Os desafios da medicina
O grande paradoxo que cerca a medicina é a coexistência de
um corpo muito bem estruturado mas com falhas e fragilidades que resultam em
doenças.Como pôde a seleção natural desenvolver complexidades fisiológicas
fantásticas mas permitir que várias outras estruturas se tornassem tão
ineptas¿.Basta olharmos para alguns órgãos tão adequados (o tecido ósseo,por
exemplo) e outros tão desajustados (o sistema imunológico para quem sofre de alergias) . A medicina dedica um tempo
extraordinário tentando entender as nossas dificuldades.Mas é a suntuosidade da
ciência que nos sobressalta a todo momento e cria uma enorme tensão no nosso
compromisso de fazer o correto.Temos assimilado nesses séculos de descobertas
um imenso conhecimento mas o volume e a diversidade têm excedido a nossa
habilidade individual para possibilitar usá-lo na sua plenitude.O conhecimento
nos tem salvo e nos tem sobrecarregado.Ainda constatamos que a maioria das
doenças são difíceis de tratar.Hoje , catalogamos mais de 13 mil patologias ,
ou seja , temos mais de 13 mil modos diferentes de adoecer.Para a maioria delas
a ciência tem nos ajudado de alguma forma.Temos à nossa disposição 6 mil
medicamentos e cerca de 4 mil procedimentos clínicos e cirúrgicos,todos com
seus riscos e benefícios.A medicina se tornou , evolutivamente ,a arte de
manejar a extrema complexidade.
Se escolhermos um dia qualquer , cerca de 9 mil pessoas
estarão entrando em uma unidade de terapia intensiva no Brasil.E , a cada ano ,
suas necessidades serão maiores.Muitos precisarão de medidas invasivas ,
cateteres , sondas , respiração mecânica.Há 20 anos um trabalho realizado em
Israel mostrou que cada paciente em média necessita de cerca de 178 ações por
dia de um cuidador.É o eterno desafio de cuidar.
E seguimos nesse processo : temos um paciente extremamente
debilitado e chances de salvá-lo.Mas para tanto é necessário aplicar o
conhecimento e ter a certeza que os 178 procedimentos funcionarão na mais
perfeita sintonia.A medicina vive seu sucesso deslumbrante mas também suas
frequentes falhas.Precisamos frequentemente nos lembrar e estarmos cientes de que devemos tomar a
melhor decisão com a informação que possuímos no tempo certo .Ainda assim o
status fundamental da medicina é a incerteza.Pode soar surpreendente que apesar
de tantos avanços tecnológicos a dificuldade de tratar os pacientes mais
frequentemente baseia-se no que não sabemos do que sabemos.
Decisões na medicina,como em nossas vidas , têm
consequências bastante complexas que se somam.
Gary Klein , psicólogo americano , dedicou seu trabalho de
toda uma vida à observação de como as pessoas lidam com as incertezas.Sua tese
é de que temos uma capacidade de simplesmente reconhecer a coisa certa a fazer
em algumas ocasiões.Raramente esse julgamento é fruto de uma avaliação
calculista.É um padrão inconsciente de reconhecimento.
Propostas de estratégias para mudanças são inúmeras.Mas
grande parte da incerteza com relação ao que fazemos pelos pacientes irá
continuar.As doenças e a vida humana são complicadas demais para pensarmos numa
realidade perfeita.
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