quinta-feira, 22 de junho de 2023

uma abordagem holística para a depressão


 

Existe muita controvérsia sobre a causa da depressão. Pesquisas indicam que mais de 80% do público culpa um “desequilíbrio químico” no cérebro. Essa ideia é defendida na psicologia popular e citada em artigos de pesquisa e livros médicos .

A substância química cerebral desequilibrada em questão é a serotonina, um importante neurotransmissor com os lendários efeitos de “bem-estar”. A serotonina ajuda a regular os sistemas cerebrais que controlam tudo, desde a temperatura corporal e o sono até o desejo sexual e a fome. Por décadas, vem sendo indicado como a base terapêutica para combater a depressão. Medicamentos amplamente prescritos como o Prozac (fluoxetina) são projetados para tratar a depressão crônica, aumentando (?) os níveis de serotonina.

No entanto, as causas da depressão vão muito além da deficiência de serotonina. Estudos clínicos concluíram o papel dessa substância na prática clínica tem sido exagerado. De fato, toda a premissa da teoria do desequilíbrio químico pode estar errada, apesar do alívio que as medicações parecem trazer a muitos pacientes.

Uma revisão da literatura que apareceu na revista “ Molecular Psychiatry” recentemente foi a última e talvez a mais alta sentença de morte para a hipótese da serotonina, pelo menos em sua forma mais simples. Uma equipe internacional de cientistas liderada por Joanna Moncrieff da University College London examinou 361 trabalhos de seis áreas de pesquisa e avaliou cuidadosamente 17 deles. Eles não encontraram evidências convincentes de que níveis mais baixos de serotonina causassem ou estivessem associados à depressão. As pessoas com depressão não pareciam ter menos atividade de serotonina do que as pessoas sem o distúrbio. Experimentos nos quais os pesquisadores reduziram artificialmente os níveis de serotonina de voluntários não causaram depressão consistentemente. Estudos genéticos também parecem descartar qualquer conexão entre os genes que afetam os níveis de serotonina e a depressão, mesmo quando os pesquisadores tentaram considerar o estresse como um possível cofator.

A progressiva avaliação de que os déficits de serotonina por si só provavelmente não causam depressão vem deixando dúvidas sobre a sua causa. Tudo nos conduz a pensar que pode não haver uma resposta simples. Na verdade, isto está conduzindo os pesquisadores neuropsiquiátricos a repensar o que pode ser a depressão.

A história da relação entre serotonina e depressão começou com um medicamento para tuberculose. Na década de 1950, os médicos começaram a prescrever iproniazida, um composto desenvolvido para atingir a bactéria Mycobacterium tuberculosis .A droga não era muito eficiente para o tratamento de infecções por tuberculose – mas promoveu , para alguns pacientes, um efeito colateral inesperado e agradável.O humor tendia a melhorar. Surpresos com esse resultado, os pesquisadores começaram a estudar como a iproniazida e drogas relacionadas agiam no cérebro de ratos e coelhos. Eles descobriram que as drogas impediam o corpo dos animais de absorver compostos chamados aminas – que incluem a serotonina, uma substância química que transmite mensagens entre as células nervosas do cérebro.

Vários psicólogos proeminentes acreditaram que a depressão poderia ser causada por uma deficiência crônica de serotonina no sistema nervoso central. A hipótese passou a estimular décadas de desenvolvimento de drogas e pesquisas neurocientíficas. No final dos anos 80 surgiram os medicamentos inibidores seletivos da recaptação da serotonina (ISRS), como o Prozac. Hoje, essa hipótese ainda é a explicação mais frequentemente dada a pacientes com depressão.

Mas dúvidas sobre o modelo da serotonina começaram a surgir em meados da década de 1990. Alguns pesquisadores notaram que os medicamentos geralmente ficavam aquém das expectativas e não melhoravam significativamente o quadro clínico. No início dos anos 2000, poucos especialistas ainda acreditavam que a depressão era causada apenas pela falta de serotonina, mas ninguém jamais tentou uma avaliação abrangente das evidências. Isso eventualmente levou Moncrieff a organizar o estudo. Ela e seus colegas descobriram que não, mas a hipótese ainda tem adeptos. Em outubro do ano de 2022 - apenas alguns meses após a publicação da revisão - um artigo publicado online na ” Biological Psychiatry “ afirmou oferecer uma validação concreta da teoria da serotonina. Outros pesquisadores permanecem céticos, no entanto, porque o estudo analisou apenas 17 voluntários. Moncrieff descartou os resultados como estatisticamente insignificantes.

Embora os níveis de serotonina não pareçam ser o principal fator de depressão, os antidepressivos mostram uma melhora modesta em relação aos placebos em ensaios clínicos. Mas o mecanismo por trás dessa melhoria permanece indefinido. A especulação sobre a fonte desse benefício gerou teorias alternativas sobre as origens da depressão.

Os antidepressivos alteram as concentrações relativas de outras substâncias químicas além da serotonina. Alguns psiquiatras clínicos acreditam que um dos outros compostos pode ser a verdadeira força que induz ou alivia a depressão. Por exemplo, as drogas aumentam os níveis circulantes do aminoácido triptofano, um precursor da serotonina que ajuda a regular os ciclos do sono. Nos últimos 15 anos, esse produto químico emergiu como um forte candidato por si só para evitar a depressão.

Vários estudos analisando a falta de triptofano descobriram que cerca de dois terços das pessoas que se recuperaram recentemente de um episódio depressivo terão uma recaída quando receberem dietas artificialmente baixas em triptofano. Pessoas com histórico familiar de depressão também parecem vulneráveis ​​à depleção de triptofano. E o triptofano tem um efeito secundário de aumentar os níveis de serotonina no cérebro. Evidências recentes também sugerem que tanto o triptofano quanto a serotonina podem contribuir para a regulação de bactérias e outros micróbios que crescem no intestino, e os sinais químicos dessa microbiota podem afetar o humor. Embora os mecanismos exatos que ligam o cérebro e o intestino ainda sejam pouco compreendidos, a conexão parece influenciar a forma como o cérebro se desenvolve. No entanto, como a maioria dos estudos de depleção de triptofano até agora foram pequenos, o assunto está longe de ser resolvido.

Outros neurotransmissores como o glutamato, que desempenha um papel essencial na formação da memória, e o GABA, que inibe as células de enviar mensagens umas às outras, também podem estar envolvidos na depressão.. Uma outra hipótese é de que a serotonina tem efeitos tão generalizados no cérebro que podemos ter dificuldade em separar seu efeito antidepressivo direto de outras mudanças em nossas emoções ou sensações que substituem temporariamente os sentimentos de ansiedade e desespero.

 

Nem todas as teorias da depressão dependem de deficiências de neurotransmissores. Alguns procuram culpados no nível genético.

Quando o primeiro rascunho quase completo da sequência do genoma humano foi anunciado em 2003, foi amplamente saudado como a fundação de uma nova era na medicina. Nas duas décadas desde então, os pesquisadores identificaram genes subjacentes a um enorme espectro de distúrbios, incluindo cerca de 200 genes que foram associados ao risco de depressão.É muito importante que as pessoas entendam que existe uma genética da depressão e não apenas fatores psicológicos e ambientais .Nosso conhecimento da genética, no entanto, é incompleto. Simplesmente ter os genes para depressão não garante necessariamente que alguém ficará deprimido. Os genes também precisam ser ativados de alguma forma, por condições internas ou externas.

A pesquisa genética estuda a da depressão mapeando os genomas dos indivíduos e observando-os cuidadosamente como respondem a mudanças em seu ambiente. Isso foi feito recentemente analisando o estresse causado pela pandemia de Covid-19. Diferentes variações genéticas podem afetar se os indivíduos respondem a certos tipos de estresse, como privação de sono, abuso físico ou emocional e falta de contato social, tornando-se depressivo.

Às vezes, influências ambientais, como o estresse, também podem dar origem a mudanças “epigenéticas” em um genoma que afetam a expressão gênica subsequente. Por exemplo, é possível estudar mudanças epigenéticas nas extremidades dos cromossomos, conhecidas como telômeros, que afetam a divisão celular. Ou mudanças em marcadores químicos chamados grupos de metilação, que podem ativar ou desativar genes. Às vezes, as mudanças epigenéticas podem até ser transmitidas de geração em geração.Os efeitos do ambiente são tão biológicos quanto os efeitos dos genes. Os estudos desses genes podem um dia ajudar a identificar a forma de tratamento a que um paciente responderia melhor. Alguns genes podem predispor um indivíduo a melhores resultados da terapia cognitivo-comportamental, enquanto outros pacientes podem se sair melhor com um fármaco. No entanto, é muito cedo para dizer quais genes respondem a qual tratamento.

A equipe liderada por Jonathan Repple , pesquisador em psiquiatria da Universidade Goethe em Frankfurt, Alemanha, descreveu como escaneou os cérebros de voluntários com depressão aguda e descobriu que eles diferiam estruturalmente daqueles de um grupo de controle não deprimido. Por exemplo, pessoas com depressão mostraram menos conexões dentro da “substância branca” das fibras nervosas em seus cérebros. Depois que o grupo deprimido passou por seis semanas de tratamento, a equipe de Repple fez outra rodada de exames cerebrais. Desta vez, eles descobriram que o nível geral de conectividade neural no cérebro dos pacientes deprimidos aumentou à medida que seus sintomas diminuíram. Para obter o aumento, não parecia importar que tipo de tratamento os pacientes recebiam, desde que seu humor melhorasse.

Uma possível explicação para essa alteração é o fenômeno da neuroplasticidade : o cérebro realmente é capaz de criar novas conexões, mudar sua fiação. Se a depressão ocorre quando um cérebro tem poucas interconexões ou perde algumas, então aproveitar os efeitos neuroplásticos para aumentar a interconexão pode ajudar a melhorar o humor de uma pessoa.

Repple complementa que outra explicação para os efeitos observados por sua equipe também é possível: talvez as conexões cerebrais dos pacientes deprimidos tenham sido prejudicadas pela inflamação. A inflamação crônica impede a capacidade de cura do corpo e, no tecido neural, pode degradar gradualmente as conexões sinápticas. Acredita-se que a perda de tais conexões contribua para os transtornos de humor. Boas evidências apóiam essa teoria. Quando os psiquiatras avaliaram populações de pacientes com doenças inflamatórias crônicas como lúpus e artrite reumatóide, eles descobriram que “todos eles têm taxas de depressão acima da média”. É claro que saber que eles têm uma condição degenerativa incurável pode contribuir para os sentimentos de depressão do paciente, mas os pesquisadores suspeitam que a própria inflamação também seja um fator.

Induzir inflamação em certos pacientes pode desencadear depressão. O interferon alfa, que às vezes é usado para tratar hepatite C crônica e outras condições, causa uma grande resposta inflamatória em todo o corpo ao inundar o sistema imunológico com proteínas conhecidas como citocinas – moléculas que facilitam reações inflamatórias. Isso leva à perda de apetite, fadiga e desaceleração da atividade mental e física – todos sintomas de depressão maior. Os pacientes que tomam interferon geralmente relatam sentir-se repentinamente, às vezes gravemente, deprimidos.

Se a inflamação crônica negligenciada está causando a depressão em muitas pessoas, os pesquisadores ainda precisam determinar a fonte dessa inflamação. Distúrbios autoimunes, infecções bacterianas, alto estresse e certos vírus, incluindo o vírus que causa a Covid-19, podem induzir respostas inflamatórias persistentes. A inflamação viral pode se estender diretamente aos tecidos do cérebro. A elaboração de um tratamento anti-inflamatório eficaz para a depressão pode depender de saber qual dessas causas está em ação.

Cada vez mais, alguns cientistas estão pressionando para reformular a “depressão” como um termo genérico para um conjunto de condições relacionadas, assim como os oncologistas agora pensam em “câncer” como se referindo a uma legião de malignidades distintas, mas semelhantes. E assim como cada câncer precisa ser prevenido ou tratado de maneira relevante para sua origem, os tratamentos para depressão podem precisar ser adaptados ao indivíduo.

Se houver diferentes tipos de depressão, eles podem apresentar sintomas semelhantes – como fadiga, apatia, alterações no apetite, pensamentos suicidas e insônia ou sono excessivo – mas podem surgir de misturas completamente diferentes de fatores ambientais e biológicos. Desequilíbrios químicos, genes, estrutura cerebral e inflamação podem desempenhar um papel em graus variados. Em cinco ou 10 anos, não estaremos falando sobre depressão como algo unitário.

Para tratar a depressão de forma eficaz é preciso , portanto, desenvolver uma compreensão diferenciada das maneiras pelas quais ela pode surgir.Esperamos que algum dia o padrão-ouro para o cuidado não seja apenas um tratamento - será um conjunto de ferramentas de diagnóstico que podem determinar a melhor abordagem terapêutica, seja terapia cognitivo-comportamental, mudanças no estilo de vida, neuromodulação, evitando gatilhos genéticos, terapia de fala, medicação ou alguma combinação dos mesmos.

Essa previsão pode frustrar alguns médicos e desenvolvedores de medicamentos, pois é muito mais fácil prescrever uma solução única para todos. Mas apreciar a verdadeira e real complexidade da depressão nos leva a um caminho que será mais impactante.

Nenhum comentário:

Postar um comentário