Mesmo diante da evolução para uma terceira onda da pandemia na
Inglaterra, o governo planeja reabrir ainda mais o país. Parece implícita nessa
decisão o conhecimento de que as infecções aumentarão, mas que isso não importaria
porque as vacinas “quebraram o elo entre infecção e mortalidade”.No próximo 19
de julho - denominado Dia da Liberdade - quase todas as restrições ainda em
vigência devem terminar. Porém, esta decisão é perigosa e prematura.
O fim da pandemia por meio da imunidade populacional exige
que um percentual suficiente da população esteja imune para evitar o
crescimento exponencial do SARS-CoV-2. É improvável que esta imunidade seja
alcançada diante do atual ritmo de vacinação em vigência no país.
A intenção do governo do Reino Unido ao aliviar as
restrições é uma suposta imunidade alcançada pela vacinação para algumas
pessoas, somada à infecção natural para outras (principalmente os jovens). O
Secretário de Saúde do Reino Unido afirmou que os casos diários podem chegar a
100.000 por dia durante os meses de verão de 2021. A ligação entre infecção e
morte pode ter sido amenizada, mas não foi quebrada, e a infecção ainda pode
causar morbidade substancial tanto na doença aguda quanto na de longa duração.
Trata-se de uma arriscada e irresponsável decisão.
Nessa proposta a transmissão não controlada afetará
desproporcionalmente crianças e jovens não vacinados. Dados oficiais do governo
do Reino Unido mostram que, em 4 de julho de 2021, 51% da população total do
Reino Unido tinha sido totalmente vacinada. Mesmo assumindo que aproximadamente
20% das pessoas não vacinadas estariam protegidas por infecção anterior de
SARS-CoV-2, isso ainda deixa mais de 17 milhões de pessoas sem proteção contra
a COVID-19. Considerando isso, e a alta transmissibilidade da variante
SARS-CoV-2 Delta, o crescimento exponencial provavelmente continuará até que
milhões de pessoas sejam infectadas, deixando centenas de milhares com doenças
e incapacidades de longo prazo. Essa estratégia corre o risco de criar uma
geração com problemas crônicos de saúde e deficiências, cujos impactos pessoais
e econômicos poderão ser sentidos nas próximas décadas.
As altas taxas de transmissão nas escolas e nas crianças
levarão ,inevitavelmente, a uma interrupção educacional significativa. A causa principal
da interrupção educacional é a transmissão, não o isolamento. Reduções rígidas
nas escolas, juntamente com medidas para manter a transmissão na comunidade
baixa e a eventual vacinação das crianças, garantirão que as crianças possam
permanecer nas escolas com segurança .Isso é ainda mais importante para
crianças vulneráveis clínica e socialmente. Permitir que a transmissão
continue durante o verão criará um reservatório de infecção, que provavelmente
irá acelerar a propagação quando as escolas e universidades reabrirem no
outono.
Dados de estudos genômicos sugerem que a estratégia do
governo oferece um terreno fértil para o surgimento de variantes resistentes à
vacina. Isso colocaria todos em risco, incluindo aqueles já vacinados, no Reino
Unido e em todo o mundo. Embora as vacinas possam ser atualizadas, isso requer
tempo e recursos, deixando muitos expostos nesse ínterim. A disseminação de
variantes de escape potencialmente mais transmissíveis afetaria
desproporcionalmente os mais desfavorecidos .
O pior : esta estratégia terá um impacto significativo nos
serviços de saúde e no esgotamento das equipes médicas que ainda não se recuperaram
das ondas de infecção anteriores. A ligação entre os casos e as internações
hospitalares não foi quebrada, e o número crescente de casos inevitavelmente
levará ao aumento das internações hospitalares, repercutindo ainda mais na
prestação de serviços de saúde não associados à Covid 19. Essas políticas
continuarão a afetar desproporcionalmente os mais vulneráveis e
marginalizados, aprofundando as desigualdades.
Diante desses graves riscos,é antiética e ilógica qualquer
estratégia que tolere altos níveis de infecção. O governo do Reino Unido deve
reconsiderar sua estratégia atual e tomar medidas urgentes para proteger o
público, incluindo as crianças.Oa governo deve atrasar a reabertura completa
até que todos, incluindo adolescentes, tenham recebido a oferta de vacinação e
a adesão seja alta.
Nenhum comentário:
Postar um comentário