o inferno são os outros

Jean Paul Sartre é conhecido por seu cinismo sobre os relacionamentos interpessoais.Ele ressalta a ansiedade que nossos contatos com as pessoas produzem e o modo como podem inibir a autonomia pessoal.Ele pensa nas relações basicamente como conflitos.
A primeira razão pela qual as pessoas despertam em nós sentimentos negativos é que elas podem representar obstáculos potenciais à nossa liberdade e desenvolvimento.O surgimento do outro tira o indivíduo de seu estado de absorção.Esse novo contato pode ser uma surpresa mas também uma ameaça.
A vida é ameaçadora pois todos buscam recursos para a sobrevivência e satisfação.Não temos recursos infinitos em quantidade.Os outros são concorrentes fundamentais.
Diferentemente dos objetos inanimados,as pessoas podem ativamente desafiar o indivíduo negando-lhes o livre acesso,inibindo sua atividade.

Outra razão , segundo Sartre , pela qual os outros despertam nossos sentimentos negativos tem a ver com o fato de nos converterem em objetos.Enquanto tentamos pensar em nós mesmos como agentes e não objetos,os outros nos lembram de que somos seres físicos,corpos com propriedades.Comentam sobre nosso peso e altura,nossas roupas , nosso corte de cabelo.
Convertemos as pessoas em objetos porque não experienciamos (nem poderíamos) suas mentes,só interagimos com elas,basicamente como objetos.
Ser objeto é perturbador,porque,quando uma pessoa sabe que é uma coisa concreta sua liberdade de ser ou fazer é limitada.Uma característica da consciência humana é resistir a qualquer tipo de confinamento não escolhido

A ultima razão que gera sentimentos de antagonismo é que os outros roubam do indivíduo seu senso de primazia e controle.Como sabemos , as pessoas não são necessariamente o que queremos : não têm as mesmas crenças e não partilham dos mesmos gostos
Sartre afirma que muitas vezes a presença do outro cria uma "hemorragia" no mundo do indivíduo,uma fenda de desintegração.Mas Sartre tem a convicção de que precisamos do outro.Só assim desenvolvemos habilidades cognitivas,repertório emocional e atributos morais essencialmente humanos.

A dependência humana se evidencia por meio da medicina.E desta forma desenvolvemos a autopercepção e identidade pessoal.O passo fundamental para a consciência refletiva.

O outro possui o segredo do que sou

não-amor

No começo do século XXI o amor foi neutralizado e desacreditado.O romance tem sido atenuado.Imaginamos viver numa cultura erótica de oportunidades sem precedentes quando , na real , vivemos numa cultura insípida.
O romance é pobre e diminuído,tornou-se um esporte recreativo,um passatempo descompromissado.
Tornou-se "sexo seguro" , diversão , prazer fisico.O erotismo vulgarizou-se num objeto de consumo.
A banalização do amor é nossa maior tragédia.O mundo não tem mais encantos , cantos escondidos

Para que as relações romãnticas sobrevivessem foi necessário extirpar-lhes o romance , ironizá-las , torná-las egoístas , limitá-las.O prazer é uma mercadoria desejável e nos tornamos ávidos no seu consumo....mas a que preço ?

O que acontece quando o amor é desigual , quando não há reciprocidade ?
O amor é conquista e autoconquista.Na sociedade do desempenho a reciprocidade esvaece
O amor romântico sempre foi uma crença.Nunca uma resposta racional.Nunca uma escolha de estilo de vida.Quando a crença desaparece ela nunca é substituída por algo maior.Surge sempre algo menor , insípido

Sem sua carga lirica o amor tornou-se apenas conveniente desprovido de qualquer glamour.
Tornou-se um amor breve,ligeiro.
Tornou-se um não-amor

adoecer hoje

Cada época possui suas enfermidades clássicas.A nossa  se caracteriza pelos quadros neuronais.Depressão , déficit de atenção , transtornos de personalidade , burnout etc.
Ao examinarmos as bases para o seu fundamento , o adoecer de hoje é uma causa que permeia pelos nossos atos cada vez mais egocêntricos.
A sociedade não é mais disciplinar mas de desempenho.Somos sujeitos de produção e visibilidade.
Antes tínhamos espaços mais delineados entre o normal e o anormal.Nossa sociedade transformou tudo em direitos e regras do politicamente correto.Há um poder tirano , ilimitado , que é verbo modal positivo da sociedade do desempenho.Antes geravamos loucos e deliquentes , agora geramos depressivos e fracassados.

O depressivo de hoje não está cheio , no limite , mas esgotado de si mesmo.Há um imperativo de sermos muito além do que somos.A falsidade do que expomos nos confronta com a realidade indissoluvel.A pressão do desempenho.A alma consumida.Um mandato a ser cumprido pela modernidade.
A angustia do individuo depressivo que que " nada é possível " só se torna possível numa sociedade que crê que " nada é impossível ".

O sujeito do desempenho guerreia com si próprio.O depressivo é o inválido dessa guerra internalizada

sociedade do desempenho

A sociedade do desempenho está dominada pelo verbo poder em contraposição à sociedade da disciplina , do verbo dever.Não muito importa a desculpa ou a gratidão.
O corpo gasta seu valor expositivo , uma mercadoria.
Não se pode amar o outro , transformado na sua alteridade,só se pode consumi-lo
Quando só se toma o outro como objeto sexual destruímos a distância originária , aquela que distancia o outro na sua individualidade impedindo a sua coisificação.
Hoje se perde o respeito em nome do verbo poder.Não se experimenta o outro na sua alteridade.
Os meios digitais buscam uma aproximação mas com isso não temos mais o outro.Essa proximidade é uma negatividade.Por isso causa tensão
O amor é transformado numa fórmula liquida.Não passa de uma excitação inconsequente.

A sociedade do desempenho,dominada pelo poder , onde tudo é possível,onde tudo é iniciativa e projeto,não tem acesso ao amor enquanto paixão e vulnerabilidade
No mundo da positividade só são admitidas coisas a serem consumidas.

Desta forma vemos a vigência de uma atualidade total que afasta o instante.
O tempo desprovido de instante é meramente aditivo....não é mais situativo.
O instante cede lugar ao clique...para ligar ou deletar

possibilidades do amor

Eva Illouz no livro " por que o amor machuca" discute que num mundo de possibilidades ilimitadas,o amor não tem vez.Hoje vive-se a racionalização do amor baseada na ampliação da escolha.Está em curso algo que sufoca esse sentimento,bem mais do que a liberdade infinda ou as possibilidades amplas.

Não é apenas a oferta de outros mas a erosão do outro que contribui para a crise do amor.
Hoje caminha-se cada vez mais de mãos dadas com a narcisificação do si-mesmo.O outro desaparece de modo dramático

No mundo do igual , que estamos nos transformando , já não mais nos encontramos com a experiência do amor.Comparamos tudo com tudo e com isso nivelamos tudo ao igual,porque perdemos de vista justamente a experiência unica do outro
Numa sociedade narcisista a libido é investida na própria subjetividade.Não se consegue estabelecer claramente seus limites.Desaparece a fronteira entre eu e o outro.

A depressão pode ser uma enfermidade narcísica.Uma relação exageradamente sobrecarregada e pautada num controle intenso e doentio.O sujeito está esgotado e fatigado de si mesmo.Não tem mundo e é abandonado pelo outro.
O amor arranca o sujeito de si mesmo e o devolve para o outro

Só uma intensa revolução , beirando um apocalipse , nos poderá libertar de um inferno do igual em direção ao outro

animais egoístas

Sócrates nos ensinou sobre a vida examinada.Talvez , para quem acredite , Deus tenha um plano e sua vida tem sentido desde que você ajude Deus a colocá-lo em prática.A maioria das pessoas diz que o plano de Deus é feito porque ele vê nele uma sequência de eventos que fazem sentido.Nesse caso , porém , deve haver uma outra coisa que dê sentido ao plano.Desta forma,o sentido de nossa vida nada tem a ver com Deus.Para quem acredita na eternidade a vida se torna irrelevante.
Só o que fazemos por aqui importa.E esse é o limite tênue que pode nos tornar em animais egoístas .

Uma vida examinada é aquela que vale a pena ser vivida.É aquela em que se busca a verdade,uma vida de razão.A razão é que distingue os seres humanos distinguindo-os dos animais inferiores.

Aristóteles nos ensinou sobre a vida da razão.Aquela que é consequência da vida examinada.Uma pessoa que não usa a razão , que não leva uma vida examinada , não realiza seu potencial.Esconde-se no seu egoísmo

O que dá sentido à sua vida ? Com certeza não terá nada a ver com Deus , a alma ou a vida após a morte.
Para Aristóteles viver a vida da razão é permitir que o racional controle o irracional (nossos desejos).A parte irracional não contém um principio de medida.A razão, sabe medir as medidas apropriadas através das virtudes

Para quem acha que o tempo mudas tudo...isso não é verdade.O que muda é o ato de fazer as coisas.Se não fizermos nada,fica tudo como está.

câncer e obesidade

O índice de novos casos de câncer tem diminuído nos Estados Unidos desde 1990.Mas o aumento do sobrepeso - e dos cânceres associados à obesidade ( que correspondem a 40% do total de todos os tipos de cânceres) vêm em progresso.
Esses números acabam de ser publicados pelo CDC
Em 2014 , cerca de 630 mil pacientes americanos foram diagnosticados com um câncer relacionado à obesidade : esôfago , coloretal , endométrio , vesícula , estômago , rim , fígado etc.Os tumores não associados ao sobrepeso diminuíram em 15%.

Pacientes obesos são mais propensos a desenvolverem reações inflamatórias e alterarem seus níveis de insulina , hormônios sexuais e do crescimento que são gatilhos para que as células cresçam rapidamente e de modo não controlado
Cerca de dois terços das pessoas com obesidade e câncer estão na faixa etária dos 50 aos 74 anos e a maioria são mulheres.
Dados mostram que mesmo cerca de apenas um aumento de 5 kgs no peso em um adulto é associado a este maior risco.
Dois terços dos adultos nos Estados Unidos estão acima do peso

Las Vegas

Após o tiroteio em Las Vegas o governador do estado de Kentucky afirmou : " para todos os oportunistas que querem aproveitar a tragédia de Las Vegas a fim de criarem mais regras para o controle de armas saibam que vocês não podem controlar o mal "
Talvez não.
Mas países como a Austrália , a Inglaterra e o Canadá tem mostrado que a restrição da venda de armas tem bons resultados.Entre 1979 e 1996 a Austrália registrou 13 tiroteios com fatalidades.Desde 1996 , quando introduziu uma lei banindo a venda de armas semi automáticas e um programa de recompra de armamentos não aconteceu mais nenhum caso.
Nos Estados Unidos , diferentemente , uma lei extinguiu as compras de armas militares em 1994 mas foi revogada em 2004.O Presidente Obama após os ultimos atentados acontecidos durante sua gestão declarou : " não somos o único país a ter pessoas com problemas mentais que querem causar danos aos outros...mas somos o unico país onde esse tipo de tiroteio em massa acontece com muita frequência".

Isso que vem acontecendo é , antes de mais nada , um sinal que o governo está abandonando um de seus básicos deveres : o de proteger seus cidadãos.O país está mostrando sintomas que mostra sua tendência a se tornar um estado disfuncional , com sua inabilidade de encarar o lobby da venda de armas como um fator dos mais graves.
Este ano em Fevereiro ,  Donald Trump assinou uma lei que torna mais fácil para pessoas com problemas mentais terem acesso a armas , incluindo rifles semi-automáticos

Num estado em falência é assim que as coisas acontecem

amores sólidos....amores liquídos

Existe o mito do amor materno.Tendemos a acreditar que este sentimento é inato.Mas não é,
Sentimentos são construídos,vivenciados.A maneira como se interpreta aquilo que se sente enquanto amor só acontece através de experiências compartilhadas.

Nossa vida em sociedade sempre foi regida por ações e estratégias para atingir objetivos que nos permitem ter sucesso.Um dos fenômenos da sociedade de consumo é o exagero motivado pela facilidade que hoje nos proporcionam os meios sociais.Estabelecemos laços cada vez mais frequentes porém nem tão sólidos.Isso passa despercebido no cotidiano e só é notado , tardiamente , no exagero.

O amor é um sentimento construído em sociedade.Para que se estabeleça existe um certo grau de troca.Porém , se a relação se cria pelo principio da vantagem, fato bastante comum , estou consumindo o outro.Existe o interesse no que esta relação traz a cada um." Eu amo o outro porque ele (a) é assim ou assado".Isso é um tipo de barganha , é consumo.

O consumismo é um atributo da sociedade, adquirido através da alienação da capacidade de querer individual que é reciclada e retificada numa força externa que coloca a sociedade em movimento e mantém em curso o que se chama de convívio humano.

O amor é a capacidade de colocar as necessidades e segurança do outro em primeiro lugar.Ele é um presente que não exige agradecimento.Quando visto como mais um objeto de consumo adquire a descartabilidade.
Do sólido , impenetrável , dissolve-se com facilidade