domingo, 26 de outubro de 2025

as novas tribos

 







A  fragmentação cognitiva forjada pela mídia digital não só tem alterado a mente individual mas transformado a consciência coletiva de forma a simular os meios das estruturas antigas tribais dentro de um contexto tecnológico moderno. Esta neo-tribalização se manifesta não através de proximidade geográfica mas através de informação compartilhada que cria vínculos distintos com a realidade—sistemas epistêmicos fechados cada vez mais imunes às correções externas.

Os sociologistas que acompanham esses desenvolvimentos têm documentado o surgimento de tribos cognitivas—grupos definidos menos pelas marcas tradicionais como geografia, etnia ou classe do que por fontes de informação compartilhadas,estruturas interpretativas e autoridades epistêmicas. Essas tribos se comunicam por distintos vocabulários, modelos explanatórios e gatilhos emocionais que demarcam fronteiras tribais mais efetivamente do que qualquer barreira física.

Esse processo começa com algoritmos,mas rapidamente adquirem propriedades auto-reforçadoras que transcendem o determinismo tecnológico.Sinais iniciais de preferência—clicks, compartilhamentos, tempo de visualizações—explodem em conteúdos de recomendações que incrementam a exposição estreita aos pontos de vista.Vão se criando filtros que reforçam o significado e a credibilidade.

Essas dinâmicas estabelecem bolhas hermenêuticas—comunidades interpretativas onde as narrativas adquirem propriedades auto-vedantes. Dentro dessas bolhas, confirmar evidências encara escrutínio mínimo onde informações contraditórias disparam respostas prontas.Quanto maior o desafio para as narrativas tribais, mais forte a resposta de volta—isso cria uma situação paradoxal onde evidências contraditórias são reforçadas mais do que o próprio comedimento.

Epistemologicmente, esse processo manifesta o colapso das regras padrão. Diferentes tribos operam com concepções diferentes fundamentais. Isso gera um mais profundo contra argumento sobre o óbvio; um desentendimento de como o conhecimento deve ser validado.

Os mecanismos psicológicos na base dessas transformações derivam das tendências humanas fundamentais motivadas pela proteção da identidade. Nossa cognição tem sido sempre social, orientada através de afiliações em grupos que,historicamente, levavam a proteção e vantagens de sobrevivência. O ambiente digital intensifica essas tendências por providenciar feedback contínuo nas consequências sociais das crenças. Cada informação agora vem embebida uma matriz de sinais sociais—likes,compartilhamentos, comentários—que impõem às tribos as implicações de rejeição ou de aceitação.

Esta neo-tribalização tem profunda consequências para o mundo em que vivemos.Quando cidadãos habitam diferentes ambientes de informação, a construção de consenso se quebra. Problemas não podem ser solucionados porque a sua própria existência se torna contestável. Instituições cientificas, universidades, sistemas de saúde e judicial dependem de mínimos consensos epistêmicos. Quando estes estão fragmentados,a legitimidade institucional erode. A O conhecimento especializado não mais comanda as diferenças fora da tribo.

Talvez o mais preocupante é como essas dinâmicas remodelam nossa capacidade coletiva de enfrentar desafios existenciais. Problemas que necessitam de ações coordenadas politicas, culturais,,clima,respostas a pandemias, armas nucleares tornam-se cada vez mais incontornáveis na medida em que as fragmentações epistemiológicas se aprofundam. Soluções requerem definições compartilhadas dos problemas,exatamente onde a condição tribal mais se fecha em si própria.

A fragmentação linguistica realça talvez a mais profunda consequência da captura cognitiva : a erosão do diálogo genuíno.O verdadeiro diálogo demanda contextos partilhados dentro dos quais as trocas se tornam significativas. Tribos cognitivas desenvolvem linguagens insulares,a possibilidade de trocas autênticas inexistem.O discurso público é performático,muito mais do que comunicativo—designado para sinalizar a afiliação tribal.

Além da linguagem familiar da polarização existe algo mais fundamentall: a desintegração do cognitivo que faz a realidade assumir contornos ficcionais

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