segunda-feira, 28 de fevereiro de 2022

20 mil dias a mais de vida

 O período entre 1916-1920 marcou o ultimo ponto no qual houve uma reversão na expectativa de vida global.

Os descendentes de bebês ingleses nascidos em 1920 que poderiam esperar viver até 41 anos , hoje chegam aos 80. Nas últimas décadas o mundo em desenvolvimento - liderados pela China e India - tem visto sua expectativa de vida aumentar como nunca na história . Há cem anos atrás , os habitantes de Nova Dheli viviam,em média , até os 20 anos. !

No inicio de 1660 , quando se começou a pensar na idéia de calcular a expectativa de vida , o tempo de vida médio de um inglês estava em torno dos 30 anos. Todos os avanços dos ultimos 3 séculos : o método cientifico , as descobertas da medicina , melhorias nas condições de vida tem nos dado 20 mil anos de vida a mais , em média.

Ao olharmos o passado , podemos aprender com ele. Podemos usar a história para pensar mais claramente sobre quais avanços seguir e não cometer os erros fatais. Temos esquecido , como sociedade , o quanto a ciência , a medicina e a saúde pública têm melhorado a qualidade ( e a extensão ) da vida.

De certa forma os humanos têm sido protegidos por um escudo invisível , construído gradativamente nos últimos séculos, mantendo-nos seguros e mais distantes da morte. Muito do que foi feito se encontra no nosso dia a dia : a cloração da agua (que nos livrou das inumeras doenças diarreicas) , a vacinação , a pasteurização etc.

As pandemias têm uma tendência de tornar esse escudo invisivel mais claro e evidente. Eventos como a covid 19 nos ajuda a perceber as fragilidades nesse escudo , as vulnerabilidades ,as necessidades de novas descobertas,novos meios de nos protegermos contra as infecções. Mas talvez a maior fragilidade do que nos protege é a negação de tanta evolução. Uma ironia que a humanidade implanta em não aceitar os incriveis beneficios que nos possibilitou chegar até aqui. E ganhar 20 mil dias  a mais de vida


segunda-feira, 21 de fevereiro de 2022

a empatia para com o "eu" futuro : um exercício positivo do egoísmo

 

Na pandemia vários pontos éticos e morais sobre o comportamento da sociedade vieram à tona. Questões sobre direitos individuais permearam as polêmicas decisões pessoais sobre o uso de máscaras , o distanciamento e a imunização . A maioria delas surgiram como expressão ideológica , política ou individualista na sua mais pura essência .

Numa vida em comunidade nossas ações repercutem de maneira silenciosa ou decisiva.Em todos os aspectos. Daí os conceitos de liberdade numa pandemia acabam perdendo a força e sendo relativizados ao fracassarem , na sua essência , ao impactarem de modo significativo na saúde do outro,parte integrante dessa comunidade e com os mesmos direitos assegurados

Milhões de pessoas têm um sistema imunológico comprometido. Uma proporção significativa delas não responde às vacinas contra COVID .Aqui se encontra uma boa parte da população idosa e pacientes com doenças ativas agudas e crônicas. Muitos países vêm abandonando as restrições contra a infecção há muito tempo. Os programas de vacinação enfrentam problemas na adesão e na obrigatoriedade do passaporte vacinal.Isso significa que as políticas que protegiam as pessoas em geral e as imunocomprometidas estão desaparecendo. Uma espécie de fadiga pandêmica ou uma tentativa sem embasamento científico de se viver uma vida de tolerância à COVID.

Este não é um grupo pequeno. Perto de 3% dos adultos dos EUA tomam medicamentos imunossupressores, seja para tratar câncer ou doenças autoimunes ou para impedir que seu corpo rejeite órgãos transplantados ou células-tronco. Isso representa pelo menos 7 milhões de pessoas imunocomprometidas  Pacientes nessa categoria de risco sempre vivem com maior risco de infecção, mas a COVID representa uma nova ameaça que, para muitos, comprometeu ainda mais sua capacidade de fazer parte do mundo. No início da pandemia, chegamos a ouvir propostas infundadas do tipo : “ podemos proteger os vulneráveis ​​e todos os outros podem continuar com suas vidas”. Para uma infecção de transmissão respiratória está é uma sugestão suicida.

Hoje , com um cenário de alta taxa de novas infecções mas com quadros clínicos mais brandos (especialmente na população vacinada), muitas pessoas imunocomprometidas (como todos os outros) esperam expandir lentamente sua vida novamente. Mas seria seguro generalizar de modo amplo essa regra ? O número de óbitos vêm nos mostrando que não.

O mundo passou por mudanças para contemplar as diferenças. Rampas, botões de acessibilidade, leitores de tela e muitas outras medidas facilitaram a vida das pessoas com deficiência, e uma nova onda de acomodações semelhantes agora é necessária para tornar a imunossupressão menos incapacitante na era da COVID.

Essa é uma mudança que impacta a todos pois estamos tratando de empatia ao outro. Nossos atos , mais do que nunca irão repercurtir num mundo hiperconectado. A  COVID mudou muita coisa.Nos obriga a ir além de nossas precauções anteriores pois pode se espalhar por pessoas que não estão obviamente doentes e o fez a uma velocidade vertiginosa.Quando pessoas imunocomprometidas contraem a doença elas tendem a ficar mais doentes por mais tempo .

 As vacinas devem reduzir substancialmente o risco de infecção e doenças graves, mas muitas pessoas imunocomprometidas irão responder de modo inadequado. Cerca de metade dos receptores de transplantes de órgãos não produzem anticorpos após duas doses de vacina . Em comparação com o público geral vacinado, eles têm 82 vezes mais chances de contrair infecções e 485 vezes mais chances de ficarem gravemente doentes. Caso sejam infectados, o risco de morte é de um em 10. E algumas pessoas com distúrbios autoimunes não podem ser totalmente vacinadas, porque estão em vigência de altas doses de medicamentos ou em fase clínica grave de suas doenças.

Muitas pessoas imunocomprometidas agora estão presas no limbo – sem saber o quão seguras elas realmente estão, mesmo depois de receber três doses e um reforço , como aconselha o CDC. Estudos científicos podem sugerir os riscos médios em grandes grupos, mas oferecem pouca certeza para os indivíduos

Cada infecção individual é uma aposta de alto risco. Os pacientes lutam com essas incertezas, o abismo entre eles e o resto da sociedade está aumentando. Em 2021, enquanto muitos americanos se deleitavam com suas liberdades restauradas, pessoas imunocomprometidas sentiram sua fragilidade. Quando o CDC anunciou que os americanos totalmente vacinados não precisavam mais usar máscaras em ambientes fechados, atividades simples, como compras de supermercado, tornaram-se mais perigosas para pessoas com imunodeficiências , esquecidas pelos gestores públicos.

E talvez o pior de tudo, as pessoas imunocomprometidas começaram a ser totalmente desestimuladas a manterem suas medidas de precaução por seus amigos, parentes e colegas por causa da narrativa enganosa de que a  Omicron é leve .Na verdade a variante supera algumas das defesas que até mesmo pessoas imunocompetentes construíram, tornou ineficazes vários tratamentos com anticorpos e abarrotou o sistema de saúde As pessoas ainda estão morrendo, e os pacientes com deficiência imune de forma desproporcional. Ignorar isso envia uma mensagem implícita: suas vidas não importam.

Muitos se sente assim, como se houvesse uma espécie de eugenia natural acontecendo. A eugenia – o conceito de melhorar a humanidade ao encorajar as pessoas “mais aptas” a ter filhos enquanto impede que os “inaptos” o façam – é mais comumente associada ao Holocausto. Mas no século 20, o conceito teve amplo apoio de médicos e profissionais de saúde pública, que o viram como uma forma científica de resolver problemas como pobreza e saúde precária; influenciou o desenvolvimento de testes de QI, aconselhamento matrimonial e leis de imigração. A eugenia é enquadrada como parte de um passado que acabou. A pandemia vem demonstrando que esse não é inteiramente o caso. Quando uma sociedade age como se as mortes de pessoas vulneráveis ​​fossem inevitáveis, e faz pouco para diminuir seus riscos, está implicitamente atribuindo um valor menor a certas vidas.

O sistema imunológico enfraquece com a idade, portanto, embora a maioria das pessoas nunca seja tão vulnerável quanto um receptor de transplante de órgão, sua imunidade ainda ficará parcialmente comprometida. Respeitar as necessidades das pessoas imunocomprometidas não é acomodar desproporcionalmente uma pequena minoria; trata-se realmente de ter empatia com o seu eu futuro.

domingo, 20 de fevereiro de 2022

o que vem depois

 

À medida que a imunidade se acumula em uma população (especificamente a imunidade que protege contra a infecção),a taxa de transmissão ( R )  diminuirá. Quando R cai abaixo de 1, a epidemia atinge o pico e começa a declinar. Mas o que pode acontecer a seguir?

Quando R cai abaixo de 1, a epidemia não termina subitamente - ela continuará a causar infecções (e, portanto, imunidade) à medida que diminui, o que significa que a epidemia "ultrapassa" o nível de imunidade necessário para obter R abaixo de 1.Portanto, podemos acabar em uma situação em que R cai consideravelmente abaixo de 1 à medida que a epidemia continua a diminuir. Seria o fim da história? Infelizmente não é bem assim.

Sabemos que a proteção contra nova infecção pela Omicron pode diminuir rapidamente. Também vemos evidências de alguma queda (embora não tão acentuada) na proteção contra hospitalização ao longo do tempo. Mas se a  R cai consideravelmente abaixo de 1 durante uma epidemia, levará algum tempo para que a suscetibilidade atinja níveis suficientes para ver um ressurgimento. Podemos, portanto, ver um 'período de lua de mel' onde a infecção permanece em níveis mais baixos por um período. Também podemos isso acontecer após a introdução da vacinação. O termo 'período de lua de mel' foi cunhado pela primeira vez no contexto do sarampo. Nesse caso, a nova suscetibilidade vem de novos nascimentos ( ou seja, crianças não expostas ao vírus ou à vacina), em vez de diminuir as respostas existentes.

Vários países europeus podem ter tido um período de “ lua de mel” pós-vacinação contra a variante Alpha no início do verão de 2021, com vacinação + imunidade pós-infecção diminuindo R. Mas nunca vimos o efeito subsequente de qualquer diminuição, porque a Delta veio logo a seguir. Em resumo : não devemos apostar nas consequências da Omicron em termos de infecção e imunidade como algo definitivo.

Novas variantes também provavelmente moldarão a suscetibilidade futura ao COVID.

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2022

o ar que respiramos

 Nós nunca beberíamos do mesmo copo de água que todos os nossos colegas de trabalho acabaram de beber. Mas algo muito semelhante acontece o dia todo em nossos escritórios, escolas, residências, ônibus e até aviões. O dia todo, todos os dias, ficamos sentados respirando o que outras pessoas expelem de seus pulmões (cerca de 3% do ar recem inspirado). É o equivalente respiratório de beber o refluxo de todos os outros.

Apesar do fator compartilhável, inalar a respiração de outra pessoa não é táo perigoso se ela não estiver doente. Mas, se alguém tem uma doença infecciosa viral ativa estará constantemente liberando vírus embalados em pequenos aerossóis respiratórios que se formam nas profundezas dos pulmões.

O número de patógenos inspirado depende de um fator em particular: quanto de ar fresco está entrando no ambiente. A maioria dos edifícios são mal ventilados. Em um local ideal - isto é, um projetado para trazer significativamente mais ar externo - a proporção de ar interno que vem dos pulmões de outras pessoas pode ser reduzida a um nível em que uma infecção em toda a sala seja improvável.

Ao longo do século 21, empregadores e incorporadoras de imóveis comerciais tentaram tornar os locais de trabalho mais atraentes, adicionando comodidades vistosas, como academias, cafés etc, que supostamente estimulam a criatividade e a cooperação e mantêm os trabalhadores mais felizes. Antes da pandemia do coronavírus, os designers de interiores e os profissionais de RH que decidem a aparência dos escritórios davam pouca atenção à ventilação – uma variável invisível a partir de agora importantíssima. A nova comodidade legal não será uma mesa de sinuca. Será algo que deveríamos ter tido o tempo todo – ar puro.

Pesquisas já demonstram como o ar interno afeta a cognição e outros aspectos do bem-estar humano.A contaminação de um ambiente nos colocou na situação em que estamos agora: uma pandemia global causada por um vírus respiratório que se espalha quase que exclusivamente em ambientes fechados.

Nossa falta de atenção ao ar que respiramos dentro de casa parece imprudente em retrospectiva. A humanidade fica mais tempo agora em ambientes internos. Os americanos passam 90% de suas vidas dentro de casa . Você respira 6.000 vezes em seu local de trabalho em um dia normal. Nos últimos 100 anos, os seres humanos obtiveram ganhos surpreendentes em saúde pública, concentrando-se nos conceitos básicos de água potável, segurança alimentar e saneamento. Mas, os governos não priorizaram a qualidade do ar que a maioria das pessoas respira. Como afirma uma regra básica da toxicologia, a dose faz o veneno. Ao reduzir a dose de coronavírus que as pessoas eventualmente inalem, níveis mais altos de ventilação e filtragem poderiam ter evitado grande parte da disseminação do sars cov 2. No entanto, com exceção dos hospitais, a maioria dos edifícios não foi projetada para limitar a propagação de doenças infecciosas. Em vez disso, arquitetos nas últimas décadas projetaram edifícios e seus proprietários os operaram, com o objetivo de torná-los herméticos. Essa mentalidade ajudou na eficiência energética, mas tem a desvantagem distinta de concentrar poluentes internos – não apenas os de nossos pulmões, mas também os quimicos que emanam de cadeiras, tapetes, agentes de limpeza e produtos de higiene pessoal. Como resultado, estávamos vivendo e trabalhando em uma era de construção doentia antes mesmo da chegada do coronavírus.

Um estudo bem elucidativo mostrou que em um ambiente de laboratório rigidamente controlado, as pessoas se saíram notavelmente melhor em tarefas cognitivas quando o dióxido de carbono compunha cerca de 600 partes por milhão do ar que respiravam do que quando compunha cerca de 1.000 partes por milhão. (O CO 2 em ambientes fechados vem principalmente da exalação humana e, portanto, é uma medida útil; quanto menor o nível de CO 2 , melhor a ventilação.) .Também se avaliou como a exposição de curto prazo a uma categoria de pequenas partículas transportadas pelo ar chamado PM2.5 afetou a função cognitiva humana. PM2.5 – o nome refere-se a partículas com menos de 2,5 mícrons de diâmetro – vem de fontes como usinas de energia, carros e incêndios florestais e normalmente é considerada um poluente externo. Mas os poluentes do ar externo penetram dentro de casa. E como ficamos mais tempo dentro de casa do que fora, respiramos mais poluição do ar dentro de casa do que externamente. 

Algumas dessas descobertas podem parecer contraditórias: trazer mais ar externo deveria ser bom para a cognição, mas o ar externo é poluído com partículas que prejudicam a cognição. É aí que entra uma filtragem melhor. Edifícios com altos níveis de filtragem tinham cerca de 40% menos PM2,5 em ambientes fechados. Ao capturar poluentes antes que as pessoas precisem respirá-los, os edifícios podem oferecer às pessoas os benefícios do ar externo sem as desvantagens.

Além de ajudar a acabar com a pandemia, uma melhor ventilação e filtragem nos tornará mais saudáveis ​​e produtivos. O mundo finalmente precisa prestar atenção ao ar interno.


segunda-feira, 14 de fevereiro de 2022

o milagre das vacinas

 Dois anos após a pandemia de Covid-19, é triste constatar tudo o que aconteceu. As perdas devastadoras. A mudança do que considerávamos como modos normais de vida. A pura inevitabilidade imprevista. Mas precisamos parar por um momento e considerar uma marco único na história da medicina. Algo que estamos testemunhando : o milagre das vacinas

Muitos que lerão este post foram vacinados. Alguns tomaram três doses. Muitos de seus familiares, amigos, colegas, vizinhos e até mesmo estranhos pelos quais você cruza na rua provavelmente estão no mesmo barco. Neste ponto, se eles não foram vacinados, é por escolha ou ignorância . Uma pena que o acesso global foi vergonhosamente desigual, com países de baixa renda tendo que esperar muito tempo para poder proteger seus cidadãos.

Neste momento, 55% das pessoas que habitam este planeta foram totalmente vacinadas contra o Covid-19. O que foi realizado nos 25 meses desde que os cientistas chineses compartilharam pela primeira vez a sequência genética do vírus SARS-CoV-2 desafiou as previsões dos prognosticadores mais otimistas.Uma extraordinária conquista humana.

Mesmo que as vacinas de mRNA percam sua proteção inicial com o passar do tempo, ainda assim elas alteraram fundamentalmente a ameaça que o SARS-2 representa. A maioria das pessoas que recebeu três doses está protegida contra doenças graves e morte, mesmo diante da Omicron.

Temos que considerar o que poderia ter acontecido sem essas vacinas. De acordo com um modelo conduzido pelo Commonwealth Fund, cerca de 1,1 milhão de americanos teriam morrido de covid – e essa estimativa foi feita com base em dados  anteriores à enorme onda Omicron que varreu o país nos últimos dois meses.

Isso que chamo metaforicamente de milagre é fruto de anos de planejamento, pesquisa e grandes investimentos em ciência..

Uma das alegações que pessoas antivacinas se apoiam é a "pressa" com que a vacina teria sido desenvolvida. Uma comparação ,anacrônica, é que a vacina da caxumba ( a mais rápida até então) teria demorado 4 anos. Maurice Hilleman , o médico que esteve à frente de sua produçaõ , levou dois anos para começar a realizar os ensaios clínicos. Se tívéssemos demorado este tempo , o mundo enfrentaria a Delta e a Omicron sem nenhuma proteção vacinal. Em vez disso, levou apenas 66 dias após a publicação da sequência genética do SARS-2 para os cientistas do NIH começarem a inscrever pessoas em um ensaios clínicos de Fase 1 da vacina Covid da Moderna. A primeira injeção ocorreu em 16 de março de 2020.

Os cientistas trabalham há mais de uma década tentando descobrir a fórmula certa para as vacinas contra o coronavírus, trabalho iniciado pela epidemia de SARS-1 de 2003 e da MERS,em 2012. Quando o SARS-2 surgiu já se sabia como atacá-lo imediatamente por causa do que foi feito com outros coronavírus. Se a pandemia tivesse sido desencadeada por um vírus pertencente a uma família menos estudada, o mundo ainda poderia estar esperando por vacinas.

Se a segunda pandemia do século 21 tivesse sido desencadeada por um vírus novo da gripe, o aumento da produção de vacinas provavelmente não teria acontecido tão rápido quanto com as vacinas contra a Covid. O fato de não haver vacinas contra o coronavírus em produção obrigou os fabricantes a inovar, a migrar para novas plataformas. Não haveria a mesma pressão de inovação com um novo vírus da gripe. 

A enormidade dessas conquistas se torna ainda mais impressionante quando consideramos que três dos quatro maiores fabricantes ocidentais de vacinas – Merck, Sanofi e GSK – não contribuíram com uma vacina para esses esforços. (Sanofi ainda está tentando.).Antes da pandemia, essas três empresas e a Pfizer eram os maiores produtores de vacinas do mundo, medidos pelas vendas; eles controlavam 90% do valor global das vacinas. A GSK, com vendas de vacinas em 2019 que foram mais que o dobro das de seus colegas gigantes, nem tentou produzir uma vacina contra a Covid. Em vez disso, ofereceu permitir que outros usassem seu adjuvante AS03, que aumenta a potência dos imunizantes. A Merck tentou duas abordagens e, depois que ambas falharam, desistiu. A Sanofi  ainda está testando sua vacina, que usa adjuvante da GSK. A empresa espera ter seu produto autorizado este semestre.

Qualquer um que planeje respostas pandêmicas precisa levar em consideração a inevitabilidade de que alguns dos esforços da vacina falharão. Ninguém que planejasse respostas pandêmicas teria previsto que o mundo poderia estar onde está agora, com três dos quatro maiores fabricantes de vacinas efetivamente à margem. Apesar do incrível progresso que foi feito na vacinação do mundo contra o Covid, é difícil fazer com que as pessoas se vangloriem disso. O fracasso em atingir as metas de distribuição da vacina para países de baixa renda e os níveis inadequados de aceitação da vacina em alguns países fazem com que as pessoas se concentrem no que não foi alcançado, não no que foi.

Precisamos nos preocupar com a próxima pandemia. Mas também precisamos reconhecer o que aconteceu desta vez. E isso é um milagre.


segunda-feira, 7 de fevereiro de 2022

covid 19 : reinfecções, sub variante BA.2 e vacinas X variantes

Ter tido uma infecção pela covid 19 não confere , necessariamente , proteção contra infecções futuras, especialmente quando se trata das variantes Delta e Omicron.

Cada variante é diferente do vírus inicial,mas não necessariamente uma diferença linear.Diversas variantes surgiram de linhagens diversas Isso é uma razão poderosa para se vacinar.A vacina amplia a resposta imune e oferece proteção potencialmente melhor contra todas as outras variantes que virão depois.

BA.2

Em relação à sub-linhagem da variante omicron BA.2, que agora está se espalhando pelo mundo : existem três versões de omicron—BA.1 (a versão de omicron hoje pandêmica), BA.2 e BA.3.

Dados iniciais sugeriram que BA.2 teria uma pequena vantagem sobre BA.1, apesar de não parecer haver uma grande diferença entre elas. Ambas têm uma “capacidade de duplo golpe” com muitas mudanças na proteína spike, o que significa que os anticorpos que a população produziu contra vacinas ou infecções anteriores não são capazes de reconhecer bem o vírus. A BA.2 também pode ter alguns outros atributos que o tornam melhor na transmissão, e é assim que ele está começando a substituir BA.1 em países como a Dinamarca.

O número de pequenas mutações na BA-2 é um pouco menor. Acredita-se que a ​​BA-1 tenha acumulado tantas mudanças que comprometeram até certo ponto sua própria aptidão (enquanto a BA-2 atingiu um equilíbrio melhor com o escape de anticorpos, mantendo uma boa transmissibilidade).

A Agência de Segurança da Saúde do Reino Unido alertou que a BA.2 tem mais chance de infectar contatos familiares.

Vacinas variantes

Olhando para o futuro da pandemia e proteção contra SARS-CoV-2,começamos a discutir a importância de desenvolver vacinas que possam proteger contra muitas variantes diferentes.Embora muitos fabricantes de vacinas, especialmente aqueles que usam a tecnologia de mRNA, tenham se convencido com a ideia de que sua plataforma pode ser rapidamente adaptada para se adequar a novas variantes, há poucas evidências de que isso esteja acontecendo.

É uma corrida contra o tempo : desenvolver uma vacina contra a Omicron,por exemplo, faria com que sua disponibilidade só fosse utilizada quando a variante já estivesse na sua reta final. Vacinas polivalentes projetadas para funcionar contra várias variantes ao mesmo tempo podem ser o futuro.

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2022

o que estamos aprendendo sobre a imunidade

Ninguém contava com a rapidez com que a Omicron varreria o planeta. Embora o numero de casos da variante esteja começando a diminuir em muitos países, os novos pacientes em todo o mundo ainda estão aumentando. 

A Omicron também apresentou aos imunologistas um novo e desafiador quebra-cabeça. Os dados iniciais sugeriam que as vacinas existentes, projetadas em torno do SARS-CoV-2 original, não ofereceriam muita proteção contra a infecção pela variante, mesmo que reduzissem o risco de hospitalização ou morte. A proteção proporcionada por duas doses de uma vacina de RNA mensageiro cai para menos de 40% poucos meses após a segunda dose . Mas uma terceira dose de “reforço” parece ajudar. Estudos mostram cerca de 60-70% de proteção contra infecção duas semanas após uma terceira injeção , e a proteção contra doenças graves parece mais robusta.

A capacidade do sistema imunológico humano de se lembrar de infecções passadas é uma de suas características, mas uma resposta permanente não é garantida. Algumas infecções e imunizações proporcionam proteção vitalícia, mas para outras, a resposta é modesta e requer lembretes regulares na forma de doses de reforço ou vacinas novas e reformuladas. A covid-19 forçou o mundo a explorar os meandros desse fenômeno biológico complexo e crucial.

Estamos apenas no início de uma onda de descobertas. O que surgir será fundamental não apenas para combater o SARS Cov 2, mas para entender algumas das características mais fundamentais da memória imunológica. Com cerca de dez bilhões de doses ja aplicadas , cerca de 12 vacinas e cinco variantes preocupantes pulsando em todo o mundo, os cientistas estão se esforçando para responder as perguntas-chave : Por quanto tempo a vacinação protegerá as pessoas? Como será essa proteção?Como uma vacina desenvolvida contra o SARS-CoV-2 original se sairá contra outras variantes, como o Omicron?

O sistema imunológico entra em ação logo após um patógeno entrar no corpo. Mas pode levar vários dias para que as células especializadas que atacam vírus e bactérias entrem na batalha. Essas células B e células T trabalham para erradicar a infecção; depois que a luta termina, eles se lembram do invasor (memoria imunológica). As células B “são as primeiras a responder”, Durante uma primeira exposição a um patógeno, as células B que são ativadas se dividem rapidamente e se diferenciam em células plasmáticas que produzem proteínas chamadas anticorpos. Os anticorpos podem sinalizar invasores suspeitos para destruição, e alguns podem se ligar a uma parte de um patógeno que o impede de infectar completamente as células. Estes são os anticorpos 'neutralizantes'.São os únicos a promover a chamada imunidade esterilizante”. 

Em Setembro de 2020, vários estudos relataram que os níveis de anticorpos neutralizantes estavam caindo em pessoas que se recuperaram do COVID-19. Alguns especialistas expressaram alarme de que a imunidade ao SARS-CoV-2 poderia, portanto, ser passageira. Os imunologistas, no entanto, não ficaram surpresos. Os anticorpos devem diminuir após uma infecção. As células B de vida curta que produzem anticorpos morrem rapidamente. O que importa é se o corpo produz células B de " vida longa " que podem reconhecer o patógeno se ele reaparecer. Essas células geralmente se desenvolvem dentro de estruturas chamadas centros germinativos, que surgem nos gânglios linfáticos durante uma infecção e servem como uma espécie de campo de treinamento de células B. Lá, as células se multiplicam e adquirem mutações. Apenas aqueles que produzem os melhores anticorpos, aqueles que se prendem com mais segurança à superfície do vírus, sobrevivem. 

Dentro de um mês ou mais, algumas das células que produzem esses superligantes tornam-se células B de memória que circulam no sangue. Eles não produzem anticorpos, mas se encontrarem o vírus ou suas proteínas, podem se dividir rapidamente e se tornar plasmócitos que cumprirão a tarefa. O restante se torna plasmócitos de vida longa que residem principalmente na medula óssea e secretam um fluxo pequeno, mas constante, de anticorpos de alta qualidade.

Uma queda nos níveis de anticorpos após a infecção é normal. O que os imunologistas realmente querem saber é onde – ou se – o declínio vai parar. Em abril de 2020, já se sabia ao estudar pessoas que se recuperaram do COVID-19, que os níveis de anticorpos caíram rapidamente nos primeiros dois ou três meses após a infecção. Mas então, após cerca de quatro meses, os pesquisadores viram a curva começar a se achatar. Eles publicaram resultados nos primeiros oito meses , mas agora têm dados de até 450 dias, o que gerou uma certa animação : olhando para a forma da curva, parece muito estável.

A resposta imune após a vacinação imita mais ou menos o que acontece após a infecção, com uma grande diferença. Em uma infecção por SARS-CoV-2, o sistema imunológico vê todo o vírus. As vacinas mais eficazes, no entanto, estão usando apenas uma proteína viral (spike) para provocar uma resposta.. E se os níveis de anticorpos também irão estabilizar após a vacinação ainda não está claro.Existe um declinio após alguns meses e com isso uma queda na proteção. Dados de Israel sugeriram que a proteção da vacina m-RNA contra a infecção caiu de 95% para apenas 39% ao longo de 5 meses. Mas as vacinas mantiveram sua capacidade de prevenir doenças graves. A proteção contra a infecção pode estar diminuindo, mas a proteção contra a hospitalização parece estar se sustentando.

Algumas pessoas podem carregar células T de memória de infecções anteriores por coronavírus – como aquelas que causam resfriados comuns – que podem reconhecer o SARS-CoV-2. Essas células podem ajudar a combater a infecção ou até mesmo pará-la completamente. Um estudo descobriu que os profissionais de saúde que foram expostos ao SARS-CoV-2, mas nunca deram positivo, apresentavam sinais sutis de resposta à infecção. Os pesquisadores levantam a hipótese de que as células T reativas cruzadas desligam a infecção antes que ela se instale. Essa ideia ainda é controversa, e o fenômeno pode ser raro. As células de memória normalmente não podem bloquear a infecção da maneira que os anticorpos neutralizantes podem. Com o COVID-19, a infecção acontece rapidamente, mas demora um pouco para causar uma doença grave. Isso dá às células T de memória algum tempo para fazer seu trabalho. Quando reexpostas a um vírus ou reforço, essas células entrarão em ação.

É muito mais difícil para o vírus encontrar uma maneira de contornar a resposta das células T. Isso ocorre porque as células T em um indivíduo reconhecem diferentes partes do vírus do que as células T em outro indivíduo. Assim, um vírus pode sofrer mutação para escapar da resposta das células T de uma pessoa, mas não da de outra. Além disso, as células T podem ver partes do vírus (ou a proteína spike) que os anticorpos não conseguem, incluindo partes que são menos propensas a sofrer mutações.

Uma vacina perfeita induziria uma resposta imune que não é apenas durável, mas também ampla o suficiente para proteger contra o vírus à medida que sofre mutação e evolui. Com a fúria da Omicron, parece que as vacinas perderam terreno. Mas o sistema imunológico ainda tem uma série de truques para lidar com vírus que continuam mudando. Um desses truques acontece dentro dos centros germinativos. Lá, o treinamento de células B não apenas melhora a forma como os anticorpos se ligam ao seu alvo original; também pode aumentar o número de sítios de ligação que eles reconhecem, aumentando as chances de identificar uma variante.

O sistema imunológico tem “um conjunto de outros caminhos” que são mais sutis e menos bem estudados..Estudos mostram que mesmo camundongos que não têm a capacidade de produzir centros germinativos podem gerar plasmócitos de vida longa . Como essas células surgem não é totalmente claro, mas, assim como as células plasmáticas que passam pelo centro germinativo, elas parecem se ligar firmemente aos seus alvos.

Dados emergentes sugerem que a Omicron é, no entanto , capaz de contornas amplamente os anticorpos gerados nas vacinações ou infecções anteriores . A Pfizer relatou uma queda de 25 x na neutralização da Omicron (em comparação com o SARS-CoV-2 original) em pessoas que receberam duas doses de vacina. Por que um reforço de terceira dose pode trazer de volta a proteção não é totalmente claro. É possível que uma terceira dose simplesmente aumente todos os níveis de anticorpos igualmente, incluindo a pequena proporção que pode reconhecer pedaços da proteína spike da Omicron que não mudaram. 

A boa notícia sobre as terceiras doses, no entanto, vem com uma ressalva. Não está claro quanto tempo a proteção irá durar. Dados do Reino Unido sugerem que pode diminuir rapidamente . Três doses da vacina Pfizer–BioNTech forneceram 70% de proteção inicialmente. Mas em 10 semanas, a proteção contra a infecção caiu para 45%. Isso sugere que o melhor próximo passo pode ser desenvolver doses adicionais especificas para a Omicron. A Pfizer e a Moderna já estão trabalhando em versões de mRNA podendo estarem prontas em Março. Até então, no entanto, muitos já terão sido infectados com a variante e ganharam alguma imunidade dessa forma. 

O SARS-CoV-2 pode fornecer outras oportunidades para aprender como melhorar a vacinação. Dos tipos de vacina estudadas, a proteção mais duradoura tendia a vir de vacinas de vírus vivos. Estes consistem em patógenos que foram alterados para que não possam causar doenças. Por imitarem tão bem a infecção real, tendem a provocar uma resposta duradoura. Mas aqueles que continham vírus inativado inteiro ou pedaços de proteína viral também provocavam boa memória. O que parece importar é a quantidade de tempo que o antígeno permanece..

O SARS-CoV-2 deu aos cientistas uma infinidade de vacinas para observar e comparar com o pano de fundo de uma pandemia ativa, incluindo aquelas que usam vírus inteiro e inativado; proteína; ou mRNA, ou aqueles baseados em um adenovírus, como os da Oxford–AstraZeneca ou da Johnson & Johnson. Houve surpresas. A resposta após uma injeção da vacina Johnson & Johnson, por exemplo, provoca uma resposta imune mais fraca do que as vacinas de mRNA inicialmente, “e então começa a melhorar com o tempo”.

Os cientistas também estão ansiosos para entender o que acontece quando as pessoas misturam e combinam vacinas. Um estudo do Reino Unido conhecido como Com-CoV vem investigando esse fenômeno desde o início da pandemia. Seus dados mais recentes mostram que as pessoas que receberam uma primeira dose de Oxford–AstraZeneca ou Pfizer–BioNTech seguidas de Moderna tiveram uma resposta de anticorpos mais alta do que aquelas que receberam uma segunda dose da mesma vacina.

Existe otimismo, no entanto.Todo mundo está estudando SARS-CoV-2 agora. Essa onda de interesse levou a avanços notáveis ​​na capacidade dos imunologistas de dissecar a resposta imune. Os insights podem finalmente ajudá-los a desvendar a receita de uma vacina que oferece proteção ampla e duradoura.Mas aí reside um mistério profundo, um desafio fundamental, que, se for resolvido, terá um efeito transformador na imunologia