sábado, 11 de março de 2023

a terra inabitável....trecho do livro

 


A lentidão da mudança climática é um conto de fadas, talvez tão pernicioso quanto aquele que afirma que ela não existe, e chega a nós em um pacote com vários outros, numa antologia de ilusões reconfortantes: a de que o aquecimento global é uma saga ártica, que se desenrola num lugar remoto; de que é estritamente uma questão de nível do mar e litorais, não uma crise abrangente que afeta cada canto do globo, cada ser vivo; de que se trata de uma crise do mundo “natural”, não do humano; de que as duas coisas são diferentes e vivemos hoje de algum modo alijados, acima ou no mínimo protegidos da natureza, não inescapavelmente dentro dela e literalmente sujeitados a ela; de que a riqueza pode ser um escudo contra as devastações do aquecimento; de que a queima de combustíveis fósseis é o preço do crescimento econômico contínuo; de que o crescimento, e a tecnologia que gera, nos propiciará a engenharia necessária para escapar do desastre ambiental; de que há algum análogo dessa ameaça, em escala ou escopo, no longo arco da história humana, capaz de nos deixar confiantes de que sairemos vitoriosos dessa nossa medição de forças com ela.

Nada disso é verdade.

A Terra conheceu cinco extinções em massa antes da que estamos presenciando hoje, cada uma delas uma aniquilação tão completa que funcionou como um recomeço evolucionário, levando a árvore filogenética do planeta a se expandir e contrair a intervalos, como um pulmão: 86% de todas as espécies mortas, 450 milhões de anos atrás; 70 milhões de anos depois, 75%; 100 milhões de anos depois, 96%; 50 milhões de anos depois, 80%; 150 milhões de anos depois disso, 75% outra vez.

A maioria das pessoas aprendeu nos livros didáticos do ensino médio que essas extinções em massa foram consequência de asteroides. Na verdade, todas elas, com exceção da que matou os dinossauros, envolveram a mudança climática produzida por gases de efeito estufa. A mais notória ocorreu há 250 milhões de anos: começou quando o carbono aqueceu o planeta em 5ºC, acelerou quando esse aquecimento desencadeou a liberação de metano, outro gás de efeito estufa, e se encerrou deixando a vida na Terra por um fio.

Atualmente lançamos carbono na atmosfera a um ritmo consideravelmente mais acelerado; pela maioria das estimativas, pelo menos dez vezes mais rápido. Essa taxa é cem vezes mais rápida do que em qualquer outro ponto da história humana anterior ao início da industrialização. E neste exato instante há pelo menos um terço a mais de carbono na atmosfera do que em qualquer outro momento nos últimos 800 mil anos — talvez até mesmo nos últimos 15 milhões de anos. Os humanos ainda não estavam por aqui. O nível dos oceanos era pelo menos 30 metros acima do que é hoje.

Muitos enxergam no aquecimento global uma espécie de dívida moral e econômica, acumulada desde o início da Revolução Industrial, e acham que agora a conta chegou, depois de vários séculos. Na verdade, mais da metade do carbono dissipado na atmosfera devido à queima de combustíveis fósseis foi emitido apenas nas últimas três décadas. Ou seja: trouxemos mais prejuízos para o destino do planeta e sua capacidade de sustentar a vida humana e a civilização depois que Al Gore publicou seu primeiro livro sobre o clima do que em todos os séculos – ou milênios – anteriores. As Nações Unidas propuseram uma série de protocolos sobre o clima em 1992, inequivocamente informando ao mundo do consenso científico: isso significa que já engendramos mais destruição de caso pensado do que por ignorância.

Na década de 40, o sistema climático parecia, para a maioria dos observadores humanos, estável. Os cientistas haviam compreendido o efeito estufa e de que maneira o carbono produzido pela queima de madeira, carvão e petróleo podia esquentar o planeta e desequilibrar tudo o que nele vive.. Mas ainda não tinham visto para valer o efeito, o que o fez parecer menos um fato observável do que uma profecia sombria, a se cumprir somente num futuro distante – talvez nunca. Em 2016, semanas após a assinatura desesperada do Acordo de Paris, o sistema climático resvalava para a devastação, transgredindo o limiar da concentração de carbono – 400 partes por milhão na atmosfera terrestre, no linguajar sinistramente banal da climatologia –, que fora, por anos, a linha vermelho–vivo traçada pelos cientistas ambientais diante do avanço destrutivo da indústria moderna. Claro, isso não nos deteve: apenas dois anos depois, atingimos uma média mensal de 411 partes por milhão, e a culpa impregnou o ar do planeta tanto quanto o carbono, embora preferíssemos acreditar que não a respirávamos.

Há uma ameaça, a não ser que haja uma mudança de rumos no uso de combustíveis fósseis, que o muitas partes do planeta se tornem mais ou menos impróprias para os humanos até o fim do século. É nesse curso que seguimos alegremente a passos céleres – para mais de 4ºC de aquecimento até o ano de 2100. Segundo algumas estimativas, isso significaria que regiões inteiras da África, da Austrália e dos Estados Unidos, partes da América do Sul ao norte da Patagônia e da Ásia ao sul da Sibéria ficariam inabitáveis devido ao calor direto, à desertificação e às inundações. Certamente isso as tornaria inóspitas, assim como muitas outras regiões. Esse é o nosso itinerário, é a base de onde partimos. Porque, se o planeta foi levado à beira da catástrofe climática no tempo de vida de uma geração, a responsabilidade por evitá-la recai sobre uma única geração, também. E sabemos de qual geração estamos falando. Da nossa.

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