A fragmentação
cognitiva forjada pela mídia digital não só tem alterado a mente individual mas
transformado a consciência coletiva de forma a simular os meios das estruturas
antigas tribais dentro de um contexto tecnológico moderno. Esta neo-tribalização
se manifesta não através de proximidade geográfica mas através de informação
compartilhada que cria vínculos distintos com a realidade—sistemas epistêmicos
fechados cada vez mais imunes às correções externas.
Os sociologistas que acompanham esses desenvolvimentos têm
documentado o surgimento de tribos cognitivas—grupos definidos menos pelas
marcas tradicionais como geografia, etnia ou classe do que por fontes de
informação compartilhadas,estruturas interpretativas e autoridades epistêmicas.
Essas tribos se comunicam por distintos vocabulários, modelos explanatórios e
gatilhos emocionais que demarcam fronteiras tribais mais efetivamente do que qualquer
barreira física.
Esse processo começa com algoritmos,mas rapidamente adquirem
propriedades auto-reforçadoras que transcendem o determinismo tecnológico.Sinais
iniciais de preferência—clicks, compartilhamentos, tempo de visualizações—explodem
em conteúdos de recomendações que incrementam a exposição estreita aos pontos
de vista.Vão se criando filtros que reforçam o significado e a credibilidade.
Essas dinâmicas estabelecem bolhas hermenêuticas—comunidades
interpretativas onde as narrativas adquirem propriedades auto-vedantes. Dentro
dessas bolhas, confirmar evidências encara escrutínio mínimo onde informações
contraditórias disparam respostas prontas.Quanto maior o desafio para as narrativas
tribais, mais forte a resposta de volta—isso cria uma situação paradoxal onde
evidências contraditórias são reforçadas mais do que o próprio comedimento.
Epistemologicmente, esse processo manifesta o colapso das
regras padrão. Diferentes tribos operam com concepções diferentes fundamentais.
Isso gera um mais profundo contra argumento sobre o óbvio; um desentendimento
de como o conhecimento deve ser validado.
Os mecanismos psicológicos na base dessas transformações
derivam das tendências humanas fundamentais motivadas pela proteção da
identidade. Nossa cognição tem sido sempre social, orientada através de
afiliações em grupos que,historicamente, levavam a proteção e vantagens de
sobrevivência. O ambiente digital intensifica essas tendências por providenciar
feedback contínuo nas consequências sociais das crenças. Cada informação agora
vem embebida uma matriz de sinais sociais—likes,compartilhamentos, comentários—que
impõem às tribos as implicações de rejeição ou de aceitação.
Esta neo-tribalização tem profunda consequências para o
mundo em que vivemos.Quando cidadãos habitam diferentes ambientes de informação,
a construção de consenso se quebra. Problemas não podem ser solucionados porque
a sua própria existência se torna contestável. Instituições cientificas,
universidades, sistemas de saúde e judicial dependem de mínimos consensos
epistêmicos. Quando estes estão fragmentados,a legitimidade institucional
erode. A O conhecimento especializado não mais comanda as diferenças fora da
tribo.
Talvez o mais preocupante é como essas dinâmicas remodelam
nossa capacidade coletiva de enfrentar desafios existenciais. Problemas que
necessitam de ações coordenadas politicas, culturais,,clima,respostas a
pandemias, armas nucleares tornam-se cada vez mais incontornáveis na medida em que
as fragmentações epistemiológicas se aprofundam. Soluções requerem definições
compartilhadas dos problemas,exatamente onde a condição tribal mais se fecha em
si própria.
A fragmentação linguistica realça talvez a mais profunda
consequência da captura cognitiva : a erosão do diálogo genuíno.O verdadeiro
diálogo demanda contextos partilhados dentro dos quais as trocas se tornam
significativas. Tribos cognitivas desenvolvem linguagens insulares,a
possibilidade de trocas autênticas inexistem.O discurso público é
performático,muito mais do que comunicativo—designado para sinalizar a
afiliação tribal.
Além da linguagem familiar da polarização existe algo mais
fundamentall: a desintegração do cognitivo que faz a realidade assumir
contornos ficcionais
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