Nós adotamos perspectivas e comportamentos porque eles parecem ser consistentes com nossa identidade pessoal. Tomamos uma decisão e isso acaba moldando decisões e crenças futuras. Nossa marca pessoal importa.
A identidade de uma pessoa – ou seja, como ela se vê e como ela quer que os outros a vejam – sempre desempenhou um papel na aceitação e disseminação de informações erradas sobre saúde.Vemos isso, por exemplo, como estratégia de marketing na chamada indústria do bem-estar. Gurus da vida saudável e empresas de estilo de vida propagam poções ,produtos,suplementos e idéias que se encaixam na "vibração" de suas marcas e nas expectativas de seus consumidores – a ciência e as evidências que se danem !
A pandemia mostrou , como nunca , a força do uso da identidade pessoal como forma de impulsionar teorias da conspiração, tratamentos não comprovados e agendas ideológicas.
As pessoas contrárias ao uso de máscaras dizem, por exemplo, que o seu uso infringe seus direitos constitucionais. Se alguém é a favor dos direitos constitucionais (e quem não é?), então deveria ser contra as máscaras – ou assim diz o argumento. Da mesma forma, lockdowns e outros tipos de distanciamento físico são rotulados como ataques às liberdades democráticas básicas.
Muitos que propagam teorias da conspiração sobre fraudes eleitorais estão espalhando mentiras sobre as vacinas da covid 19 . Os "espertos" conhecem o seu público. Os temas costumam ser os mesmos – liberdade, desconfiança das instituições governamentais e ,claro, as teorias conspiratórias na linha politica.
Infelizmente, a pandemia da desinformação ,acobertada pelo manto de marca ideológica contribuiu para a disseminação de idiotices que levaram a danos significativos, incluindo mortes, hospitalizações, descrédito nas instituições sérias e negacionismo científico. Ela moldou crenças e comportamentos, e impactou na na adoção de estratégias de saúde preventivas. Alguns exemplos : um quinto da população adulta americana acredita que as máscaras fazem mal para a saúde. Uma pesquisa do YouGov revelou que 28% dos entrevistados nos EUA acreditavam na teoria da conspiração de que Bill Gates estaria implantando microchips nas vacinas.
A disseminação da desinformação em saúde sempre teve uma dimensão ideológica. A ideologia usa os seus conceitos como estratégia para atrair pessoas para uma comunidade e facilitar a aceitação acritica de perspectivas científicas controversas. Por exemplo, há debates públicos em torno da venda de leite cru, com alguns querendo menos regulamentação e mais acesso, apesar da evidência de danos potenciais devido à falta de pasteurização. Nesse contexto, as mensagens que enquadram a questão como “escolha” e “liberdade alimentar” – como os defensores do leite cru costumam fazer , impactam mais no público em geral do que as preocupações de segurança e saúde cientificamente fundamentadas frequentemente usadas pelas autoridades sanitárias.
As pessoas passam a integrar a crença ideológica especialmente quando ela se encaixa em sua identidade pessoal pré-existente, e permanecem apesar de tanta imbecilidade. Infelizmente, estamos vendo cada vez mais esse tipo de mensagem – ou seja, o uso de linguagem intuitivamente atraente, como “liberdade” e “escolha” – no contexto das vacinas.É claro que as identidades pessoais também influenciarão o tipo de informação que buscamos. Muitas vezes, as pessoas encontrarão alguém que se pareçam "como elas" (ou seja, alinhado com sua identidade pessoal) mais confiável do que um especialista. Essa é uma das razões pelas quais um blogueiro ou influenciador do YouTube pode ter mais influência do que um pesquisador acadêmico que passou uma carreira inteira estudando o assunto relevante. Se o YouTuber falar e confirmar uma visão de mundo pré-existente que é essencial para quem você é, essa mensagem tem uma boa chance de vencer as informações científicas de um especialista.
Quando uma crença se liga à identidade pessoal, ela pode se tornar muito resistente à mudança. De fato, uma vez que uma pessoa se sente parte de uma comunidade ou movimento, a adesão a uma posição livre de ciência pode começar a não parecer marginal, mas “corajosa e justa”.
O que pode ser feito ? Uma coisa a considerar é a velocidade da difusão das inverdades. Estudos demonstram que uma ação contra a desinformação deve acontecer rapidamente. Um estudo publicado na Nature Human Behavior concluiu que uma resposta imediata de comunicação à desinformação da covid 19 pode “fazer uma grande diferença na determinação do impacto social”. Portanto, precisamos combater a desinformação rapidamente, antes que ela se torne simbólica de uma determinada ideologia ou marca de saúde. E também devemos lembrar ao mundo que a política de saúde pública informada pela ciência não é antitética a conceitos como liberdade e escolha. Pelo contrário, combater a desinformação de saúde enganosa aumenta a autonomia e capacita a tomada de decisões informadas – o que parece ser um objetivo que todos deveriam poder apoiar, independentemente de suas inclinações ideológicas.
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