Novamente nos vemos diante de uma nova doença transmissível
a preocupar o planeta.Trata-se da varíola dos macacos ( monkeypox) – uma doença
viral rara, mas potencialmente grave, com dezenas de casos confirmados ou
suspeitos no Reino Unido, Espanha, Portugal e mais recentemente nos Estados
Unidos .
O vírus responsável pelos casos é um parente próximo do que
causou a varíola, mas é menos mortal e menos transmissível, causando sintomas
que incluem febre e erupção cutânea ( lesões bolhosas pela pele). Endêmico da
África ocidental e central, foi descoberto pela primeira vez em macacos de
laboratório em 1958 – daí o nome – mas os animais selvagens que abrigam o vírus
são provavelmente roedores. O vírus ocasionalmente se espalha para os humanos e
essas infecções se tornaram mais comuns nas últimas décadas . Raramente, a
varíola dos macacos chega a outros continentes e, quando isso acontece, os
surtos são pequenos. O único surto americano significativo ocorreu em 2003,
quando um carregamento de roedores vindos de Gana espalhou o vírus para cães em
Illinois, que foram vendidos como animais de estimação e infectaram cerca de 47
pessoas, nenhuma de modo fatal. No ano passado (2021), dois viajantes
transportaram independentemente o vírus da Nigéria para os EUA, mas não
infectaram mais ninguém.
Os surtos atuais na Europa e nos EUA são diferentes e muito
preocupantes. O primeiro caso, identificado no Reino Unido em 7 de maio , se
enquadra no padrão tradicional: o indivíduo havia viajado recentemente para a
Nigéria. Mas vários outros não estiveram recentemente em países endêmicos e
alguns não tiveram contato óbvio com pessoas conhecidas por estarem infectadas.
Isso sugere que o vírus pode estar se espalhando de pessoa para pessoa, com
alguns casos não detectados. (O período de incubação entre a infecção e os sintomas
é longo, variando de 5 a 21 dias .)
Podemos já considerar que a Monkeypox é um teste das lições
que o mundo aprendeu (ou não) com a COVID. Será que iniciaremos com as
polêmicas não científicas ou daremos passagem para a verdadeira ciência ? Evitaremos
a incerteza em uma busca frenética por respostas que mais tarde provam estar
erradas?
A COVID era
completamente desconhecida quando apareceu pela primeira vez, mas a varíola dos
macacos é bem estudada Já sabemos que a doença não se espalha facilmente.. O
vírus é transmitido através de superfícies contaminadas ou na proximidade
prolongada com outras pessoas infectadas razão pela qual a maioria dos surtos
foi pequena .A maioria das transmissões ocorrem entre membros da família ou
profissionais de saúde.
Claro, já ouvimos isso antes. No início de 2020 , muitos
especialistas afirmaram que o COVID se espalhava apenas por superfícies
contaminadas ou gotículas próximas – daí as regras de dois metros de
distanciamento e o teatro da higiene. Agora é amplamente aceito que a doença se
espalha por meio de partículas de aerossol menores e de maior alcance – daí a
importância da ventilação e das máscaras. Mas isso não significa que a história
está se repetindo com a varíola dos macacos. Um estudo de 2012 sugeriu que o
vírus pode persistir em aerossóis por vários dias – mas isso foi em condições
artificiais de laboratório, e a persistência é apenas uma pequena parte do
processo de infecção.Em comparação com o SARS-CoV-2, a varíola dos macacos é um
vírus completamente diferente e o risco de transmissão natural por aerossol é
muito menos provável. E o fato é que os surtos anteriores de varíola dos
macacos foram inconsistentes com um vírus que viaja tão facilmente quanto o
coronavírus.
Por outro lado, temos menos certeza sobre a varíola dos
macacos do que sobre o COVID.Nosso conhecimento sobre a varíola dos macacos é
baseado em apenas 1.500 casos registrados em 2018.Não podemos usar o que aconteceu com
os surtos anteriores de varíola dos macacos para fazer declarações abrangentes.
Se aprendemos alguma coisa com o COVID, é ter humildade.
Durante décadas, alguns cientistas expressaram preocupações
de que o vírus da varíola dos macacos pudesse ter se tornado melhor em infectar
pessoas – ironicamente porque erradicamos seu parente, a varíola, no final dos
anos 1970. A vacina contra a varíola protegeu incidentalmente contra a varíola
dos macacos. E quando novas gerações nasceram em um mundo sem campanhas de
varíola ou de vacinação contra a varíola, elas cresceram vulneráveis. Na República Democrática do Congo, essa diminuição da imunidade fez
com que as infecções por varíola dos macacos aumentassem 20 vezes nas três
décadas após o desaparecimento da varíola. Isso dá ao vírus mais chances de
evoluir para um patógeno mais transmissível em humanos. Até o momento, seu R0 –
o número médio de pessoas que contraem a doença de uma pessoa infectada – foi
inferior a 1, o que significa que os surtos desaparecem naturalmente. Mas pode
eventualmente evoluir acima desse limite e causar epidemias mais prolongadas.
Essa possibilidade lança uma nuvem de incerteza sobre os
atuais surtos.Estamos diante de uma nova e mais transmissível cepa de varíola
dos macacos? Ou eles são simplesmente o resultado de pessoas viajando mais
depois que as restrições globais do COVID foram liberadas ? Até agora, os casos
são mais numerosos do que um surto normal mas não tanto a ponto de
sugerir um vírus radicalmente diferente.
As respostas devem vir rapidamente. Em poucos dias, os
cientistas devem ter sequenciado os vírus dos surtos atuais, o que mostrará se
eles abrigam mutações que podem ter alterado suas propriedades. Dentro de
semanas, os epidemiologistas europeus devem ter uma ideia mais clara de como os
casos existentes começaram e se há conexões entre eles.
Além disso, já existe uma vacina. Uma vacina contra a
varíola é 85% eficaz na prevenção da doença e já foi licenciada para uso contra
o vírus. E como outra precaução de bioterrorismo, os estoques de três vacinas
contra a varíola são grandes o suficiente para vacinar basicamente todos nos
EUA.E embora os pacientes com varíola geralmente recebam apenas cuidados de
suporte, existe um tratamento possível e também foi armazenado: o tecovirimat,
ou TPOXX , foi desenvolvido para tratar a varíola, mas provavelmente
funcionaria também para a monkeypox.
Existe uma diferença na taxa de mortalidade dependendo da
cepa viral. A taxa de mortalidade frequentemente citada de cerca de 10% se
aplica a uma cepa que infectou pessoas na Bacia do Congo. A cepa da África
Ocidental, à qual vários dos casos atuais estão ligados, tem uma taxa de
mortalidade próxima de 1% – e isso ocorre em populações rurais pobres. Ainda
assim, como o COVID mostrou, mesmo quando uma doença não mate, dificilmente
pode contar como “leve”. Monkeypox pode não decolar da maneira que o COVID fez,
mas para aqueles que a contraem, continua sendo uma “doença substancial”.Os
pacientes mantém sintomas por duas a quatro semanas. É urgente identificar as
pessoas cedo, tratá-las e identificar contatos. Um sintoma comum é a erupção
cutânea óbvia, que parece uma versão extrema da catapora. Mas, ao contrário da
varicela, as lesões são inicialmente mais dolorosas eos gânglios linfáticos
estão inflamados.
Como a COVID mostrou, as narrativas iniciais sobre uma
doença podem se transformar rápida e prematuramente em uma tradição aceita. E essas narrativas se transformam em estigma.A comunicação pode ser um dos
desafios mais difíceis da monkeypox, como tem sido com a COVID.
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