sexta-feira, 21 de julho de 2023

a desinformação


 

Vivemos num multiverso digital : um mundo infestado de informações enganosas incrustadas em sofisticadas redes de desinformação. Milhões de pessoas são submetidas a uma dieta sistemática de mentiras e teorias da conspiração.. São “notícias”falsas que circulam pelas redes sociais, distorcendo a realidade, sequestrando evidências, inventando fatos e semeando sentimentos de ódio, medo e desconfiança na população. Espalham-se como um vírus altamente contagioso aproveitando-se da maneira como a maioria das pessoas consome e retransmite informações atualmente: pela tela de um telefone celular, via aplicativos de mensagens e redes sociais, repetidas vezes ao dia.

O problema não é novo. Informações falsas ou distorcidas são empregadas para influenciar a opinião pública sobre os mais diferentes temas desde os primórdios da sociedade, seja na forma de propaganda enganosa ou de notícias enviesadas por interesses políticos, econômicos e ideológicos. O surgimento das mídias digitais, porém, ampliou imensamente o poder de fogo e o alcance dessas “armas de desinformação em massa”, tornando-as muito mais perigosas. O que era um revólver virou uma metralhadora multimídia, de longo alcance e sem limite de munição.

Segundo o Instituto Igarapé, que analisa o impacto da desinformação nas últimas eleições presidenciais no Brasil, desde 2014 o país se transformou num “verdadeiro laboratório de desinformação”, com processos eleitorais marcados, cada vez mais, pela “disseminação maciça de notícias falsas e formas mais amplas de desinformação online”.

Muito além dos factoides de campanha, gerados para manchar a reputação ou enaltecer as virtudes de um determinado candidato no horário da propaganda eleitoral, a desinformação  circula por todos os nichos do ecossistema global de comunicação, desde os calabouços mais escuros da deep web até as torres mais opulentas da mídia corporativa. Uma diferença fundamental, segundo especialistas, é que as mentiras não buscam mais apenas atingir a reputação de uma pessoa em particular (um adversário político, por exemplo), mas manipular o comportamento e a opinião da população sobre temas diversos que atendam aos interesses (políticos, econômicos e/ou ideológicos) de determinados grupos que produzem e financiam essa desinformação. Estamos imersos numa guerra de informações, que permeia todas as esferas da sociedade. E o mais frustrante é que a maioria das pessoas não sabe que isso está acontecendo. É uma guerra travada no ambiente digital, mas com consequências drásticas no mundo real. A desinformação pode matar pessoas; e matar democracias, também : a mortalidade elevada da pandemia de covid-19 e os recentes ataques às instituições democráticas no Brasil e nos Estados Unidos são exemplos disso.

Jamais poderemos quantificar isso precisamente, mas não existe nenhuma dúvida sobre a relação de causa e efeito entre desinformação e a morte de pessoas por covid-19 no Brasil. A disseminação de informações falsas sobre vacinas, máscaras e outras medidas de proteção dificultou o controle da pandemia e expôs milhões de pessoas a um risco aumentado de infecção, adoecimento e morte por covid-19. A comunicação é central no gerenciamento de uma crise que depende do comportamento das pessoas para ser solucionada : se a comunicação aponta na direção errada, no campo da saúde pública, o resultado pode ser fatal. A mortalidade da pandemia no Brasil foi uma das mais altas do mundo, quatro vezes maior do que a média mundial, com cerca de 3.300 mortes por milhão de habitantes registradas no País, ante 870 mortes por milhão de habitantes na média global, segundo números compilados pela Organização Mundial da Saúde e visualizados por meio da plataforma Our World in Data.

Assim como numa pandemia biológica, muitas pessoas carregam e transmitem o vírus da desinformação sem saber que estão infectadas (ou sendo influenciadas) por ele. Em última instância, a desinformação busca manipular a percepção pública da realidade como um todo; por isso ela contamina todas as áreas do debate público e não apenas o noticiário político . Essa manipulação é feita por pessoas “que se colocam de fora do processo democrático” e que sabem usar o maquinário das mídias digitais para construir cenários fictícios — mas de aparência extremamente realista — dentro dessa maquete social. Todo esse aparato tecnológico que foi construído dentro da internet nos últimos 20 anos nos colocou, de certa forma, como espectadores, voluntários e involuntários, de um espetáculo no qual não temos acesso aos bastidores nem sabemos quem está cumprindo qual papel. É improvável esperar que as pessoas sejam capazes de identificar todas as formas de desinformação por conta própria, porque elas são construídas de uma forma muito crível, quase sempre usando uma pitada de realidade para conferir um verniz de veracidade a alguma narrativa mentirosa.

Um exemplo foi a mensagem falsa em que a Polícia Militar supostamente recomenda às pessoas não sair de casa após as 22 horas : muito bem redigida, ela se aproveita de uma preocupação legítima com a questão da criminalidade urbana para propagar uma sensação de medo na sociedade, com o objetivo de torná-la mais permeável à aceitação de políticas armamentistas e intervencionistas. A mensagem circula amplamente desde 2018 e já foi desmentida pela Polícia Militar de vários Estados. O texto não pede voto em ninguém, mas busca construir uma realidade adulterada, na qual as pessoas, sentindo-se ameaçadas, se tornam mais inclinadas a apoiar políticas e políticos que defendem intervenções radicais na segurança pública, como armar a população ou ampliar o conceito de excludente de ilicitude para policiais.

A desinformação é uma forma desonesta de propaganda, que não diz que é propaganda. É uma mentira disfarçada de verdade, construída para alterar o comportamento das pessoas. Os disfarces são muitos e variam de acordo com o objetivo da desinformação e o meio pelo qual ela vai ser disseminada. Não precisa nem ser uma notícia falsa, propriamente dita. Pode ser uma notícia verdadeira, porém tirada de contexto ou manipulada de alguma forma para inflar sua relevância ou lhe conferir algum significado espúrio. Pode ser um boato espalhado por aplicativos de mensagens; às vezes na forma de texto, às vezes como arquivo de áudio, gravado por alguém que se apresenta como testemunha ou delator de alguma informação secreta. Pode ser um vídeo de alguém de jaleco distorcendo evidências científicas, oferecendo curas milagrosas ou propagando teorias conspiratórias de que o homem nunca pisou na Lua, que as vacinas alteram o seu DNA, que as universidades públicas no Brasil são centros de doutrinação comunista ou que o desmatamento na Amazônia não passa de uma mentira inventada por ONGs internacionais para destruir o agronegócio brasileiro. A ficção, diferentemente da verdade, não é limitada por fatos, mas pela criatividade de seu criador.

A guerra está no seu bolso”, resumiu a jornalista filipina Maria Ressa, em uma conferência de três dias sobre desinformação, promovida em maio pela Fundação Nobel e a Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos. Mais especificamente, a guerra está embutida naquele aparelho eletrônico retangular que vive dentro dos nossos bolsos: o adorado e famigerado smartphone; principal vetor usado pelo vírus da desinformação para se espalhar na sociedade e infectar a mente das pessoas. A internet e as redes sociais, segundo ela, estão sendo usadas por agentes maliciosos em diversos países — incluindo o Brasil — como “um sistema de modificação comportamental” da sociedade, com consequências potencialmente desastrosas para a democracia (por meio da radicalização política e da interferência em processos eleitorais), para a saúde pública (pela disseminação de notícias falsas sobre vacinas, por exemplo), e até mesmo para o futuro da espécie humana no planeta (pelo negacionismo da crise climática e de outras ameaças de caráter global).

“Uma bomba atômica invisível foi lançada sobre o nosso ecossistema de informações”, discursou Ressa, em 2021, após receber o Prêmio Nobel. O primeiro passo para reconstruir o que já foi destruído e desarmar outras bombas que estão por vir (com poder de destruição ainda maior, amplificado pelos avanços da inteligência artificial) é a “restauração dos fatos”, segundo ela. “Sem fatos não pode haver verdade. Sem verdade não pode haver confiança. Sem confiança, não temos uma realidade compartilhada, não temos democracia, e torna-se impossível lidar com os problemas existenciais do nosso tempo”.

A perda dessa “realidade compartilhada” é uma peça-chave do problema. Ela se dá pela fragmentação da sociedade em grupos culturalmente fechados, e frequentemente antagônicos, nos quais as pessoas só se relacionam com aquelas que pensam igual a elas e consomem informações que confirmam suas próprias convicções. São as chamadas bolhas ou câmaras de eco digitais, nas quais a desinformação encontra campo fértil para crescer raízes sem ser contestada.

Essa fragmentação é impulsionada em grande parte pelos algoritmos das redes sociais, que são programados para customizar a visualização de conteúdo aos interesses e preferências de cada usuário. Um sistema excelente para vender anúncios e produtos via microtargeting (propaganda customizada), mas péssimo para a manutenção de uma realidade compartilhada e, consequentemente, de uma democracia saudável. Isso porque a customização não se aplica apenas aos anúncios, mas também às notícias (falsas e verdadeiras), artigos de opinião, comentários, postagens, sugestões de leitura, recomendações de amizade, resultados de busca e tudo mais que qualquer pessoa visualiza na internet.

O que você vê não é o que eu vejo. As notícias que aparecem para você são diferentes das que aparecem para mim. Assim, fica difícil compartilharmos uma visão de mundo. As bolhas digitais têm o atrativo de serem ambientes confortáveis, onde as pessoas têm seus desejos de consumo atendidos, só recebem notícias que confirmam suas opiniões, interagem com pessoas que pensam igual a elas e, portanto, não precisam responder perguntas incômodas nem se dar ao trabalho de questionar suas convicções. Os algoritmos nos enxergam não como indivíduos autônomos, mas como indivíduos que se agregam em clusters que eles mesmos formam.

É nesses espaços digitais herméticos e recheados de viés de confirmação que os arquitetos da desinformação constróem seus cenários fictícios, isolando as pessoas da realidade coletiva e dificultando o debate democrático sobre desafios compartilhados da sociedade. Uma das comorbidades associadas a essa fragmentação é o aumento da polarização e da radicalização política. Nesse cenário incendiário, desinformação e polarização caminham de mãos dadas, numa relação simbiótica em que uma se beneficia do desenvolvimento da outra: a desinformação alimenta a polarização, e quanto mais polarizada a sociedade, mais suscetível as pessoas de cada lado se tornam a aceitar e propagar conteúdos que reafirmam suas convicções — em contraponto à convicção dos outros.

Os arquitetos da desinformação tendem a empacotar suas mensagens da forma mais sensacionalista, ameaçadora e conspiratória possível, com o intuito de maximizar o engajamento e a disseminação delas nas mídias digitais. Debates sobre políticas públicas e disputas eleitorais são apresentados como guerras entre o bem e o mal, frequentemente permeadas por discurso de ódio, teorias conspiratórias, demonização de inimigos e pregação religiosa. O propósito da desinformação não é só fazer com que você acredite numa mentira; é fazer com que você odeie as outras pessoas que não acreditam nela.

A ciência não fica ilesa nesse processo; nem os cientistas nem as instituições nas quais eles trabalham. O cientista é um inimigo natural da desinformação, por isso ele precisa ser combatido. E como é que você faz isso? Minando a credibilidade das universidades e dos cientistas. A mesma lógica se aplica à estratégia de sabotar a confiança da sociedade nos veículos tradicionais de imprensa e redirecioná-la para canais alternativos que, na verdade, são pouco confiáveis.

 

Regulamentação das redes

Reconhecida a ameaça, falta organizar a defesa. Como baixar a fervura e reduzir a formação de bolhas que propagam desinformação quando todos os botões do comportamento humano e das redes sociais parecem pré-dispostos a aumentá-la?

Entre as várias ações defendidas por especialistas, duas que costumam encabeçar a lista de prioridades são a educação midiática e a regulamentação do funcionamento das plataformas digitais (redes sociais e aplicativos de mensagens). A primeira se aplica aos usuários e a segunda, às grandes empresas que operam essas plataformas e, consequentemente, controlam grande parte do ecossistema global de informações. O problema não está apenas na má-fé dos operadores das mídias hiperpartidárias, mas em todos nós que colaboramos para a degradação da esfera pública ao transformar o debate político numa guerra de informação pouco reflexiva, na qual compartilhar matérias noticiosas de baixa qualidade é um expediente socialmente aceito. A regulamentação das mídias digitais é hoje prerrogativa básica para a construção de uma solução sistêmica para a crise global de desinformação. A ideia de que podemos solucionar esse problema apelando para a capacidade de pensamento crítico das pessoas é ingênua. É errado olhar apenas para o indivíduo. Precisamos olhar também para o cenário mais amplo da mídia e pensar na responsabilidade das plataformas.


quarta-feira, 19 de julho de 2023

a explicação genética para as pessoas que não manifestam sintomas de covid

 




O vírus SARS cov 2 se espalhou , nos primórdios da pandemia , de forma rápida e silenciosa principalmente através de pessoas contagiosas mas que não apresentavam sintomas .

O SARS original, só era transmitido quando uma pessoa apresentava sintomas. Outros, como a influenza, podem se espalhar um ou dois dias antes do aparecimento do quadro clínico. Estudos do primeiro ano (sem vacina) da pandemia sugeriram que mais da metade dos casos de Covid-19 foram causados ​​por pessoas infectadas que não apresentaram nenhum sintoma.

O que torna as pessoas capazes de eliminar o SARS-cov-2 sem apresentarem qualquer suspeita sintomática tem sido um dos mistérios da pandemia. Agora, um grupo de cientistas da Universidade da Califórnia, em San Francisco, acredita ter encontrado uma resposta: está nos nossos genes !

Em um estudo publicado na revista Nature, a equipe identificou uma mutação que aumenta em quase dez vezes a chance de uma pessoa ser assintomática. Ela concentra-se no antígeno leucocitário humano, ou HLA - uma molécula que ajuda o sistema imunológico a vigiar todas as células do corpo humano e é crítica durante os primeiros estágios da infecção. As proteínas HLA estão constantemente pegando pedaços de proteínas que encontram dentro ou ao redor de suas células e trazendo-as à superfície para exibi-las às células imunes que passam.

Na maioria das vezes, essas proteínas são apenas pedaços inofensivos de células saudáveis.Mas, , as moléculas HLA podem conter algo irreconhecível – um pedaço de uma proteína bacteriana ou parte de um vírus. Isso deve disparar alarmes no sistema imunológico, mobilizando a produção de anticorpos e enviando tropas de células T para invadir a área.Nem todas as moléculas de HLA são criadas iguais – algumas são melhores em capturar diferentes tipos de proteínas do que outras. E os genes HLA são alguns dos mais diversos do genoma humano.

Os pesquisadores tiveram um palpite de que parte da variedade nas respostas imunes das pessoas ao SARS-cov-2 poderia vir de seu HLA específico. Para saber se isso era verdade, ela recorreu ao Programa Nacional de Doadores de Medula, o maior banco de dados de pessoas que tiveram seus genes HLA decodificados, totalizando cerca de 13 milhões de indivíduos. (Os genes HLA são aqueles que devem ser combinados para que as pessoas que recebem um transplante de órgão ou medula óssea não rejeitem o tecido estranho.) A equipe conseguiu recrutar cerca de 30.000 pessoas desse registro para fazer parte do The Covid-19 Citizen Science Study, um projeto lançado para rastrear as exposições, infecções e sintomas por meio de um aplicativo de smartphone. Desde o momento em que começaram a rastrear esses dados até abril de 2021 – quando as vacinas se tornaram amplamente disponíveis – mais de 13.000 testaram positivo. Nesse grupo, 10% permaneceram completamente livres de sintomas.

Quando o estudo analisou o que esses indivíduos tinham em comum, descobriu que cerca de 1 em cada 5 compartilhava uma mutação comum em seu gene HLA, conhecida como HLA-B*15:01. Isso sugeriu que esta versão do HLA era especialmente potente na eliminação do SARS-CoV-2. Para entender o porquê, eles rastrearam amostras congeladas de células T de indivíduos portadores da mutação B*15:01 – células T que haviam sido colhidas muito antes da pandemia de Covid-19 – e as expuseram ao SARS-CoV-2. Eles viram que a maioria dessas células T reconheceu o vírus imediatamente.

Outros experimentos descobriram a provável razão para isso: esta versão do HLA é boa para capturar os pedaços de outros coronavírus – aqueles que causam resfriados sazonais – que mais se parecem com o SARS-CoV-2. Portanto, se você tem esse HLA e foi exposto a esses vírus (que a maioria das pessoas tem), quando o SARS-Cov-2 aparece, seu corpo não precisa de tempo para produzir células T especificamente direcionadas para combatê-lo . Eles já estão lá.

Indivíduos com esta mutação B * 15:01 que têm essas células T de reação cruzada parecem ser particularmente eficazes, muito cedo na infecção, em destruir o vírus antes que essas pessoas apresentem qualquer sintoma.

Essa descoberta pode ajudar nos esforços para projetar vacinas ainda mais eficazes no futuro. 

sexta-feira, 7 de julho de 2023

pandemia da patologização


 

Em todo o Ocidente, a saúde mental dos jovens está se deteriorando. Mais do que qualquer geração anterior, eles expressam sentimentos de desespero e desesperança, e estão sendo diagnosticados com transtornos mentais em um ritmo sem precedentes. Uma análise dos dados sugere que esta crise de saúde mental é um sintoma de uma sociedade com mau funcionamento, que está deixando as pessoas doentes ao ensiná-las a se sentirem doentes.

No dados da pandemia de Covid, existem sinais de uma pandemia muito mais estranha. Sabemos que a Covid pode levar a uma série de complicações de longo prazo, conhecidas coletivamente como Covid longa, e como homens e idosos sofrem mais complicações da Covid, esperamos que os sobreviventes da Covid com maior probabilidade de relatar Covid longa sejam homens mais velhos. Mas não é assim.

De acordo com uma pesquisa do US Census Bureau , as mulheres têm quase duas vezes mais chances do que os homens de relatar ter Covid longo, enquanto os transgêneros têm significativamente mais chances de fazê-lo do que todos os outros. Enquanto isso, um estudo alemão concluiu que “há evidências acumuladas de que meninas adolescentes correm um risco particular de sintomas prolongados” .

Dado que a Covid tende a afetar mais os homens do que as mulheres, por que a Covid longa afetaria mais as mulheres do que os homens? E dado que as complicações da Covid são extremamente raras nos jovens , por que as adolescentes seriam desproporcionalmente afetadas pela longa Covid? Por fim, por que o longo Covid afetaria mais as pessoas transgênero?

A resposta está no fato de que a Covid não é um fenômeno estritamente físico. Um estudo com quase dois milhões de pessoas publicado na Nature descobriu que as pessoas que relataram três ou mais sintomas de Covid longa incluíam 4,9% das pessoas confirmadas como tendo Covid e 4% das pessoas sem evidência de ter tido Covid. Portanto, relatórios de Covid longo não são indicadores confiáveis ​​​​de uma infecção anterior por Covid.

Na verdade, o problema se correlaciona tanto com transtornos de humor quanto com a própria Covid. Um estudo descobriu que pessoas propensas a ansiedade e depressão antes da infecção tinham 45% mais chances de desenvolver Covid longa, e o estudo da Nature descobriu que ter ansiedade e depressão antes da infecção quase dobrou a chance de relatar Covid longa após a infecção. Isso ajudaria a explicar por que mulheres e pessoas trans estão relatando sintomas de forma desproporcional: esses dois dados demográficos têm taxas particularmente altas de ansiedade e depressão.

Mas por que exatamente os transtornos de humor aumentariam a probabilidade de ocasionar os sintomas pós Covid ? Alguns especialistas especularam que o estresse pode afetar a resposta inflamatória do sistema imunológico levando a infecções mais graves. No entanto, um estudo da Turquia não encontrou correlação entre ansiedade ou depressão e resposta inflamatória ao Covid. Uma explicação muito mais provável é que, como os sintomas dos transtornos de humor se sobrepõem aos da Covid longa, as pessoas confundem angústia com os efeitos colaterais da infecção viral.

A tendência das pessoas de diagnosticar erroneamente seu desespero como um distúrbio médico pode ser observada muito além desta situação clínica. Considere o aumento de relatos de disforia de gênero. Entre 2012 e 2022, o número de adolescentes encaminhados ao Gender Identity Development Service (GIDS) do NHS por disforia de gênero aumentou em mais de 2.000% . Se o aumento fosse simplesmente devido à diminuição do estigma em torno de ser trans, esperaríamos que um número proporcional de ambos os sexos e todas as idades se declarasse trans, mas o aumento foi impulsionado quase exclusivamente por jovens e mulheres natas .

O grupo que está relatando desproporcionalmente disforia de gênero - meninas adolescentes - é o mesmo grupo demográfico considerado no estudo alemão como desproporcionalmente em risco de Covid longa. É também o grupo, além das pessoas trans, considerado de maior risco para transtornos de humor. Então, novamente, parece que muitos jovens, especialmente meninas, estão confundindo a angústia geral com outra doença.

E não são apenas os relatos de disforia de gênero que se multiplicam entre os jovens. Aumentos ocorreram para transtorno depressivo maior , transtorno de déficit de atenção , transtorno obsessivo-compulsivo , transtorno de ansiedade social , transtorno de ansiedade generalizada , transtorno do espectro do autismo e vários transtornos alimentares . Parece que os jovens e seus médicos estão cada vez mais vendo problemas pessoais como distúrbios médicos – estamos enfrentando uma “pandemia de patologização”.

Mas por que tantas pessoas confundem tristeza com doença? Para começar, é da natureza humana procurar causas únicas para problemas complexos. O hábito do médico de atribuir todos os sintomas de um paciente a apenas um diagnóstico levou à formulação da máxima de Hickam, que afirma: “Um homem pode ter quantas doenças quiser.” Da mesma forma, é tentador procurar uma razão clara e simples para as pessoas culparem seus problemas por um único distúrbio, mas fazer isso seria cometer o mesmo erro que elas. A patologização pode ter quantas causas quiser.

Uma causa pode ser a cibercondria, o fenômeno pelo qual as pessoas pesquisam ansiosamente sintomas no Google e, devido ao viés de confirmação, ignoram aqueles que não se aplicam a elas enquanto se concentram naqueles que se aplicam, até que se convençam de que têm o distúrbio sobre o qual estão lendo. . Outra causa pode ser o contágio social, pelo qual o pânico se espalha pelo poder da sugestão. De acordo com um estudo do Reino Unido , adolescentes que relataram pais sofrendo de Covid longa tinham quase duas vezes mais chances de relatar sintomas prolongados de Covid, independentemente de terem realmente tido Covid.

Sabe-se que os contágios sociais tendem a afetar mais as meninas do que os meninos, uma disparidade que provavelmente é exacerbada pelo fato de as meninas usarem mais as redes sociais do que os meninos. Mas o problema com o contágio social como explicação é que é um como, não um porquê; oferece um meio sem motivo.

Alguns tentaram discernir um motivo. Uma delas é que as meninas estão tentando escapar de ideais inatingíveis de feminilidade. A corrida armamentista de cirurgia plástica e filtros de beleza do Instagram faz com que os corpos naturais pareçam feios em comparação, e essa “dismorfia de selfie” pode levar à ansiedade e à depressão, bem como a sintomas de disforia de gênero, já que as meninas púberes ficam desesperadas para desafiar a metamorfose de seus corpos em objetos sexuais. Mas essa explicação não lança muita luz sobre o surgimento de condições como Covid longa, autismo e transtorno obsessivo-compulsivo. No entanto, um mergulho mais profundo nos dados sim.

Quando incluímos a política nos dados de saúde mental, fica claro que não se trata apenas de gênero. Uma pesquisa Pew de 2020 com mais de 10.000 americanos descobriu que os autodenominados liberais de 18 a 29 anos eram mais propensos do que os autodeclarados conservadores da mesma idade a relatar problemas psicológicos. Eles também tinham duas vezes mais chances de dizer que já haviam sido diagnosticados com um distúrbio de saúde mental. Além disso, aqueles que eram “muito liberais” eram mais propensos do que aqueles que eram apenas “liberais” a relatar problemas de saúde mental. O grupo com maior probabilidade de relatar problemas de saúde mental foi o das mulheres liberais brancas, alarmantes 56% das quais relataram ter recebido um diagnóstico de doença mental.

Crucialmente, o controle da visão de mundo reduziu consideravelmente a diferença de gênero: homens liberais eram mais propensos a relatar problemas de saúde mental do que mulheres conservadoras. Parece, então, que a epidemia de saúde mental entre meninas e mulheres jovens está associada à tendência de terem uma mentalidade mais liberal de esquerda do que meninos e homens jovens – uma diferença que está se tornando mais pronunciada com o tempo.

A cultura liberal de esquerda de hoje ensina aos jovens que seus problemas não são culpa deles, mas o produto de vários problemas além de seu controle. Esses problemas podem ser sociológicos – capitalismo tardio, racismo sistêmico, patriarcado – mas cada vez mais são médicos. Um exemplo comum é “trauma”, um termo psiquiátrico que se tornou uma justificativa instintiva para tudo, desde crimes de rua até o silenciamento de opiniões opostas no campus. É uma palavra tão usada que até os médicos temem que tenha perdido o significado. A maioria das pessoas, no entanto, fica feliz em ter suas falhas pessoais atribuídas a questões médicas, porque isso as isenta de responsabilidade. Não é sua culpa que você tenha atacado violentamente, você tem um trauma. Não é sua culpa que falta energia, você tem muito Covid. Não é sua culpa se você odeia sua aparência, você tem disforia de gênero.

A patologização também é uma forma eficaz de fabricar simpatia.

Nas redes sociais, os jovens liberais agora se envolvem em “pesca triste”, uma espécie de Síndrome de Munchausen digital, em que as pessoas fabricam doenças por pena e influência; alguns fingem múltiplas personalidades. O poder dos transtornos de saúde mental para atrair a atenção online os transformou em acessórios de moda, peculiaridades para ajudar as crianças a se destacarem da multidão e até aumentar seu apelo de namoro .

Infelizmente, esses distúrbios não são apenas rótulos inofensivos; a patologização intencional por influenciadores está causando patologização não intencional entre os espectadores. Relatórios falam de meninas adolescentes desenvolvendo repentinamente “tiques TikTok” depois de assistir a vídeos. Outros falam de adolescentes apresentando múltiplas personalidades depois de assistir a vídeos de pessoas que afirmam ter transtorno dissociativo de identidade. Como a atomização torna as pessoas mais desesperadas por simpatia e a competição as torna mais desesperadas por atenção, é provável que a pesca triste e suas consequências só piorem.

Mas, por mais perturbador que tudo isso seja, a cultura de vitimização não é a única força por trás da pandemia de patologização. Foi auxiliado por uma indústria médica que tem seus próprios incentivos para exagerar a prevalência de transtornos mentais. Em seu livro Medical Nemesis , de 1974, o filósofo austríaco Ivan Illich descreveu o processo de “medicalização”, a tendência dos médicos de recategorizar os problemas cotidianos como questões médicas. Illich explicou que os médicos se concentram em procurar a doença, não a saúde, e essa busca obsessiva, mediada pelo viés de confirmação, os leva a ver gradualmente cada vez mais coisas como doentes.

A capacidade dos médicos de ver com precisão os sintomas que procuram é facilitada pelo aumento do conceito , a tendência de as definições de distúrbios se expandirem gradualmente para abranger mais pessoas. O aumento nos diagnósticos de autismo, por exemplo, pode ser amplamente atribuído a uma ampliação diagnóstica do espectro do autismo. A fluência do conceito é uma instância do princípio Shirky, que afirma: “As instituições tentarão preservar os problemas para os quais são a solução”. O motivo geralmente é financeiro; o número de gestações que requerem cesarianas aumentou gradualmente porque esse método de parto é mais lucrativo. Da mesma forma, se você está simplesmente triste, as empresas médicas não podem monetizá-lo, mas se sua angústia for reclassificada como, digamos, disforia de gênero, essas empresas podem vender bloqueadores de puberdade ou procedimentos cirúrgicos

Portanto, temos uma indústria médica que é financeira e ideologicamente motivada a exagerar a prevalência da doença, e temos uma cultura de vitimização que encoraja as pessoas a se verem oprimidas por coisas que não podem controlar. No meio disso, temos pessoas comuns tentadas a colocar a culpa de seus problemas em questões médicas em prol de respostas fáceis. Essas três entidades juntas formam um sistema que se reforça mutuamente.

O falecido filósofo Ian Hacking, em seu livro Rewriting the Soul, detalha como no século 20, a imprensa, o público e a indústria médica operaram em conjunto para criar novas formas de loucura a partir de meras fofocas. Antes de 1970, quase não havia casos de transtorno de personalidade múltipla (agora conhecido como transtorno dissociativo de identidade), mas depois que um caso foi bem divulgado pela mídia, muitas pessoas começaram a usar o conceito de personalidades múltiplas para entender seus próprios problemas. , conformando-se - intencionalmente ou não - aos sintomas oficiais do distúrbio. Quando os médicos especularam que as pessoas podem inventar múltiplas personalidades para lidar com o abuso sexual infantil, as pessoas começaram a inventar múltiplas personalidades para lidar com o abuso sexual infantil. Alguns até se "lembraram" de repente de terem sido abusados ​​sexualmente, embora o conceito de memórias reprimidas não tenha base de fato.. Inicialmente, os pacientes relataram ter duas ou três personalidades. Dentro de uma década, o número médio foi de 17 .

Assim, os relatos dos pacientes influenciaram os diagnósticos dos médicos, e os diagnósticos dos médicos, por sua vez, influenciaram os relatos dos pacientes. Os critérios diagnósticos tornaram-se prescritivos e também descritivos; eles diziam aos pacientes como eles deveriam se sentir e agir. Hacking chamou esse ciclo de reforço mútuo de “efeito de loop”, e provou ser tão poderoso que transformou alguns casos isolados em uma epidemia. Um efeito de loop semelhante, facilitado pelas mídias sociais, parece estar impulsionando o aumento de relatos de doenças mentais hoje. Isso é um problema porque uma doença imaginária pode causar uma doença real.

Parece, então, que a rápida liberalização e medicalização dos jovens, possibilitada pelas mídias sociais, prejudicou sua autoconfiança e resiliência a contratempos. Muitos adolescentes subsequentemente ficam presos em um ciclo em que sentem angústia, patologizam-na, causando mais angústia, levando a mais patologização e angústia, que eventualmente se transformam em ansiedade e depressão. O aumento dos diagnósticos, portanto, não é apenas uma ilusão causada pela medicalização; a sociedade está ensinando as crianças a se sentirem impotentes e sem valor, o que está causando disfunções reais. Este é o maior perigo da pandemia de patologização: a crença na própria doença é autorrealizável. É uma doença não de qualquer órgão do corpo, mas da própria esperança, e prejudica sua vítima ao incapacitar seu potencial de se recuperar de tudo o mais.

domingo, 2 de julho de 2023

o maior erro da pandemia

 

Durante boa parte da pandemia as mortes foram notificadas por idade e “condições de saúde subjacentes”. Para muitos que não viveram a realidade “ de dentro” foi uma espécie de doutrinação acreditar que essas mortes aconteciam não com jovens saudáveis ​​– os membros economicamente produtivos, importantes e “valiosos” da sociedade – mas sim com os velhos, os fracos, os enfermos.

Desta forma, em outras palavras, a fim de não comprometer o sucesso da economia, ou mesmo interromper a busca do prazer das pessoas, o real problema foi sendo minimizado. Bom , de qualquer maneira, a morte dos idosos ou pessoas com comorbidades aconteceriam : com ou sem COVID.

Os escandinavos, vivendo de metáforas da floresta, classificam essas pessoas como “mechas secas”, aquela frágil vegetação rasteira acumulada no chão da floresta e pronta para entrar em combustão, esperando apenas a inevitável faísca.

Mas quem, realmente, somos “nós”? Por exemplo : um em cada dois australianos tem pelo menos uma condição crônica e mais de um em cada cinco tem mais de sessenta anos. Não deixa de ser absurdo tentar mostrar que essas pessoas são de alguma forma “outras”. Eles não são e todos temos um valor inestimável.

É mais uma ficção cínica que o resto de “nós” será capaz de circular como super-seres vacinados, imunes ao vírus que ceifa os fracos, os enfermos, os velhos.  A prioridade da economia adotada nos tempos mais sombrios da pandemia é uma posição factualmente incorreta, já que os países com melhor desempenho contra o vírus foram uniformemente aqueles que optaram por eliminar a transmissão. Ainda nos resta perguntar “o que exatamente é a economia” e “exatamente de quem é o benefício”?.

De certa forma, “a economia” é realmente um código para movimento, o deslocamento contínuo de pessoas e coisas com o objetivo de gerar lucro. Restringir o movimento – a arma mais poderosa contra qualquer novo patógeno – impede a criação eficiente de lucro. Ao convencer a maior parte do rebanho de que apenas os animais mais fracos na borda serão apanhados pelos predadores, a maior parte continua. Não importa que isso não seja verdade e que seja uma faixa do próprio volume que é eliminada: o crescimento populacional logo corrigirá isso em alguns anos. O essencial é manter o rebanho em movimento.