No início da pandemia da COVID-19, com tanto desconhecimento
e angústia diante de uma situação de risco à saúde, havia uma busca desesperada por uma terapia contra o vírus que se espalhava por todo o mundo. À medida que
os ambulatórios e hospitais ficaram sobrecarregados, ficou claro que eram
necessários tratamentos ambulatoriais precoces eficazes, seguros e acessíveis
para evitar um colapso. Os cientistas se voltaram primeiro para terapias que
mostraram alguma uma promessa de atividade in vitro contra o coronavírus . Em
muitos aspectos, a hidroxicloroquina, um antimalárico usado para doenças
autoimunes, com décadas de dados de segurança e com estudos sugerindo eficácia
in vitro contra o vírus, era uma terapia candidata ideal. O que aconteceu a
seguir, no entanto, foi uma infeliz comédia de erros que desperdiçou recursos e
oportunidades para encontrar terapias eficazes.
Centenas de ensaios clínicos (principalmente pequenos) foram
lançados nos primeiros meses de 2020 para avaliar se a hidroxicloroquina poderia
prevenir ou tratar a COVID-19. De acordo com dados disponíveis atuais, 247
desses ensaios foram registrados. Nessa verdadeira corrida do ouro, alguns
desses estudos competiram com os mesmos pacientes. Lamentavelmente, antes da
conclusão do primeiro estudo controlado randomizado, a hidroxicloroquina
tornou-se uma causa célebre. Foi endossada por uma série de médicos,políticos e
outros pretendentes a celebridades que se apoiavam em uma variedade de estudos
observacionais confusos. Muitos serviços de atendimento à covid 19 e médicos
particulares começaram a prescrever o medicamento.Pacientes começaram a
solicitar a hidroxicloroquina induzidos por indivíduos irresponsáveis.
Uma publicação na revista The Lancet Regional Health –
Americas de um grande estudo controlado randomizado duplo-cego de
hidroxicloroquina em 1372 participantes com COVID-19 é digno de nota e
louvável.Embora este estudo bem projetado e conduzido tenha ficado aquém de sua
meta de recrutamento de 1.620 participantes infectados, é o maior estudo
terapêutico ambulatorial de hidroxicloroquina publicado até agora. Como dezenas
de ensaios menores publicados antes, ele não conseguiu demonstrar qualquer
benefício da hidroxicloroquina na prevenção da progressão da COVID-19 entre
pacientes ambulatoriais com COVID-19. Há algum tempo, com dezenas de ensaios
publicados, podemos finalmente fechar as cortinas da hidroxicloroquina para a
COVID-19. No entanto, precisamos aprender algumas lições para futuras pandemias
e para a ciência clínica em geral.
Embora lenta e árdua, a progressão de uma terapia testada in
vitro para modelos animais e depois para ensaios clínicos progressivamente
maiores é fundamental para evitar a priorização equivocada de agentes com
poucas perspectivas de sucesso, mas com riscos de desviar recursos escassos e
expor pacientes a um dano potencial.No caso da hidroxicloroquina houve um
entusiasmo depois que um estudo mostrou que ela poderia bloquear a infecção por
SARS-Cov-2 em células derivadas de rins de macacos. A hidroxicloroquina aumenta
o pH celular, interferindo assim com uma protease dependente de pH que facilita
a entrada viral.No entanto, nas células epiteliais das vias aéreas (que,
obviamente, são mais fisiologicamente relevantes para uma infecção respiratória),
a entrada do SARS-Cov-2 é facilitada por uma protease independente do pH, anulando
assim o efeito da droga. Além disso, os resultados de experimentos em vários
modelos animais posteriormente não mostraram nenhum benefício da
hidroxicloroquina na prevenção ou tratamento da COVID-19.O problema é que no
inicio da pandemia dezenas de “conclusões” já estavam em andamento
Apesar da ausência de dados de ensaios clínicos, muitos
indivíduos com potencial influenciador apoiaram a hidroxicloroquina como uma
terapia candidata para a COVID-19 e um lamaçal de atitudes políticas levou a
uma falha maciça em provar ou refutar a utilidade do medicamento.
Em última análise, a hidroxicloroquina não teve benefício
clínico nenhum para a COVID-19. Os esforços dos pesquisadores e a boa vontade
dos pacientes que se voluntariaram para os estudos não devem ser diminuídos,
mas as lições extraídas desse fiasco devem nos estimular a fazer muito melhor na próxima pandemia.
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