É impossível não se sensibilizar com os atos de terror
perpetrados nas últimas guerras do século XXI: Ucrânia-Rússia e
Israel-Palestina. Diante das imagens chocantes das últimas semanas, é mais do
que urgente que a Filosofia se manifeste. Conceitos como os de Europa,
Ocidente, terror, terrorismo, colonização e a alteridade são fundamentais para
esta análise.
A guerra nos impõe um rosário de situações que nos assombra.
Entretanto, para disseca-las, é necessário trazer se aprofundar nos conceitos,
o ponto de partida de uma base filosófica, bem como o entendimento das bases
simbólicas que fomentam as práticas de terror e do terrorismo, que hoje acontecem
na região que já foi chamada de Ásia Ocidental. Surge aí a problematização do
próprio nome da localização geográfica, o Oriente Médio. Nomear, assim, implica
uma ação colonialista européia (inglesa) que ocorreu entre o final do século
XIX e a primeira metade do século XX. O resultado foi determinar que as pessoas
que ali habitavam foram circunscritas a uma dada região entre o Mar Vermelho e
o império inglês nas índias.
O nomear é fundamental aqui na medida em que retirar o
ocidente do contexto geográfico não apenas tem implicações nas diferenças de
assentamento e culturais, mas, antes, designa um olhar para fora daquela Europa
que transcende um continente. Para Edmund Husserl (filósofo ligado à
fenomenologia) é fundamental definir o conjunto de características que
constitui o espírito de um povo e que este se deve a um local específico de
nascimento. Local este que constitui o patamar de valores e crenças. Ora, a
Europa designa o ocidente e tem sua origem, seguindo a referência husserliana,
na Grécia Antiga.A retirada do Ocidental da Ásia passa a ser fundamental para a
exclusão daqueles que não podem ser reconhecidos como europeus e, portanto,
adotando entendimento de valores advindos de uma Grécia antiga,passam fazer
parte de um mundo dividido entre civilizados e bárbaros.Aqui um primeiro
problema posto, o do Nome. Passar a existir um nomear que exclui aquele que não
é lido como europeu e, portanto, não é civilizado, comportando-se como um
bárbaro.
Entretanto, há um além nesse ato de nomear, pois, a despeito
da região geográfica, o Estado de Israel é forjado a partir de um sionismo
advindo da tal Europa no sentido husserliano, cujo caráter civilizatório
transcende o Continente. A formação do Estado de Israel traz consigo, para além
da terra santa, os valores daquele nascimento anterior, que se respalda tanto
na filosofia quanto nas ciências europeias.É importante guardar esta questão
aqui colocada; afinal, dela derivam apoios a um ou a outro lado no conflito
Israel-Palestina, bem como outra nomeação fundamental no conflito, a de
terrorista.
Não há conceitos soltos, tampouco deslocados da história.
Nesse sentido, é fundamental resgatar os conceitos de Europa, como designação
do ocidente, de inimigo, de quem é o outro. As imagens brutais não podem ter um
lado apenas na sustentação de que aquele atacado possui o direto de defesa. E
já que Guerra existe, as regras devem ser jogadas de modo limpo, e não com
limpeza étnica. O conflito, assim, pelas telas midiáticas, demonstra o quanto
está pautado pela negação do Outro, um outro que é inimigo na essência e, por
esta razão mesma, lhe cabe a morte, mas não sem antes lhe implementar todo medo
e terror. O ato de terror perpetrado diante de inocentes se torna ato de
terrorismo. Donde a característica de contra-ataque, retaliação ou qualquer
meio de defesa ou ataque em tempos de guerra declarada, deixar de ser uma
defesa; antes se manifesta como escalada do terror.
Pensando para fora da Palestina, mas circunscrevendo a
situação ao Hamas. Esquece-se que o Hamas é formado a partir de palestinos,
cuja existência e essência é lida, por Israel, como inimiga. E inimigos,seguindo
os princípios animalescos,devem desaparecer. Não obstante, o mesmo ocorre entre
o Hamas e os judeus. Ora, se judeus foram Outros desterritorializados e
desprovidos de Ser para uma dada Europa, mas hoje o Estado de Israel configura
uma Europa extra geográfica,então, ao ser essa Europa, o Estado de Israel traz
consigo, não apenas o olhar dos demais grupos da região do Oriente Médio como
aquele que invade um espaço na reivindicação de uma terra prometida como também
se apresenta enquanto colonizador que destitui um povo, uma etnia de sua
existência. Torna-se, portanto, inimigo. Mas o invasor da terra prometida não
é, simbolicamente, o europeu, mesmo que este a tenha invadido como colônia; o
invasor é o palestino, que sequer deve ter o direito a seu Estado nação, haja
vista ser engolfado no termo árabe. A inimizade pública se manifesta na
violência. Uma violência que reduz os sujeitos a corpos passíveis do
morticínio, sujeitos passíveis de serem violados no aspecto físico e
psicológico.
O Hamas ataca inocentes e civis, em um violento ato de
terrorismo. Na ação do contra-ataque, Israel vitima civis e impõe o medo em
Gaza. A tensão histórica das várias negações da existência do Outro, palestinos
e judeus, acaba por validar a sentença de Hannah Arendt, “se os objetivos não
são alcançados rapidamente, o resultado será não apenas a derrota, mas a
introdução da prática da violência na totalidade do corpo político”. Afinal,
pois os desígnios das ações bélicas não possuem qualquer resultado que não medo
e o terror.
O terror é o uso deliberado de violência, ou ameaça de seu
uso, contra pessoas inocentes, com o objetivo de intimidar algumas outras
pessoas em um curso de ação que de outra forma não seria necessário.É a morte
deliberada de pessoas inocentes, de forma aleatória, a fim de espalhar o medo
através de toda uma população e forçar a mão dos seus líderes políticos.O rec
recurso ao terror é ideologicamente o último, mas não é o último numa série
real de ações, é apenas o último em termos de desculpa. Ou seja, a desculpa é o
conceito chave, para ambos os lados, na manutenção do terror. Isso se dá na
medida da negação do outro. Impossibilitados de falar abertamente de
genocídios, aplicam o terror na tentativa da dupla eliminação.
Albert Camus manifesta suas preocupações ético-políticas a
partir de um determinado evento histórico, o nazismo. Todavia, seu olhar,
apesar de partir desse evento particular, não se atém a ele. De fato, há um
deslocamento em vista da preocupação com a legitimação do terror e com ruptura
da liberdade. Estes dois conceitos são advindos de uma necessidade de se dizer
“quem é humano ou não”, inerente a um pensamento que emerge no século XX. Se há
algo que a Filosofia possa fazer valer numa situação de Guerra, na qual o
terror e a negação de humanos emergem, será a problematização diante do
contexto da falta do diálogo, da falta de uma política de liberdade, no melhor
sentido filosófico; daí ser fundamental compreender conceitos e perceber a
impossibilidade da paz.
A paz, na amplitude entre violência e terror, tem se
perpetuado como guerra. A base dessa paz só se dá na relação de inimizade, pois
o inimigo é sempre passível de eliminação. Enquanto as questões conceituais se
mantiverem como mero aparato de justificativa de horrores , e a Filosofia não
for ouvida , o cenário de degradação moral da humanidade resultará na
inviabilidade civilizacional.
Nenhum comentário:
Postar um comentário