sábado, 2 de julho de 2022

sobre "viver com o vírus"

 

Está implícito nas ações da maioria das pessoas e dos gestores em saúde que a ordem é “viver com o sars cov 2”. Alegações como cansaço , a vida tem que continuar , será como uma gripe etc permeiam a total falta de ações para frear a sua contínua disseminação.

No entanto, essa estratégia não vem se mostrando eficiente diante de tantas consequências , de diferentes repercussões a curto e longo prazo.

Não temos mais como contabilizar a real incidência da doença diante da ausência de estratégias epidemiológicas (que também foram tênues desde o inicio da pandemia) mas a estimativa é de um número de novos casos sem precedentes.É notório o número de pessoas  doentes afastadas do trabalho ou da escola( isso quando existe a conscientização de não sair de casa com a presença de sintomas). Essas infecções também inevitavelmente aumentarão o número de casos de pós-Covid cujas reais repercussões ainda não são bem conhecidas.

Em vez de uma “parede” de imunidade decorrente de vacinações e infecções anteriores, estamos vendo onda após onda de novos casos e uma carga crescente de doenças de longo prazo. O que está acontecendo? As últimas pesquisas científicas têm algumas respostas.

Durante maio e junho, duas novas variantes, BA.4 e BA.5, superaram progressivamente a subvariante Omicron anterior, BA.2. São ainda mais transmissíveis e mais imunoevasivas,ou seja reinfectam quem já teve a doença ou foi vacinado. Na semana passada ( final de Junho de 2022), um grupo de colaboradores publicou um artigo na revista Science, analisando de forma abrangente a imunidade contra a família Omicron, tanto em pessoas vacinadas ( 3 doses) quanto naquelas que sofreram infecções naturais durante a onda Omicron. Isso permitiu examinar se a Omicron era, como alguns esperavam, uma variante impulsionadora de nossa imunidade ao Covid. Importante : não é o caso !!

Foram avaliadas muitas repostas da imunidade, incluindo os anticorpos mais implicados na proteção (“anticorpos neutralizantes”), bem como a “memória imune” protetora nos glóbulos brancos. A maioria das pessoas – mesmo quando totalmente vacinadas – teve 20 vezes menos resposta de anticorpos neutralizantes contra Omicron do que contra a cepa inicial “Wuhan”. É importante ressaltar também que a infecção pela Omicron foi um fraco reforço da imunidade para outras infecções pela própria Omicron. Essa variante se tornou um tipo de vírus furtivo que passa despercebido sem fazer muito para alertar as defesas imunológicas.Isso facilita e demonstra o que já vemos na prática : muitas pessoas estão sendo reinfectadas.

Mais uma grande lição que aprendemos com a covid : nossa resposta imune ao vírus é moldada de maneira muito diferente, dependendo de nossas exposições anteriores – infecção em uma onda em relação à outra, mais vacinação.Exemplo : no estudo, aqueles que foram infectados na primeira onda e depois novamente com Omicron tiveram respostas de células T particularmente pobres e nenhum aumento de anticorpos. Ou seja, algumas combinações de exposições podem nos deixar mal protegidos em relação a outras !!!!!

Ao contrário do mito de que estamos entrando em um relacionamento evolucionário “confortável” com o vírus , semelhante ao resfriado comum, isso é mais como estar preso em uma montanha-russa em um filme de terror. Não há nada amigável em uma grande parte da população que continua se expondo e se reinfectando ( e transmitindo !!) com apenas algumas semanas de intervalo. Isso ainda somado às consequências do pós covid.

Para os imunologistas é algo totalmente desafiador.Tentar decodificar essa resposta imune inédita.

A primeira geração de vacinas serviu brilhantemente para nos tirar do impacto ddos óbitos e doenças graves do primeiro ano da pandemia, mas a corrida armamentista de reforços ,novas vacinas , medicamentos antivirais não está mais indo bem . Existe uma pluraridade de condutas em todo mundo principalmente em relaçãoà oferta de vacinas. O Reino Unido ,por exemplo, ofereceu apenas quartas doses a um grupo limitado e, mesmo assim, a aceitação foi ruim. Mesmo que tivéssemos uma boa cobertura vacinal, teríamos consequências de enfrentamento. Um estudo do BMJ (British Medical Journal) mostrou que a proteção obtida com uma quarta dose de reforço provavelmente diminui ainda mais rápido do que os reforços anteriores. Isso nos diante de um dilema : continuar a oferecer reforços abaixo do ideal para uma população que parece ter perdido a fé ou o interesse em aceitá-los, ou não fazer nada e cruzar os dedos para que a imunidade residual possa de alguma forma impedir as hospitalizações ( como aconteceu na África do Sul e em Portugal).

Há uma atividade massiva para desenvolver opções de vacinas de segunda geração que podem ser melhores – incluindo vacinas específicas de variantes ou vacinas “pan-coronavírus”. Embora existam estudos de laboratório promissores sobre isso, não temos evidências comparáveis ​​aos enormes testes de primeira geração que inspiraram confiança em 2020. A realização de testes tornou-se muito mais difícil à medida que lutamos para acompanhar o surgimento de novas subvariantes.

“Viver com o vírus” está sendo difícil para muitos. Esta luta está longe de terminar, e viveremos num processo ativo que requer considerável esforço, intervenção e engenhosidade.

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