A mecânica quântica nos diz que dentro do materialismo – a
ideia de que nada existe exceto a matéria e seus movimentos – existem
incertezas que não derivam de nossa ignorância, mas são fundamentais para a
matéria e as leis que a regem. Nessa visão, a incerteza é uma característica
inextirpável de nosso mundo físico.
Isso pode ser algo um tanto frustante para estudantes de
graduação. Muitos deles receberam a mensagem de que ciência é sinônimo de
materialismo e materialismo é sinônimo de certeza. Reconhecer que a incerteza é
uma característica essencial do Universo nos deixa confusos.
Sempre estamos pensando sobre a relação entre as
propriedades da matéria e a certeza, e o grau em que uma compreensão quântica
do mundo poderia injetar subjetividade e incerteza. Immanuel Kant não questiona
se as coisas existem.A filosofia kantiana aborda o grau em que as coisas podem
ser conhecidas e também o grau em que podemos dizer mais sobre elas do que as
simples aparências. Na sua visão, as coisas nunca serão libertadas da incerteza
porque nunca as percebemos em si mesmas. Nós as notamos através de nossos
sistemas perceptivos. A aparência para Kant, então, não nega a existência da
coisa.
O antigo filósofo grego Demócrito pregou o evangelho: 'Por
convenção, doce é doce, amargo é amargo, quente é quente, frio é frio, cor é
cor; mas na verdade existem apenas átomos e o vazio.' Mas, devido à maneira
como a ciência é ensinada, as pessoas costumam ter uma representação errônea do
mundo atômico.O célebre físico Richard Feynman prôpos a sua hipótese atômica:
'todas as coisas são feitas de átomos - pequenas partículas que se movem em
movimento perpétuo, atraindo-se quando estão a uma pequena distância, mas
repelindo-se ao serem espremidas umas nas outras.' Essa hipótese simplifica
demais os átomoss e, assim, as incertezas quânticas permanecem escondidas
debaixo do tapete, mas tem amplo poder explicativo para física, química,
biologia e tudo mais.
Em contraste com a hipótese atômica podemos abordar uma
resposta desconstrucionista: 'Ontologia é ideologia.' Este slogan afirma que a
realidade do mundo (ontologia) é muito complexa, imensa e escorregadia para a
mera linguagem. Portanto, quaisquer afirmações metafísicas, incluindo
afirmações científicas, sobre o que é 'realmente real' são necessariamente
'apenas ideias'. Esse negacionismo ontológico faz explodir a cabeça dos
materialistas metafísicos, como a maioria dos cientistas.
O bóson de Higgs mostrou que a configuração da matéria tinha
primeiro que ser imaginada bem antes que pudesse ser provada.O bóson de Higgs
foi uma revelação, e não no sentido de uma 'partícula de Deus' como ficou
popularmente conhecido. Primeiro, Peter Higgs levantou a hipótese da existência
de tal campo mais de 20 anos antes que qualquer evidência empírica pudesse ser
entregue. Tinha que ser imaginado primeiro. Em segundo lugar, se a matéria
adquire sua massa por meio desse bóson de Higgs, então a matéria é uma entidade
dinâmica, uma interação. Um processo não é uma coisa!
Albert Einstein disse que a matéria era uma forma de
energia, mas o que permitiu que a matéria tomasse forma e por que essa ideia
aparentemente simples e básica é tão difícil de entender? Por que Michael
Faraday, que inventou o gerador elétrico, mudou de ideia sobre um campo
magnético: movendo o campo de um conceito teórico para uma coisa real? Uma vez
que ele fez essa mudança, como ele poderia provar sua coisificação? Ele o fez
mostrando que tinha duração ao longo do tempo.
Alguns autores como Jerome McGann e Clifford Siskin haviam
submetido a imaginação humana a uma crítica implacável: desprezando-a como
escapismo, uma negação completa de realidades como as revoluções industrial e
francesa. Mas se a matéria tivesse que ser imaginada, e se Faraday tivesse que
imaginar como provar que o campo magnético é uma coisa, então tanto a
imaginação quanto a matéria estariam repletas de muito mais incerteza do que
imaginam os críticos de hoje. O posicionamento da matéria de um lado e a
imaginação escapista do outro era uma convicção dos críticos atuais, não dos
escritores da época. O bóson de Higgs mostrou que a configuração da matéria
tinha primeiro que ser imaginada bem antes de poder ser provada. O poeta e
artista William Blake, que ilustrou livros científicos e médicos, estava certo
quando afirmou 'O que agora está provado foi apenas imaginado.' Seu ponto era que
a prova era tardia e um conjunto muito menor de coisas do que a imaginação
cria.
Devemos ter cuidado ao afirmar um certo exagero da ciência e
a proliferação do cientificismo, uma crença de que o método científico produz o
único conhecimento útil e uma superestimação da objetividade e do determinismo
possíveis dentro de sistemas complexos. A teoria quântica revela que a matéria
carrega uma incerteza que mina o determinismo ingênuo que tanto os oponentes
quanto os adeptos do materialismo às vezes afirmam.Temos que dinamizar a
incerteza inerente e a indeterminação do emaranhamento , contextualidade e
outras formas de estranheza quântica.São ferramentas, não oponentes.A mecânica
quântica impõe uma linha tênue entre epistemologia e ontologia, entre sujeito e
objeto e, portanto, a incerteza é novamente inevitável.Mesmo sistemas físicos
determinísticos e sistemas lógicos dedutivos podem ser praticamente
imprevisíveis, causalmente ambíguos e geralmente ininteligíveis e
ininterpretáveis.
Longe de ser algo a se evitar, a incerteza torna decisões
reais e, portanto, uma criatividade real possível.
Psicólogos como Arie Kruglanski sugerem que a incerteza está
na raiz de muitos maus comportamentos: autoritarismo, intolerância à
ambiguidade e dogmatismo. Os enormes níveis de incerteza de hoje – mudança
climática, inflação, a quase impossibilidade de objetivos sociais
compartilhados, a polarização desenfreada tornando a moderação política muito
difícil – realmente trouxeram à tona o que há de pior em nós. No entanto, se a
incerteza é uma característica do mundo, e não apenas uma história sobre os
limites do conhecimento humano, é melhor encontrarmos maneiras melhores de
enfrentá-la. Compreender a incerteza como uma característica inerradicável do
mundo, como fazem muitos físicos, torna a incerteza não nossa culpa e não
apenas um problema sobre o conhecimento humano
Existencialistas desde Søren Kierkegaard insistem que a
incerteza está no cerne da liberdade. Longe de ser algo a ser evitado, a
incerteza torna decisões reais e, portanto, uma criatividade real possível. Em
suma, a incerteza possibilita nossa própria humanidade.
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