sábado, 23 de março de 2019

Um universo dentro de nós








A Holanda foi o berço de Antonie Leeuwenhoek.Sua cidade natal Delft era conhecida por fabricar porcelanas.Mas Leeuwenhoek vinha de uma família de produtores de cestas.Ele era responsável por examinar a qualidade dos tecidos.E o fazia com uma lente que acabou se transformando no primeiro microscópio.Começava a fascinante história da microbiologia.

Mas levou um certo tempo para que sua descoberta eliminasse a antiga teoria das doenças (explicava-se quase tudo através dos chamados humores corporais e miasmas) .Em 1680 ,Leeuwenhok já tinha identificado que haviam micróbios diferentes em partes distintas do corpo e que as crianças têm micróbios diferentes dos adultos.A partir dessa possibilidade de penetrar num mundo até então invisível a associação de bactérias , vírus , fungos etc com doenças seguiu seu caminho de fascinantes mudanças na medicina.

Hoje , diante de tantas novas tecnologias continuamos a nos surpreender com a enorme importância desses microorganismos e suas interações com o homem.Estamos aprendendo que a chamada microbiota humana não é só mais numerosa do que imaginávamos mas que desempenha papel fundamental na nossa saúde e até na nossa personalidade.Temos cerca de 100 trilhões de células microbianas contra 10 trilhões de células humanas.Traduzindo : cerca de 1,5 Kgs do nosso peso são atribuídos aos microorganismos.Esse peso é quase o mesmo do nosso cérebro . Se entrarmos na consideração do DNA : cada um de nós tem cerca de 20 mil genes humanos mas pode ter 20 milhões de genes microbianos.Se somarmos toda essa carga genética chegaremos à conclusão que somos pelo menos 99% micróbios

.Um exemplo prático de como interagimos e dependemos de nossa microbiota : 80% da nossa digestão é feita pelos microorganismos.Os outros 20% são de nossa responsabilidade

Espécies diferentes habitam cada parte do nosso organismo.Assim , bactérias que são encontradas na boca diferem daquelas da pele.É exatamente esta diversidade que fascina os cientistas e vem explicando certas reações corporais.O mais interessante é que entre nós a microbiota também varia.Se pensarmos em termos genéticos (DNA humano) uma pessoa é 99,99% idêntica a outra qualquer.Mas se comparamos os micróbios do intestino notaremos apenas 10% de semelhança.Essa peculiaridade é que realmente nos torna diferentes biologicamente e é responsável por algumas patologias alérgicas,por exemplo, e até mesmo o nosso peso. Pesquisas mostraram que crianças com autismo têm microbioma intestinal diferentes das que não apresentam este problema.Muitos outros achados estão implicando a importância da nossa saúde microbiológica por exemplo : devemos pensar muito antes de ingerir um antibiótico.Apenas uma dose muda a nossa flora intestinal por 4 meses

A astronomia revelou que a Terra não era o centro do universo.O estudo do microbioma demonstra que o humano é mais um animal interagindo a todo momento com o universo que o habita.Não somos indivíduos,somos ecossistemas  

Onde está a consciência ?








Algumas condições como estados de choque , a meditação , experiências “fora do corpo” e intoxicação por drogas alteram nosso senso de tempo e de auto percepção
.Esses momentos têm sido ignorados pela ciência , ou carecem de explicações sensatas
.O neuropsicologista Marc Wittmann publicou um livro (Altered States of Consciousness) onde discute seus argumentos sobre os mistérios da consciência.Seus estudos tiveram inicio com o acompanhamento de pacientes vitimas de traumas do cérebro nos quais a noção de tempo esteve claramente distorcida.O próximo passo foi buscar uma associação pesquisando uma ampla variedade de estados onde a consciência está mudada ( como na meditação e no uso de drogas alucinógenas) , situações ditas como não usuais.

Drogas como o LSD promovem uma perda de conectividade entre certas áreas do cérebro mas , por outro lado , estimulam outras.A psilocibina é capaz de melhorar a ansiedade sobre a proximidade da morte em pacientes terminais.Estes exemplos provam que a consciência é dependente de certas conexões.O cérebro é competente para processar diferenças extremas na percepção.Esta é uma pista que vem sendo profundamente avaliada.

 Wittmann dá o exemplo também da experiência tão frequente dos sonhos.
Eles ocorrem regularmente , para algumas pessoas todas as noites , e não há uma clara distinção com os estados normais conscientes.O que resta de comum nesses fatos é que , simultaneamente , existe uma mudança do sentido do tempo e da percepção individual.Mas isso também acontece em estados normais de consciência. Um exemplo é o que ocorre durante o tédio onde o tempo parece se arrastar mas a percepção está absolutamente normal.Quando estamos completamente absorvidos no que estamos fazendo o tempo flui rapidamente.São as chamadas flutuações conscientes do cotidiano.Essas experiências ilustram as dificuldades de entendermos plenamente a consciência.Wittmann concorda que não temos uma definição pronta.Se perguntarmos a diferentes cientistas e filósofos teremos respostas distintas.Mas se observarmos os estados alterados da mente , onde os processos cerebrais ocorrem de modo diferente , poderíamos aprender sobre como chegar a um consenso.

Um grande debate atravessa a história da filosofia : o que é o self¿ .É uma identidade na mente ou simplesmente uma construção gerada por ausência de comprovações mais exatas ¿ .Na filosofia analítica e na budista existe o consenso que , na verdade , não existe o self.As pesquisas de Marc Wittmann mostram que em estados alterados da consciência o senso de self muda e até , em alguns casos , desaparece.Isto é bastante relacionado às questões básicas que permeiam a história do pensamento humano : se existe uma percepção individual do que ela seria constituída ¿. Essa intersecção da pesquisa científica , da psicologia e da filosofia ainda não chegou á conclusão para o que nos desafia desde sempre.