sexta-feira, 14 de julho de 2017

Minha primeira coluna no Jornal de Santa Catarina

Com muita felicidade transcrevo a minha primeira coluna  a ser publicada no jornal de Santa Catarina.


Os desafios da medicina

O grande paradoxo que cerca a medicina é a coexistência de um corpo muito bem estruturado mas com falhas e fragilidades que resultam em doenças.Como pôde a seleção natural desenvolver complexidades fisiológicas fantásticas mas permitir que várias outras estruturas se tornassem tão ineptas¿.Basta olharmos para alguns órgãos tão adequados (o tecido ósseo,por exemplo) e outros tão desajustados (o sistema imunológico para quem sofre  de alergias) . A medicina dedica um tempo extraordinário tentando entender as nossas dificuldades.Mas é a suntuosidade da ciência que nos sobressalta a todo momento e cria uma enorme tensão no nosso compromisso de fazer o correto.Temos assimilado nesses séculos de descobertas um imenso conhecimento mas o volume e a diversidade têm excedido a nossa habilidade individual para possibilitar usá-lo na sua plenitude.O conhecimento nos tem salvo e nos tem sobrecarregado.Ainda constatamos que a maioria das doenças são difíceis de tratar.Hoje , catalogamos mais de 13 mil patologias , ou seja , temos mais de 13 mil modos diferentes de adoecer.Para a maioria delas a ciência tem nos ajudado de alguma forma.Temos à nossa disposição 6 mil medicamentos e cerca de 4 mil procedimentos clínicos e cirúrgicos,todos com seus riscos e benefícios.A medicina se tornou , evolutivamente ,a arte de manejar a extrema complexidade.
Se escolhermos um dia qualquer , cerca de 9 mil pessoas estarão entrando em uma unidade de terapia intensiva no Brasil.E , a cada ano , suas necessidades serão maiores.Muitos precisarão de medidas invasivas , cateteres , sondas , respiração mecânica.Há 20 anos um trabalho realizado em Israel mostrou que cada paciente em média necessita de cerca de 178 ações por dia de um cuidador.É o eterno desafio de cuidar.
E seguimos nesse processo : temos um paciente extremamente debilitado e chances de salvá-lo.Mas para tanto é necessário aplicar o conhecimento e ter a certeza que os 178 procedimentos funcionarão na mais perfeita sintonia.A medicina vive seu sucesso deslumbrante mas também suas frequentes falhas.Precisamos frequentemente nos lembrar  e estarmos cientes de que devemos tomar a melhor decisão com a informação que possuímos no tempo certo .Ainda assim o status fundamental da medicina é a incerteza.Pode soar surpreendente que apesar de tantos avanços tecnológicos a dificuldade de tratar os pacientes mais frequentemente baseia-se no que não sabemos do que sabemos.
Decisões na medicina,como em nossas vidas , têm consequências bastante complexas que se somam.
Gary Klein , psicólogo americano , dedicou seu trabalho de toda uma vida à observação de como as pessoas lidam com as incertezas.Sua tese é de que temos uma capacidade de simplesmente reconhecer a coisa certa a fazer em algumas ocasiões.Raramente esse julgamento é fruto de uma avaliação calculista.É um padrão inconsciente de reconhecimento.

Propostas de estratégias para mudanças são inúmeras.Mas grande parte da incerteza com relação ao que fazemos pelos pacientes irá continuar.As doenças e a vida humana são complicadas demais para pensarmos numa realidade perfeita.

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