A medicalização é uma transformação das condições humanas ,
das suas capacidades e incapacidades, através de uma intervenção
farmacológica.Esse processo ultrapassa a questão restrita ao adoecimento para
abranger as propostas , por exemplo , de mudanças de estilo de vida.
A
modernidade nos trouxe a constatação de um perigoso encontro : aquele que busca
a solução de seus problemas em um comprimido e o prescritor que de modo
inconseqüente entende que toda e qualquer terapia é farmacológica.Vamos focar
na questão dos antidepressivos : estudos demonstram que somente uma em cada 9
pessoas vai se beneficiar com o seu uso.As 8 restantes são desnecessariamente
submetidas aos riscos dos efeitos adversos.O tamanho do efeito destas drogas é
modesto , ligeiramente superior quando comparado ao placebo e baseado em
escalas de avaliação de questionável relevância clinica.
As alterações de humor comumente refletem as circunstâncias
variáveis do cotidiano.A velha frase “ o tempo é o senhor da razão” representa
a melhor conduta na maioria dos casos.Muitas manifestações depressivas
respondem com sucesso às intervenções psicológicas que não incluem a
dependência farmacológica e melhoram substancialmente o desfecho sintomático.
A medicalização já foi entendida como referência do poder
médico , segundo as palavras do psicanalista Jean Clavreul.Uma espécie de
primazia sobre o paciente.Porém evoluímos para um processo também de escape da
medicalização da esfera médica na medida em que a informação socializou e
vulgarizou o acesso aos fármacos.Os pacientes agora ocupam uma posição ativa
agindo como agentes de mudança.Porém , sem perceber ,acabam se transformando em
consumidores de saúde.
Na procura por segurança a arte de cuidar se esvai substituída
por uma prescrição mal substanciada,sem a preocupação com sua essência,seu
sentido.Mas que medicina é possível para subverter ou , pelo menos , contrapor
a isso ?Muito provavelmente aquela que ficou no discurso acadêmico tão
fragilizado pelos descasos com a saúde.
Infelizmente estamos numa era onde o imperativo é
medicalizar.Não apenas as condições objetivas,como uma terapêutica , mas também
as subjetivas , como as nossas angústias .