terça-feira, 6 de outubro de 2020

a real letalidade do COVID 19

Desde os primeiros casos do COVID 19 a real taxa de letalidade foi sub calculada. Uma das primeiras estimativas publicadas, com base em pacientes hospitalizados na cidade chinesa de Wuhan, indicou um risco de morte de 15%, pois seis dos 41 internados no então epicentro da epidemia não haviam resistido às complicações decorrentes da infecção.

 Nove meses depois do início na China, mais de 33 milhões de casos em todo o mundo, 1 milhão de mortos e incontáveis estudos científicos, esse índice caiu drasticamente. A letalidade da covid-19 varia entre 0,5% e 1%, segundo estudos ao redor do mundo, mas essa taxa ainda está em discussão. Como muitas questões envolvendo a doença e o vírus Sars-CoV-2, essa também é cercada de complexidade.


A começar pelo desafio de obter com precisão os dois dados essenciais para calcular a taxa de letalidade: o número de pessoas infectadas pelo vírus e o de óbitos decorrentes da covid-19. 

Embora seja difícil mensurar qualquer pandemia enquanto ela ainda está em curso, ainda mais quando se trata de uma doença nova, a tarefa de conhecer a real extensão de sua gravidade torna-se mais complicada em razão de certas especificidades do novo coronavírus, como a grande proporção de indivíduos infectados, mas assintomáticos, as variadas manifestações clínicas da doença e as peculiaridades da resposta imune ao Sars-CoV-2.


De acordo com a OMS (Organização Mundial da Saúde), há duas medidas para calcular a proporção de indivíduos infectados que apresentarão desfechos fatais. A primeira é a IFR (taxa de letalidade de infecções), que estima a proporção de mortes entre todos os indivíduos infectados. A segunda avalia a proporção de mortes entre os casos confirmados e é conhecida como CFR (taxa de letalidade de casos clínicos).

A CFR pode variar enormemente entre os diferentes países, indo de 0,1% a mais de 25%. Isso ocorre em razão de fatores variados, entre eles a capacidade de testagem de cada localidade (quanto mais exames, mais diagnósticos de casos leves e assintomáticos e menor taxa de letalidade), a demografia do lugar (quanto mais idosa a população, maior o risco de morte pela covid-19) e a diversidade de condições de acesso à saúde da população.


Em meados de setembro, o centro de informações sobre coronavírus da Universidade Johns Hopkins, nos Estados Unidos, apontava para o Brasil uma taxa de letalidade de casos de 3%, índice equivalente ao norte-americano. Já o México e o Equador, no topo da lista dos 20 países mais afetados pela pandemia em termos de letalidade, registravam percentuais de 10,6% e 9,2%, respectivamente. A Índia, segunda nação mais populosa do mundo e vice-líder em número absoluto de casos, atrás apenas dos Estados Unidos, apresentava um valor bem inferior, de 1,6%.


Uma das questões é que a CRF só contabiliza os casos confirmados, aqueles que entram para as estatísticas oficiais e cujos critérios podem mudar segundo cada governo. Boa parte das vezes, dependendo do país, não se consegue detectar e levar em conta todos os indivíduos assintomáticos ou que tiveram a forma leve da doença e, por isso, não foram diagnosticados. Com isso, aumenta a proporção de óbitos no universo dos casos, indicando uma letalidade maior do que seria na realidade. Por esse motivo, a CRF nem sempre é o melhor indicador para mostrar o quão letal é determinado microrganismo ou doença.

A IFR cumpriria melhor esse papel. Mas para conseguir calculá-lo com precisão é indispensável conhecer o número total de infectados pelo Sars-CoV-2 numa população. Como é difícil e caro testar toda a população para contabilizar todos os contaminados, governos, universidades e centros de pesquisa costumam colher informações de uma amostra populacional para estimar quantas pessoas daquele país, região ou cidade já teriam sido infectadas, sendo assintomáticas ou não, diagnosticadas ou não. São os chamados inquéritos sorológicos.

O problema, porém, é que boa parte dessas investigações tem mostrado que a prevalência de anticorpos cai com o passar do tempo, colocando em cheque a eficácia dos testes e pondo em dúvida a durabilidade da resposta imunológica humoral (com anticorpos) à infecção.

Um amplo estudo realizado na Islândia e publicado em 1º de setembro jogou luz sobre as dúvidas em relação à defesa humoral. No pequeno país europeu insular com 364 mil habitantes e somente 10 mortes atribuídas à covid-19 até meados de setembro, 15% da população já havia sido testada até 15 de junho pelo exame molecular RT-PCR quantitativo, que detecta material genético do vírus.


Para investigar a resposta humoral, os pesquisadores islandeses partiram de uma amostra inicial superior a 30 mil pessoas usando seis tipos diferentes de testes de anticorpos e chegaram à conclusão de que o nível de alguns anticorpos antivirais não cai após quatro meses de diagnóstico. O que muda, segundo o estudo, é o tipo de anticorpo detectado em cada teste – e apenas dois desses exames são capazes de detectar os anticorpos cuja quantidade não se reduz com o tempo, fornecendo a medida apropriada de soropositividade.

Ao calcular de forma mais precisa o número de pessoas que já foram infectadas, os cientistas afirmam ter conseguido fazer uma estimativa mais acurada da letalidade no país, estabelecida por eles em 0,3%.. Segundo eles, entre as pessoas infectadas na Islândia, 56% tinham sido previamente diagnosticadas via teste PCR; 14% estavam em quarentena e não tinham sido submetidas ao PCR ou haviam recebido resultado negativo; e 30% não estavam nem em quarentena nem tinham anteriormente PCR positivo.

No estado brasileiro do Maranhão, que no boletim epidemiológico da Secretaria de Estado da Saúde sobre a covid-19 divulgado em 14 de setembro tinha 162.998 casos confirmados e 3.590 óbitos, um inquérito sorológico realizado entre 27 de julho e 8 de agosto com 3.156 pessoas trouxe resultados surpreendentes. A prevalência de anticorpos no estado foi de 40%. Em cidades de médio porte, com 20 mil a 100 mil habitantes, a prevalência chegou a 47%.

A partir desses dados, a taxa de letalidade de infectados foi calculada em 0,17%

Além do desafio de identificar o número de infectados pelo novo coronavírus, os pesquisadores maranhenses também enfrentaram dificuldades para obter o outro indicador fundamental para calcular a letalidade, o de óbitos por covid-19. O Brasil testa pouco e, quando testa, os resultados podem demorar a sair. Além disso, muitas vezes o veredicto sobre a causa da morte ocorre depois de feita a declaração de óbito e, portanto, não entra como covid-19 nas estatísticas do SIM (Sistema de Informação sobre Mortalidade) do Ministério da Saúde. Isso leva a uma elevada subnotificação, situação comum não apenas no Maranhão, mas em todo o país.

A dificuldade de diagnóstico pode ajudar a explicar outro fenômeno observado no Brasil e em outros países: o excesso de mortes por causas naturais quando se compara o mesmo período deste ano com a média dos últimos cinco anos. Um relatório da organização global de saúde pública Vital Strategies indicou que houve no país 22% mais mortes desse tipo do que seria esperado desde a primeira vítima fatal por covid-19, em 16 de março, até 6 de junho.

Uma taxa de letalidade de 0,17%, como a calculada no Maranhão, ou de até 1% pode parecer pequena, mas o cenário muda quando há centenas, milhares ou milhões de infectados em um curto período de tempo.

No caso da covid-19, destacam os especialistas, a letalidade varia muito conforme a idade dos infectados. No Maranhão, quando se observam os dados apenas das pessoas com mais de 70 anos, a taxa sobe para 2,4%. Na Islândia, a IFR nessa faixa etária passa para 4,4%. 






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