Estamos próximos de um momento determinante do enfrentamento
da pandemia. Como ela termina ! É provável que o coronavírus se torne endêmico
e nós viveríamos com ele para sempre . Mas o que não sabemos - e nenhum país
ainda tem um plano coerente - é como devemos nos direcionar nesta fase de
transição.
Todos evitam as perguntas difíceis cujas respostas determinarão
como será a vida nas próximas semanas, meses e anos: Como administrar a
transição para a endemicidade? Quando as restrições serão suspensas? E que
medidas de longo prazo vamos manter?
Já fomos mais otimistas quando pensamos que
poderíamos contar com as vacinas para a imunidade coletiva. Mas as vacinações em
muitos países e no Brasil seguem lentas e sem as devidas orientações à
população.
A variante Delta e a
diminuição da proteção contra a transmissão significam que a imunidade
coletiva pode ser impossível. Isso se refletiu claramente , em locais como o Reino Unido e Israel,
quando as restrições relacionadas ao COVID voltaram com um novo aumento de caso pela variante.. Uma
proposta foi expandir o grupo de pessoas elegíveis(crianças , por exemplo) para
a vacinação tentando diminuir as internações e casos graves. O caminho a seguir
não é apenas obscuro; é inexistente. Estamos vagando pela floresta porque não
sabemos para onde ir.
O que está claro, no entanto, é que o número de casos , a
métrica que orientou grande parte do nosso pensamento pandêmico e ainda
fundamenta a recomendação das medidas de proteção, está se tornando cada vez
menos útil. Mesmo quando atingirmos a endemicidade – um momento em que a
maioria das pessoas tem imunidade de base de infecção ou vacinação – podemos registrar
milhares de casos todos os anos, graças à diminuição gradual da imunidade e evolução
viral. O que acontece a cada ano,por exemplo, com a gripe. Mas, com as vacinas disponíveis,
nem todos os casos de COVID-19 serão iguais. A grande possibilidade é que sejam
leves com minimas hospitalizações e mortes.
Porém precisamos chegar a algum tipo de acordo sobre o que
estamos tentando prevenir. Estamos tentando evitar a hospitalização? Estamos
tentando prevenir a morte? Estamos tentando prevenir a transmissão? São objetivos
diferentes que irão exigir estratégias diferentes.
Existe uma incerteza científica real à frente. Não sabemos como
a imunidade irá se comportar com o tempo. Quando será necessário implantar doses
de vacina de reforço ? Se houver um considerável número de não vacinados, como
será a incidência de COVID nesses pacientes e se uma nova variante prejudicará
até mesmo os planos mais bem elaborados.
O risco com o qual podemos viver também não é uma questão
inteiramente científica. É uma questão social e política que envolve o
equilíbrio entre os custos e os benefícios das restrições e a luta contra a
fadiga pandêmica do público. A China, por exemplo, tem sido agressivamente
eficaz na supressão de novos casos com bloqueios rígidos.Estamos dispostos a ir
tão longe? Atualmente não.Este é o ponto em que temos que começar a olhar para
nós mesmos e fazer a pergunta difícil: o
que estamos dispostos a fazer para ajudar as outras pessoas?
Um objetivo plausível é se concentrar em minimizar o impacto
do COVID-19 nos hospitais. Um sistema de saúde em colapso significa que mais
pessoas morrerão, não apenas de COVID-19.Em muitos países essa vem sendo a
estratégia de momento. Mas,poucos discutem as consequências do pós Covid , que
acarreta em significativas perdas na qualidade de vida dos pacientes.
Depois de definir o que estamos tentando evitar, podemos
definir as regras de como vamos restringir ou não nossas atividades. Na verdade,
isso pode ser bastante complicado se o objetivo for minimizar as
hospitalizações, um indicador de atraso que fornece uma imagem do passado em
vez do presente.Isso significa que , no momento em que as hospitalizações
começam a aumentar, um aumento do número de casos já ocorreu.
Algumas publicações de especialistas científicos sugerem
algumas métricas de controle de avaliação do andamento da pandemia .Hospitalizações
e óbitos, mas estratificados por idade e estado de vacinação; uma combinação de
taxa de vacinação e transmissão local; uma combinação de taxa de vacinação e
hospitalizações; uma combinação de casos de COVID longo, hospitalizações e
mortes; uma combinação de taxa de crescimento de caso, testes realizados, taxa
de vacinação e hospitalizações. Se isso parece confuso, existe um exemplo da
vida real. A cidade de San Francisco (EUA) recentemente
definiu três critérios para a instituição ou não do uso obrigatório de
máscaras: (1) A transmissão na comunidade é moderada, conforme definido pelo
CDC, por pelo menos três semanas, (2) os números de hospitalização são baixos e
estáveis e (3) 80 por cento da população total está totalmente vacinada.
O que vamos fazer de fato tem que se basear em quais tipos
de dados nos servirão de base .
Para evitar que os hospitais fiquem sobrecarregados, o
grupo-chave que precisamos vacinar são, na verdade, os idosos. O risco de
hospitalização para uma pessoa não vacinada com mais de 80 anos é 25 vezes
maior do que para uma pessoa não vacinada com menos de 18 anos . Uma análise do
Financial Times de dados do Reino Unido descobriu que a vacinação de 25.000
crianças teve o mesmo efeito sobre as hospitalizações que a vacinação de apenas
800 adultos com mais de 60 anos.Não se pode compensar a baixa taxa de vacinação
entre adultos idosos vacinando mais jovens.
Um país que se destacou na vacinação de sua população idosa
é a Dinamarca. Noventa e cinco por cento das pessoas com mais de 50 anos
tomaram a vacina COVID-19, além de uma taxa geral de vacinação de 90 por cento
para os elegíveis. ( Crianças menores de 12 anos ainda não são elegíveis por lá)
Em 10 de setembro , a Dinamarca suspendeu todas as restrições. Sem máscaras.
Sem limites de público em bares ou discotecas. A vida parece estar completamente de
volta ao normal.
O ponto crucial que estamos aprendendo sobre a Covid é que
as decisões sobre as medidas de controle são feitas em uma base de curto prazo.Desta
forma,se a situação mudar, será necessário retomar as restrições.E a pergunta é
: estamos preparados para estes retrocessos ?
Mesmo quando o coronavírus tornar-se endêmico, pessoas
ficarão doentes , algumas irão precisar de hospitalização e acontecerão óbitos.
Isso significa que nossa luta contra a COVID-19 não acabou, e precisamos considerar
estratégias sustentáveis a longo prazo. Ambientes bem ventilados , por
exemplo, podem tornar os espaços internos mais seguros contra todos os vírus
respiratórios.. E mesmo sem ordens para o uso de máscaras, as pessoas que se
sentem em risco ainda devem usá-las. A longo prazo, também precisamos de menos
foco em políticas que funcionam “reduzindo pequenos riscos entre muitos” e mais
em políticas direcionadas às pessoas mais afetadas pelo COVID-19.
Durante a pandemia, o
vírus tem desproporcionalmente afetado pessoas mais pobres.Quando a COVID-19 se
tornar endêmica, provavelmente, como muitas doenças, continuará a estar
relacionada à pobreza.
Precisamos prestar mais atenção em quem e por que as pessoas
estão em risco.A saúde pública precisa voltar às suas raízes tradicionais ,
onde combater as doenças também significa reformar as condições dignas de vida
e de trabalho.
Questões difíceis estão por vir e as respostas exigem
vontade política. Mas primeiro precisamos de um objetivo.