços que os expõem ao risco de contágio?

O colapso econômico atual, ao contrário dos que o mundo experimentou em 1929 e 2008, não é fruto do contágio da economia real por uma crise no setor financeiro e sim do contágio da economia real por uma crise de saúde pública ou, grosso modo, do contágio por um vírus. Pandemias anteriores de alta gravidade tampouco têm efeitos comparáveis, na medida em que se deram em um mundo muito menos globalizado, com menor integração comercial e financeira entre os países.

Assim, as medidas para atenuar a crise econômica e social causada pela covid-19 devem ser divididas em ao menos duas fases. Na primeira, devemos atacar suas origens — a disseminação do vírus — e garantir a sobrevivência de famílias e empresas. Não se trata de estimular a demanda, e sim de transferências de renda que garantam a subsistência dos mais vulneráveis sem que eles precisem se expor ao contágio pelo vírus. No caso das empresas, a prioridade é prover crédito barato e outros subsídios que evitem falências e demissões.

Tais medidas também ajudam a preparar a segunda fase, que só pode ser iniciada com a forte diminuição do número de casos e óbitos e a implementação de testagem em massa. Nessa etapa, quanto menor tiver sido a perda de vínculos empregatícios, o fechamento de negócios e a absorção de famílias pela espiral de pobreza, mais fácil será a recuperação. A retomada tampouco irá se dar em um cenário em que o risco de novos surtos de contágio ainda é alto, o que mantém empresas e famílias relutantes em realizar decisões de produção, investimento e consumo. Caso essas condições estejam dadas, a macroeconomia pode então voltar à cena requerendo, aí sim, estímulos à demanda via investimentos públicos em infraestrutura física e social e outros gastos com alto efeito multiplicador sobre a renda e os empregos.

Já não seria nada fácil concluir com a imagem de um longo caminho pela frente, mas a julgar pelo que ocorre no Brasil, às vezes parece que nem sequer chegaremos lá.

quinta-feira, 14 de maio de 2020

manual para a pandemia







No inicio da pandemia pelo HIV vivemos a confusão e o medo. A AIDS era conhecida como a "peste gay". Foi comum , por um tempo , que os homossexuais recebessem o conselho de evitar o sexo. Em 1983, Richard Berkowitz e Michael Callen publicaram um documento para a comunidade gay chamado “How to Have Sex in an Epidemic.” Era o reconhecimento da importância do prazer para a vida das pessoas. Rejeitava a abstinência como abordagem exclusiva e propunha um guia para o que depois veio a ser cunhado de sexo seguro.

Sabemos há décadas que a mensagem única de abstinência não funciona para o sexo , como não funciona para quem usa drogas. De certa forma, na maioria dos países , a mensagem do distanciamento social , simplesmente , não irá conter o coronavírus.
Fique em casa: é a ordem da vez. Temos que achatar a curva. Não importa por quanto tempo e custo. Mas a fadiga da quarentena é bem real : um sentimento de profundo mal estar oriundo dessa experiência nunca antes vivida nos tempos modernos. Além do desastre econômico, o isolamento está proporcionando profundos danos psicológicos,especialmente em pessoas com tendências depressivas ou de ansiedade. Uma recente pesquisa do Kaiser Family Foundation mostrou que metade dos americanos percebem problemas com sua saúde mental.

Somamos a isso os constantes alertas das autoridades em saúde que consideram que o retorno ás atividades econômicas será um desastre em termos de novos casos de coronavírus. Muitos lugares não têm a segurança de testar e rastrear com segurança os pacientes e testes sorológicos mostram que a maior parte da população não foi exposta ao vírus. Uma vacina está distante enquanto novos casos aumentam a cada dia.
A escolha entre ficar em casa indefinidamente ou retornar ao trabalho neste momento é falsa. O risco não é binário. Uma abordagem de tudo ou nada quando se fala em prevenção de uma doença pode ter consequências imprevisíveis.
Campanhas públicas que promovem a total eliminação do risco, como a abstinência sexual, estão perdendo a oportunidade de promover a adoção de comportamentos de menos-risco,mais sustentáveis a longo prazo. A abstinência apenas não só é ineficaz mas associada com piores desfechos. Isso porque priva as pessoas de um real entendimento de como reduzir seus riscos e mesmo assim manter a atividade sexual.
Sem uma compreensível abordagem do risco a mensagem só estigmatiza.
Berkowitz e Callen sabiam que a abstinência indefinida não seria realisticamente  adotada. Esse modelo proposto por eles é uma redução do dano que reconhece que algumas pessoas irão se expor ao risco, queiramos ou não.A proposta então é oferecer estratégias para diminuir ao máximo as consequências.
O que funciona para o coronavírus? Primeiro , é necessário distinguir os tipos de atividades publicas (de baixo ou alto risco de transmissão viral); nestes casos podemos falar até em abstinência (ou seja , não se expor). Nem todas as ocupações oferecem riscos iguais de contaminação.Alguns ambientes podem ser remodelados ou adequados para oferecerem a maior segurança. Segundo, entender os fatores contextuais que estão levando as pessoas a tomarem decisões de risco (necessidade de contato humano , solidão, ansiedade , prazer , economia). Um exemplo clássico é a necessidade de praticar exercicios fisicos ao ar livre.De baixissimo impacto na questão de transmissão e que pode ser mitigada com segurança.

Na verdade o que precisamos é um manual para conviver com a pandemia. Semelhante ao escrito na década de 80.

o caminho da desinformação



A pandemia pelo COVID-19 é a maior emergência em saúde publica e o sucesso de seu manejo está diretamente relacionado à efetiva disseminação das evidências científicas.
As plataformas sociais , com bilhões de visualizações por dia, saõ inflenciadoras potentes . O YouTube é uma delas e têm um forte apelo midiatico.
Entretanto, uma analise criteriosa sobre o conteúdo dos vídeos postados sobre o coronavírus até então não tinha sido realizada. O jornal BMJ Health se propôs a realizar esta importante pesquisa e , criteriosamente , à luz da ciência , investigou os 75 vídeos mais visualizados que abordassem o assunto covid19’ com menos de uma hora de duração
Numa primeira revisão de 150 videos, 69 (46%) foram inclusos totalizando 257 804 146 visualizações. 19 (27.5%) continham informações não factuais ( 62 042 609 visualizações).
A conclusão foi de que um quarto dos vídeos mais assistidos expunham informações inverídicas atingindo milhões de pessoas em todo o mundo.

sexta-feira, 8 de maio de 2020

Cloroquina e ideologia




Em 29 de janeiro , um jornal chinês noticiou que três medicamentos poderiam ter efeito contra o novo coronavírus , recentemente descoberto. Eles pareciam inibir o vírus em células de laboratório. 

Uma semana após, o jornal Cell Research publicou uma carta de pesquisadores do Wuhan Institute of Virology que deram mais detalhes de duas drogas testadas: a cloroquina, desenvolvida em 1930 para tratar a malaria, e o remdesivir,experimentada sem sucesso clinico para o vírus Ebola. Em pouco tempo , pesquisadores chineses anunciaram estudos clínicos em pacientes utilizando a hidroxicloroquina, derivada da cloroquina e considerada mais segura.

Quase que simultaneamente uma série de postagens no Twitter passou a viralizar. Em 11 de Março , um empresário da Austrália residente na China ,famoso pelos seus investimentos em moeda virtual (bitcoin) “ twittou”  que a cloroquina iria resolver o problema da pandemia.
Em 16 de Março, Elon Musk , conhecido empresário ligado à tecnologia digital , repercutiu a noticia. 3 dias após, Donald Trump em uma conferência de imprensa anunciou que a droga tinha apresentado resultados muito promissores. Ele a chamou de uma droga miraculosa

O que se seguiu depois foi o levantamento da questão se a cloroquina é segura e efetiva gerando mais um dualismo que nos aflige nos tempos modernos : um tribalismo politico recheado de polarização.
Apoiadores de Trump defenderam e compartilharam por redes sociais evidências não comprovadas da eficácia da droga; os críticos de Trump mostraram o contrário : não havia suporte cientifico para o seu uso. A partir daí a imprensa polarizada passou a publicar apenas o que seria de seu interesse politico e ideológico.

Vivemos uma crescente polarização sobre valores políticos que impactam nos fatos que atingem todos nós. Isso se estende a assuntos que são decisivos na saúde : mudanças climáticas , teoria da evolução , segurança de vacinas e , no momento , como controlar o Covid 19.

O coronavírus trouxe novas oportunidades para o reforço destas dicotomias. Dependendo das preferências politicas , as opiniões obre o vírus e seus impactos divergem por completo. Uns defendem as medidas de contenção , outros consideram que a vida deve continuar deixando que a pandemia siga seu curso ceifando milhares de vidas. Ativistas acreditam que seus líderes ao menosprezarem a infecção estão corretos . A questão da cloroquina foi ainda mais estúpida pois foi defendida sem nenhum rigor científico.

No que pode resultar essa polarização ¿

Os mais comuns assuntos que levam a opiniões radicalmente opostas , do dia-a dia, têm consequências mais diluídas na sociedade. Ninguem morre por causa de suas crenças a respeito da teoria da evolução. Prejuízos advindos do aquecimento global ou do uso de vacinas tem repercussões mais lentas. Escolhas erradas sobre o Covid 19 podem ter impactos muito mais agudos não só pessoais mas sociais.

As melhores informações sobre a pandemia estão em constante fluxo. Novos artigos científicos são publicados todos os dias, muitas vezes contradizendo achados anteriores . As normas científicas para publicação, que normalmente levam tempo para serem aprovadas, estão permitindo uma situação chamada de “ peer review” que significa que o artigo ainda não foi submetido ao crivo de rigorosidade , ou seja , não foi ainda validado . Desta forma , para os assíduos polarizadores , suas crenças podem ter uma certa “ base” científica , desde , é claro , que sejam pertinentes com sua ideologia.

Desta forma existe uma grande monta de informações circulando que pode ter uma legitimidade cientifica mas que ainda não estão adequadamente evidentes. Os argumentos sobre a cloroquina recaem nesta categoria.A despeito da defesa de uma parcela polarizada, todos os estudos definitivos ( e portanto com o aval da credibilidade científica) o medicamento não melhora os desfechos clínicos e tem efeitos colaterais preocupantes.

Essa legitimação dos dados não saõ repercutidas por aqueles que defenderam a sua utilização. Jair Bolsonaro propagou , seguindo os caminhos de Trump , o seu uso e tanto os seus seguidores quanto o resto da população foram desinformados diante das evidências que foram sendo geradas. Num momento em que precisamos de reais lideranças as afirmações baseadas no achismo ou num excitamento populista são na verdade desinformações de caráter muito grave , impondo risco inmensuráveis à população.

Num mar de incertezas, as pessoas estão decidindo de que modo nadar direcionada por fatores sociais e não científicos.

Aqueles que propagam uma verdade isolada ao invés da ampla verdade estão sendo falsos.
As pessoas se tornam desinformadas ao acreditarem somente naqueles com quem se identificam , ouvem apenas as suas identidades politicas e se conformam com os seus contatos de redes sociais , enclausuradas em castas ideológicas.É comum se sentirem desconfortadas ao discordarem de seus amigos ou familiares. Esses fatores sociais podem levar a facções de crenças: grupos que compartilham credos em comum geralmente não embasados numa lógica de bom senso. Esse tipo de casta acaba por expandir os mais diversos assuntos pré julgando os mais diversos temas com um denominador em comum rotulado.

O caso da cloroquina foi emblemático. Seus defensores simplesmente aceitaram um argumento que foi implantado como uma verdade absoluta pela raíz da polarização.Essa erva daninha que corrói o bom senso e solidifica diferenças cruéis

ainda sobre os testes diagnósticos para Covid 19




Existem mais de 200 testes sorológicos para o Coronavírus produzidos por um amplo número de laboratórios , a maioria sem controle de como estão sendo comercializados; apenas doze foram submetidos ao processo de Autorização Emergencial do FDA, que representa um processo bem menos rigoroso que a aprovação normal.

O FDA sinaliza aos laboratórios para que demonstrem suas medidas de acurácia , baseadas em relatos dos próprios fabricantes . Na prática estes resultados são totalmente diferentes do que é propagado.
O problema maior com boa parte dos exames é o dano dos resultados duvidosos quando aplicados em larga escala: principalmente aqueles com conclusões que chamamos de falsos positivos. O maior objetivo da sorologia seria o de detectar pessoas já expostas ao coronavírus com a formação de uma resposta imune de anticorpos.

Recentemente, o laboratório Roche anunciou sua aprovação de emergência para aquele que seria o teste mais sensível já lançado: foi reportado um especificidade de 99.8 %, o que significaria que de 1000 pessoas que não tivessem anticorpos, somente 2 poderiam ter um teste que erroneamente acusaria a sua presença.
Com os testes atualmente no mercado, 200 pessoas em 1000, teriam um resultado falso positivo. Mesmo para um teste de especificidade de 95%, que é o que o FDA preconiza, 50 pessoas testariam positivo sem ter os anticorpos.

A imunidade ainda é uma incerteza para quem teve o covid 19. Não sabemos se , de que modo e por quanto tempo alguém infectado vai se tornar protegido. Vírus diferentes atuam de forma diferente: para alguns a imunidade é perene; para outros é muito curta. Existe a possibilidade que uma infecção antiga, que tenha produzido uma imunidade fraca , ainda sirva de resposta de memória , ou seja , quando a pessoa se expõe ao antigo vírus a sua defesa se reforça e se torna competente. Para o coronavírus também se discute se a intensidade da infecção interferiria no tipo e tempo de resposta imune .

Existem mais questões do que respostas antes de assumirmos o chamado “passaporte da imunidade” : um teste que indicaria exposição prévia ao vírus e consequente proteção.
Uma importante questão que vem impulsionando a feitura dos testes é a necessidade de reabertura do comércio e escolas.Os resultados incertos podem expor muitos indivíduos à infecção diante da premissa falsa que estariam imunizados.
Existe porém uma utilidade para os testes.Eles poderiam ser aplicados a uma determinada população estudando-se o seu resultado global, permitindo aos pesquisadores avaliarem erros cruzando os dados com os casos realmente positivos (detectados pelo exame genético)


segunda-feira, 4 de maio de 2020

as lições econômicas da gripe espanhola




A pandemia atual tem levantado questões cruciais sobre o impacto econômico que medidas restritivas podem acarretar. As dúvidas são cruciais : quais os reais efeitos econômicos ¿ estes são temporários ou permanentes ? como a resposta da saúde publica afeta a gravidade e minimiza ou não suas sequelas?

Uma tentativa de responder estas questões pode ser feita avaliando-se a história da Pandemia da Influenza H1N1 de 1918 .  Um estudo detalhado explorou as variações espaciais na gravidade e velocidade de propagação do vírus e os momentos em que as medidas de contenção foram implementadas : fechamento de escolas , teatros , igrejas , restrição do trabalho e quarentenas.

A analise teve dois principais pontos explorados : o primeiro avaliou áreas onde a doença mais severamente afetou a população e viu-se um rápida e persistente declínio da atividade econômica. O segundo , onde as medidas de diminuição da transmissibilidade foram estabelecidas de modo precoce e extensivo e que incorreu num desfecho melhor para a economia

Outros resultados importantes obtidos do estudo demonstram que cidades que tiveram uma alta mortalidade também observaram um declínio da atividade econômica. Em comum elas apresentavam uma baixa taxa de adesão às medidas de prevenção
Isto sugere que estabelecer medidas de contenção precoce não só beneficia a preservação de vidas mas também a própria economia.

Áreas mais gravemente afetadas experimentaram um declínio nas empregos de mão de obra , saída de fabricação e bens duráveis após 1918. As estimativas estimam que houve redução de 18% nessas atividades. Essas consequências foram duráveis com relatos de persistência até 1923.
Comparando cidades pela rapidez e agressividade das medidas de contenção, foi possível de se estabelecer uma ausência de relação com uma piora econômica. Pelo contrário , cidades que agiram cedo e de modo mais consistente tiveram um relativo beneficio nos índices econômicos. Reagir 10 dias antes da chegada da pandemia foi decisivo para que os índices sofressem menor prejuízo. Diferenças significativas também foram importantes : a qualidade do sistema de saúde e a capacitação politica.

Obviamente que esses resultados têm que vistos num contexto da época onde a ciência e as relações de trabalho eram outras. A pandemia de 1918 foi significativamente mais letal que a COVID-19, especialmente para os indivíduos trabalhadores, portanto uma parte do mérito das medidas de contenção , para a economia , advém da proteção estabelecida nesta faixa etária.

No final o que podemos concluir deste estudo?
Economia e pandemia é diferente de economia normal. A pandemia é , por si própria tão prejudicial para a economia que qualquer medida usada para a minimizar o problema poderá potencialmente ser um bem , ao menos em  médio prazo .

domingo, 3 de maio de 2020

Remdesivir




O Remdesivir é uma droga antiviral que foi inicialmente testada para tratar a hepatite C e outros vírus respiratórios. Não houve sinais de evidências de melhora com seu uso.. Posteriormente foi utilizada como uma opção para o Ebola , novamente sem sucesso.

No dia 01 de maio o FDA aprovou em caráter emergencial a droga para o tratamento de pacientes graves com Covid-19.

Dr. Mark Denison da Vanderbilt University é um dos pesquisadores que redescobriu seu potencial uso estudando outros tipos de coronavírus. Daí , o remdesivir tronou-se um candidato a preencher essa lacuna preocupante de drogas antivirais .

O estudo que validou sua aprovação foi patrocinado pelo National Institute of Allergy and Infectious Diseases, incluiu mais de 1.000 pacientes graves e o resultado foi : aqueles que usaram o remdesevir se recuperaram mais rápido que no grupo placebo: em 11 dias versus 15 dias.
O problema é que a droga não reduziu significativamente os índices de mortalidade. 
Críticos do estudo afirmam que o desfecho primário que era pretendido no trabalho , ou seja , redução de óbitos , não foi portanto atingido e foi substituído por um tempo menor de recuperação.

Os Coronavirus têm muito mais RNA do que os cientistas imaginavam. Muitos vírus que causam epidemias têm essa característica e mutam com frequência ( exemplo : o influenza).
Dr. Denison na sua pesquisa com o antiviral mostrou empolgação exatamente pela ação in vitro na quebra da cadeia do RNA.Mas ele falhou em várias situações de “vida real “ para os vírus contra os quais foi testado.

Ainda não é possível se entusiasmar com sua promessa.
Um estudo desta semana na China , publicado na prestigiosa revista Lancet , mostrou que o Remdesevir não mostrou nenhum beneficio.


sexta-feira, 1 de maio de 2020

a banalização da morte



As grandes epidemias , assim como as guerras , massificam a morte , transformando-a em um evento para além de nossa compreensão. As vitimas morrem duas vezes : a fisica é reforçada pelo anonimato estatístico.

Alber Camus , no livro " a peste" , escreveu que " um morto não tem substância , a não ser a de quem realmente o viu morto ; cem milhões de cadáveres espalhados pela história não passam de uma nuvem de fumaça na imaginação".

Nínguem deplora por uma multidão nem lamenta à beira do túmulo de uma abstração.

Parece que não temos o instinto do pesar coletivo nem a solidariedade biológica que surge com a destruição de nossos semelhantes. Em nossos piores momentos podemos notar uma complacência perversa diante dos massacres  , tsunamis , desastres naturais.
Na filosofia temos evidências de que para muitos a lamentação de um cataclisma só acontece depois de ser personificado.
Não temos ainda a figura simbólica da pandemia do coronoavírus.Talvez não tenhamos nessa época de imagens descartáveis e menos impactantes.

O bombardeamento incessante de números anestesia a importância da perda. E gera , como que num ato de entorpecimento , um olhar abstrato que já não se surpreende.
Sem reconhecer passamos a considerar que morrer "menos" é melhor . Afinal , em nosso instinto egocêntrico exacerbado a morte afinal é distante. Contabilizamos , insensíveis , o anonimato dos casos .

Decisões contra a vida , em prol de qualquer objetivo , foram e são consideradas discutíveis justificando -se , novamente , os objetivos meramente pessoais. Sem precedentes na história ética , líderes políticos e economistas defendem valores e perdas não dimensionando a dor insustentável do adoecer e morrer . O parco resquício humanista de quem olha com os olhos das cifras esvai-se em justificativas desprovidas de qualquer valor moral.

Um antigo preceito judaico afirma que se puséssemos uma única vida em um prato da balança e o resto do mundo no outro , a balança ficaria equilibrada.
Antoine de Saint Exupery  se perguntava por que sempre agimos como se algo tivesse um preço ainda maior do que a vida , quando , indubitavelmente , a vida humana é inestimável.