sábado, 29 de janeiro de 2022

Uma próxima variante

 

O Sars cov-2 continua evoluindo para novas variantes . Seu genoma tem 30.000 letras (sequência de aminoácidos), o que significa que o número de possíveis novas combinações é incrivelmente grande.

Os virologistas tentam entender essas possibilidades em um cenário hiperdimensional de ”  picos e vales”. Os picos mais altos que o vírus atinge o torna mais “apto” ou melhor em infectar pessoas. Quanto mais ele se replica, mais mutações surgem, mais “picos” ele pode encontrar. Para que fosse possível prever o que o coronavírus poderia fazer a seguir,  precisaríamos ter algo que ainda não temos : tempo de conhecimento sobre sua evolução. Isso já aconteceu com a variante Omicron , que surpreendeu a todos.

O que podemos dizer é que a maioria absoluta das mutações tornará o vírus menos apto (seriam os vales) ou não terá nenhum efeito.Uma proporção muito pequena será de picos ( diante da Omicron é tentador pensar que uma variante possa ser ainda mais transmissível !). Não sabemos exatamente com que frequência eles aparecerão. Quando a Delta dominou o mundo, tivemos a sensação que superaria todas as outras linhagens e que a próxima variante seria originada dela. Então surgiu a Omicron vinda de uma direção que ninguém havia pensado em olhar.

Podemos ser surpreendidos novamente. O vírus pode se tornar mais virulento ou  mais transmissível. Com certeza descobrirá novas maneiras de escapar dos anticorpos que formamos com as vacinas ou com uma doença. O que torna as previsões sobre a evolução viral ainda mais difíceis é o próprio cenário de condicionamento do vírus que está sendo continuamente remodelado à medida que nossa mistura de imunidade muda por meio de vacinação e infecção por novas variantes. Ainda assim, é extremamente improvável que o vírus sofra tantas mutações a ponto de “zerar” a nossa imunidade contra infecções graves. À medida que mais e mais pessoas ganham imunidade pelas vacinas ou infecções, isso diminuirá os riscos de desfechos mais graves.

As variantes do coronavírus continuam nos surpreendendo porque seus saltos evolutivos não se parecem com nada que vimos antes. A Omicron acumulou mais de 50 mutações , com mais de 30 apenas em sua proteína spike. Dos quatro coronavírus sazonais que causam resfriados comuns, dois acumulam apenas 0,3 ou 0,5 mutações adaptativas por ano nessas mesmas proteínas. Um terceiro não parece mudar muito. O quarto é um mistério — não temos dados suficientes de longo prazo sobre ele. A gripe é capaz de grandes saltos por meio de um processo chamado rearranjo, que pode causar pandemias ( como o H1N1 fez em 2009 ), mas a gripe sazonal tem em média apenas uma ou duas mudanças por ano em sua proteína-chave.

Existem três explicações possíveis para o motivo pelo qual a evolução do SARS-CoV-2 parece tão diferente da de outros vírus. Em primeiro lugar, nós realmente não olhamos muito para outros vírus respiratórios. Mais de 7,5 milhões de genomas de SARS-CoV-2 foram sequenciados; apenas algumas centenas ou algumas dezenas para cada um dos quatro coronavírus sazonais foram. Um conjunto de outros vírus também causa resfriados comuns: rinovírus, adenovírus, parainfluenza, vírus sincicial respiratório, metapneumovírus e assim por diante. Estes também são mal avaliados. Mais de 100 tipos de rinovírus infectam humanos, mas não temos uma grande compreensão de como essa diversidade surgiu ou evoluiu ao longo do tempo. Em segundo lugar, o coronavírus pode realmente ter uma característica inerentemente melhor do que outros vírus na exploração de seu cenário de condicionamento. Ajuda muito ser um vírus de RNA – este adquire mutações mais rapidamente do que um vírus de DNA.. O vírus do sarampo leva, em média, 11 ou 12 dias entre infectar uma pessoa e essa pessoa infectar outra; o Sars cov-2 leva apenas 1,5 a três .Terceiro : o coronavírus era um novo patógeno para nós , humanos. Não tínhamos nenhuma imunidade prévia a ele. Isso significa que ele conseguiu infectar uma proporção impressionante de pessoas em todo o mundo em dois anos - muito mais do que os vírus mais antigos são normalmente capazes de infectar.Cada vez que infecta alguém, ele se copia bilhões de vezes. Algumas cópias criadas em cada infecção abrigarão mutações aleatórias; algumas mutações serão até benéficas para o vírus. Mas essas mutações podem ter dificuldade em se tornar dominantes.. Demora um tempo normalmente para uma mutação progredir em direção a um novo paciente. O individuo infectado transmite apenas um pequeno número de partículas de vírus para a próxima pessoa, então a maior parte dessa diversidade se perde. Em milhões de infecções, algumas dessas mutações são transmitidas e gradualmente se acumulam em uma linhagem viral. A Delta parece ter evoluído desta forma. Um grande número de pessoas infectadas abre a possibilidade de haver um número incomum de infecções crônicas de uma só vez, que os especialistas acreditam ser outro grande impulsionador da evolução viral. Em uma infecção crônica, ao longo de semanas e meses, essas mutações virais benéficas têm tempo para se tornar dominantes e depois transmitir.

As origens da Omicron ainda são desconhecidas. Pode ter evoluído de forma fragmentada como a Delta, mas alguns virologistas pensam que seus ancestrais teriam sido encontrados por meio de sequenciamento , se assim fosse. Existem duas outras possibilidades: uma infecção crônica em alguém imunocomprometido ou um reservatório animal onde ela teve tempo de evoluir e “voltou” para os humanos. Compreender as forças evolutivas que criaram a Omicron pode nos ajudar a entender o que é possível – mesmo que não possa nos dizer exatamente como será a próxima variante.

Tivemos sorte com a Omicron. O conjunto de mutações que torna a variante tão boa em infectar até mesmo pessoas vacinadas também a torna um pouco menos virulenta. Não há razão para que isso seja sempre assim. A virulência do coronavírus é um subproduto de dois outros fatores sob pressão evolutiva mais direta: o quanto é transmissível e o quanto ele é para escapar da imunidade anterior. O quão mortal é não importa tanto, porque o coronavírus geralmente é transmitido no início de uma infecção, muito antes de matar seu hospedeiro.

Em todo o imenso cenário de condicionamento do coronavírus temos muitos caminhos diferentes para maior transmissibilidade ou escape imunológico. Um vírus pode se replicar muito rápido, de modo que os pacientes eliminam altos níveis dele. A Delta parece fazer isso, e foi mais virulenta. Ou o vírus pode mudar para se replicar principalmente no nariz e na garganta, onde pode ser mais fácil de transmitir, em vez dos pulmões. Aa Omicron parece fazer isso e é menos virulenta. A próxima variante pode ir para qualquer um dos lados – ou pode traçar um curso totalmente novo. Uma versão do Omicron chamada BA.2 está agora superando a variante clássica do Omicron no Reino Unido e na Dinamarca, embora ainda não esteja claro qual a vantagem que pode ter.

A Omicron não tem apenas muitas mutações; tem algumas realmente incomuns. Treze das mutações se agrupam em locais onde os cientistas não viram muitas mudanças antes. Isso sugere que as mutações normalmente tornam o vírus menos apto e são eliminadas. Mas é possível que essas 13 mudanças individualmente mal-adaptativas podem ser adaptativas quando presentes em conjunto. Sob o ambiente de seleção ligeiramente diferente dentro de um paciente imunocomprometido ou de um reservatório animal, o vírus ainda pode permanecer – até encontrar a combinação certa de mutações para compensar as alterações anteriores. Na Omicron, esse processo remodelou partes-chave da proteína spike para que ela se tornasse menos reconhecível pelos anticorpos existentes e encontrasse uma estratégia diferente para entrar nas células.

Outros conjuntos de mutações podem interagir de maneiras desconhecidas para alterar as principais funções virais? Quase certamente. Só não sabemos ainda quais são. Teremos que esperar e assistir ao SARS-CoV-2 nos próximos anos e décadas.

Existem limites para o quanto transmissível um vírus pode se tornar. O sarampo, o vírus conhecido mais transmissível, tem um R0 de 12 a 18, em comparação com o R0 do Delta de 5. O R0 da Omicron ainda não está claro, porque muito de sua vantagem sobre a Delta parece vir da evasão de anticorpos existentes, e não da transmissibilidade inerente. Como o coronavírus tem cada vez menos pessoas não imunes para infectar, a evasão imune se tornará uma restrição cada vez mais importante em sua evolução. E aqui, o vírus nunca ficará sem novas estratégias, porque o que é ótimo está sempre mudando.

sábado, 22 de janeiro de 2022

A Omicron nos tornará imunes ?

 Estudos avaliam que em Outubro de 2021 , portanto antes da Omicron se espalhar pelo mundo , cerca de 86,2 % dos americanos tinham anticorpos contra o SARS cov 2 , provenientes da exposição à doença ou por causa das vacinas . Nestes dias em que a variante vem infectando mais de 800 mil pessoas por dia nos Estados Unidos , os que se mantém virgens de exposição ou vacinação são uma fração diminuta.

Na visão mais otimista de nosso futuro, esse aumento de pessoas com anticorpos pode ser visto como um ponto de virada na proteção ao nível da população de um país. O alcance da Omicron seria tão abrangente que estaríamos próximos do fim da pandemia.

Mas há razões para acreditar que esta previsão não se concretizará. Uma nova variante pode surgir exatamente por essa propagação desenfreada do vírus. E pode , semelhante à Omicron , escapar da imunidade formada. 95% de pessoas expostas não significam 95% de pessoas protegidas.Quando os países sairem dessa onda, cada um dos indivíduos estará em pontos imunológicos radicalmente diferentes – alguns mais fortes, outros mais fracos..Certas comunidades terão proteção anti-COVID mais altos do que outras, que permanecerão relativamente vulneráveis. O vírus se espalha de forma desigual assim como as estratégias para detê-lo. Não temos uma estratégia definida que envolva vacinas , bloqueios e outras medidas sanitárias. Agora, as somas dessas decisões díspares serão refletidas em nossa imunidade.

A imunidade coletiva é a chave para acabar com uma pandemia. Mas sua construção começa com cada indivíduo. Até agora sabemos que a imunidade contra o coronavírus não é plenamente conhecida. Ainda não podemos dizer exatamente qual a diferença de proteção entre um indivíduo com esquema vacinal completo e recentemente infectado e outro com duas doses da vacina e também infectado recentemente.Infecções e vacinas adicionam proteção; o tempo a diminui. Nem a imunidade induzida por vírus nem a imunidade induzida por vacina parecem durar muito tempo . Uma exceção são as doenças graves : experiências com outros coronavírus mostraram que a proteção é mais duradoura.

Nem sempre é óbvio por que as pessoas respondem de maneira diferente aos mesmos vírus ou vacinas. Mesmo dentro de um mesmo grupo demográfico , alguns geram respostas realmente robustas, e outras simplesmente nunca o fazem.

Dois anos, bilhões de doses de vacinas, milhões de infecções documentadas , a taxa de vulnerabilidade em nossa população nunca foi maior ou mais difícil de manejar. Algumas pessoas de alto risco, que nunca foram vacinadas ou infectadas, não têm praticamente nenhuma proteção; muitos indivíduos jovens e saudáveis ​​foram triplamente vacinados e estão adquirindo infecções pela Omicron. É uma verdadeira varredura que o vírus vem fazendo com um abismo de possibilidades imunológicas. E o cenário do surgimento de uma outra variante instável e com repercussões imprevisíveis, distinta do Omicron e de tudo o que vimos antes,pode derrubar todas as suposições imunológicas otimistas que estabelecemos e nos enviar para mais uma onda devastadora.

Quando novas variantes aparecerem, elas mais uma vez  revelarão as nossas falhas e descaso com a pandemia . Provavelmente veremos ilhas de controle separadas por mares imensos de desigualdades de recursos vacinais e medidas de contenção : a proteção imunológica entre os privilegiados, a susceptibilidade em comunidades pobres, rurais ,de poucos recursos além dos negacionistas não vacinados.