Em 29 de janeiro , um jornal chinês noticiou que três
medicamentos poderiam ter efeito contra o novo coronavírus , recentemente
descoberto. Eles pareciam inibir o vírus em células de laboratório.
Uma semana
após, o jornal Cell Research publicou uma carta de pesquisadores do Wuhan
Institute of Virology que deram mais detalhes de duas drogas testadas: a
cloroquina, desenvolvida em 1930 para tratar a malaria, e o remdesivir,experimentada
sem sucesso clinico para o vírus Ebola. Em pouco tempo , pesquisadores chineses
anunciaram estudos clínicos em pacientes utilizando a hidroxicloroquina,
derivada da cloroquina e considerada mais segura.
Quase que simultaneamente uma série de postagens no Twitter
passou a viralizar. Em 11 de Março , um empresário da Austrália residente na
China ,famoso pelos seus investimentos em moeda virtual (bitcoin) “ twittou” que a cloroquina iria resolver o problema da
pandemia.
Em 16 de Março, Elon Musk , conhecido empresário ligado à tecnologia
digital , repercutiu a noticia. 3 dias após, Donald Trump em uma conferência de
imprensa anunciou que a droga tinha apresentado resultados muito promissores. Ele
a chamou de uma droga miraculosa
O que se seguiu depois foi o levantamento da questão se a
cloroquina é segura e efetiva gerando mais um dualismo que nos aflige nos
tempos modernos : um tribalismo politico recheado de polarização.
Apoiadores de Trump defenderam e compartilharam por redes
sociais evidências não comprovadas da eficácia da droga; os críticos de Trump
mostraram o contrário : não havia suporte cientifico para o seu uso. A partir
daí a imprensa polarizada passou a publicar apenas o que seria de seu interesse
politico e ideológico.
Vivemos uma crescente polarização sobre valores políticos que
impactam nos fatos que atingem todos nós. Isso se estende a assuntos que são
decisivos na saúde : mudanças climáticas , teoria da evolução , segurança de vacinas
e , no momento , como controlar o Covid 19.
O coronavírus trouxe novas oportunidades para o reforço
destas dicotomias. Dependendo das preferências politicas , as opiniões obre o
vírus e seus impactos divergem por completo. Uns defendem as medidas de
contenção , outros consideram que a vida deve continuar deixando que a pandemia
siga seu curso ceifando milhares de vidas. Ativistas acreditam que seus líderes
ao menosprezarem a infecção estão corretos . A questão da cloroquina foi ainda
mais estúpida pois foi defendida sem nenhum rigor científico.
No que pode resultar essa polarização ¿
Os mais comuns assuntos que levam a opiniões radicalmente
opostas , do dia-a dia, têm consequências mais diluídas na sociedade. Ninguem
morre por causa de suas crenças a respeito da teoria da evolução. Prejuízos
advindos do aquecimento global ou do uso de vacinas tem repercussões mais
lentas. Escolhas erradas sobre o Covid 19 podem ter impactos muito mais agudos
não só pessoais mas sociais.
As melhores informações sobre a pandemia estão em constante
fluxo. Novos artigos científicos são publicados todos os dias, muitas vezes contradizendo
achados anteriores . As normas científicas para publicação, que normalmente
levam tempo para serem aprovadas, estão permitindo uma situação chamada de “
peer review” que significa que o artigo ainda não foi submetido ao crivo de
rigorosidade , ou seja , não foi ainda validado . Desta forma , para os
assíduos polarizadores , suas crenças podem ter uma certa “ base” científica ,
desde , é claro , que sejam pertinentes com sua ideologia.
Desta forma existe uma grande monta de informações
circulando que pode ter uma legitimidade cientifica mas que ainda não estão
adequadamente evidentes. Os argumentos sobre a cloroquina recaem nesta
categoria.A despeito da defesa de uma parcela polarizada, todos os estudos definitivos
( e portanto com o aval da credibilidade científica) o medicamento não melhora
os desfechos clínicos e tem efeitos colaterais preocupantes.
Essa legitimação dos dados não saõ repercutidas por aqueles
que defenderam a sua utilização. Jair Bolsonaro propagou , seguindo os caminhos
de Trump , o seu uso e tanto os seus seguidores quanto o resto da população
foram desinformados diante das evidências que foram sendo geradas. Num momento
em que precisamos de reais lideranças as afirmações baseadas no achismo ou num
excitamento populista são na verdade desinformações de caráter muito grave ,
impondo risco inmensuráveis à população.
Num mar de incertezas, as pessoas estão decidindo de que
modo nadar direcionada por fatores sociais e não científicos.
Aqueles que propagam uma verdade isolada ao invés da ampla
verdade estão sendo falsos.
As pessoas se tornam desinformadas ao acreditarem somente
naqueles com quem se identificam , ouvem apenas as suas identidades politicas e
se conformam com os seus contatos de redes sociais , enclausuradas em castas
ideológicas.É comum se sentirem desconfortadas ao discordarem de seus amigos ou
familiares. Esses fatores sociais podem levar a facções de crenças: grupos que
compartilham credos em comum geralmente não embasados numa lógica de bom senso.
Esse tipo de casta acaba por expandir os mais diversos assuntos pré julgando os
mais diversos temas com um denominador em comum rotulado.
O caso da cloroquina foi emblemático. Seus defensores
simplesmente aceitaram um argumento que foi implantado como uma verdade
absoluta pela raíz da polarização.Essa erva daninha que corrói o bom senso e
solidifica diferenças cruéis